As posturas (menos óbvias) de um grande estrategista

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estratégia não é um plano no papel. É um processo vivo, feito por pessoas tomando decisões sobre como empregar da melhor forma os recursos disponíveis para vencer um jogo. Por isso parte do que define a qualidade de uma estratégia são as posturas de quem está por trás dela.

Se já escrevemos um artigo por aqui sobre as grandes virtudes de um estrategista, agora vamos abrir espaço para falar dessas posturas práticas no dia a dia. E procuramos selecionar aquelas menos óbvias para quem se acostumou a pensar no estereótipo do estrategista com pensamento crítico, analítico, criativo, colaborativo etc. Isso tudo é muito importante, mas é sempre bom tratar daquilo que não está no radar de todo mundo.

 

Tough-Minded Optimism

Estratégia não é apenas um exercício analítico. Também não é uma questão de acreditar cegamente em uma visão grandiosa. Ela se constrói no meio-termo entre os dois: a clareza sobre os desafios e a confiança de que é possível superá-los. Mas esse equilíbrio não é óbvio para muitos estrategistas.

A formação tradicional em estratégia treina o olhar para encontrar falhas, riscos e inconsistências. E isso é útil. Quem se propõe a tomar decisões estratégicas precisa saber identificar o que pode dar errado, onde estão as fragilidades e como evitar armadilhas. O problema surge quando essa habilidade se transforma em um viés negativo. Um profissional que só sabe apontar riscos e obstáculos, mas nunca defende um caminho possível, não constrói nada. O pensamento estratégico vira apenas um exercício de desconstrução, sem progresso real.

Por outro lado, há o erro oposto: uma crença ingênua de que tudo dará certo, sem embasamento real. O otimismo puro, sem fundamento na realidade, pode ser ainda mais perigoso do que o pessimismo exagerado. Ele leva a apostas mal calculadas, a investimentos equivocados e a uma cegueira diante de sinais claros de que algo não está funcionando. Um estrategista que ignora os riscos para seguir acreditando em um cenário irreal não está sendo ousado – está sendo negligente.

A postura mais adequado é o que os gringos chamam de tough-minded optimism: um otimismo que não se desfaz diante das dificuldades, mas também não se ilude sobre elas. Ele exige uma mentalidade que reconhece problemas sem ser dominada por eles. Em vez de ficar preso na análise dos obstáculos, um estrategista com essa postura busca onde há espaço para avançar. Ele entende que mesmo em cenários desfavoráveis há caminhos possíveis – e trabalha para torná-los viáveis.

Isso se reflete no dia a dia de quem toma decisões estratégicas. Um líder de time que adota essa postura consegue sustentar a motivação da equipe sem criar falsas expectativas. Ele não promete que tudo será fácil, mas mostra que há soluções. Um profissional que trabalha com tough-minded optimism não deixa que a análise dos desafios vire desculpa para inércia, nem que a confiança excessiva leve a erros evitáveis. Ele equilibra as duas forças e mantém o time em movimento, construindo estratégias que não são apenas realistas, mas viáveis.

No final, estratégia não é só sobre saber o que pode dar errado. Também não é apenas sobre projetar cenários positivos. É sobre navegar entre essas duas forças sem ser paralisado pelo medo nem enganado pelo otimismo vazio. Essa postura é menos intuitiva do que parece, mas é o que separa quem apenas analisa problemas de quem constrói soluções.

 

Progresso por pequenas vitórias

Existe um mito sobre estratégia: a ideia de que ela nasce como um grande plano bem definido, um movimento certeiro que transforma o jogo de uma vez só. Essa visão é sedutora, mas raramente corresponde à realidade. Estratégias bem-sucedidas não surgem totalmente formadas. Elas são construídas ao longo do tempo, em pequenos passos que criam aprendizado, reduzem riscos e geram tração para mudanças maiores.

Isso não é intuitivo para muitos estrategistas, porque estratégia costuma ser associada a planejamento de longo prazo. O instinto de quem trabalha com isso é querer estruturar tudo antes de agir, reduzir ao máximo a incerteza e só então executar. Mas essa abordagem muitas vezes trava o processo. A busca pelo plano perfeito pode levar à paralisia. E, quando um plano grande demais finalmente entra em ação, ele já pode estar desatualizado ou ser inviável na prática.

A alternativa é construir estratégia a partir de small wins – pequenas vitórias que validam hipóteses, testam caminhos e ajustam a direção com o aprendizado do percurso. Em vez de esperar que tudo esteja claro para dar um grande passo, o estrategista que adota essa postura encontra o menor avanço possível que pode ser feito agora. Ele implementa, observa o impacto, aprende e decide o próximo passo com mais informação do que tinha antes.

No futebol, um jogo pode ser decidido por uma única jogada genial. Um drible inesperado, um chute preciso de fora da área, um lance de pura inspiração que resolve tudo. É assim que muita gente imagina a estratégia: como um movimento brilhante que define o jogo de uma vez. Mas o estrategista precisa jogar menos soccer e mais football. No futebol americano, o objetivo não é marcar pontos em uma jogada única e espetacular. O jogo é construído jarda a jarda, avanço por avanço, até chegar na end zone. É um jogo de paciência, repetição e progresso contínuo. Estratégia funciona do mesmo jeito. Apostar tudo em um lance genial pode dar certo, mas é arriscado. O que realmente funciona é avançar consistentemente, garantindo pequenas conquistas que acumulam impacto real.

Pequenas vitórias acumuladas geram confiança, engajam equipes e criam um senso de progresso tangível. Times que operam assim não precisam de discursos motivacionais vazios para se manterem animados – eles sentem que estão avançando de verdade, porque veem as melhorias acontecendo.

A resistência a essa mentalidade muitas vezes vem do receio de que avanços incrementais não sejam ambiciosos o suficiente. Mas, na prática, quem insiste em esperar pela mudança grandiosa acaba não mudando nada. Estratégia não é sobre criar o plano mais sofisticado, mas sobre fazer com que algo aconteça, mesmo em cenários incertos. E a melhor forma de garantir que algo aconteça é quebrar a jornada em pequenas conquistas, em vez de apostar tudo em um único grande movimento.

Quem entende isso não fica parado esperando a condição perfeita. Sabe que progresso acontece em etapas, que grandes mudanças são o resultado de pequenas ações repetidas, e que estratégia não é um evento isolado, mas uma construção contínua.

 

Antifragilidade

Quando um sistema é frágil, ele se quebra sob pressão. Quando é resistente, ele suporta o impacto sem ceder. Quando é resiliente, ele absorve o choque e se recupera para voltar ao estado original. Mas quando é antifrágil, ele usa o impacto para ficar mais forte do que antes. Essa é a diferença fundamental entre uma estratégia que apenas sobrevive e uma que aprende e cresce a partir da incerteza. Esse conceito, difundido por Nassim Taleb, pode e deve ser uma postura constante no trabalho de estratégia.

Isso não é intuitivo para muitos estrategistas porque o pensamento convencional sobre risco e planejamento gira em torno de estabilidade e previsibilidade. A lógica tradicional incentiva a busca por controle, a construção de planos detalhados e a tentativa de reduzir ao máximo a exposição a eventos inesperados. Mas o mundo real nunca funciona exatamente como o planejado. Estratégias baseadas apenas em previsibilidade são frágeis porque desmoronam quando a realidade se desvia do esperado.

A fragilidade se manifesta quando um profissional ou uma organização depende de um único cenário para funcionar. Se algo sai do esperado, tudo desmorona. A resistência, por outro lado, significa suportar o impacto e continuar, mas sem necessariamente melhorar. Resiliência já é um avanço: significa enfrentar o choque, absorver o dano e retornar ao estado inicial. Mas a antifragilidade vai além. Ela não busca apenas suportar ou recuperar-se – ela usa o impacto como combustível para melhorar.

Na prática, isso se traduz em algumas posturas muito específicas. Um profissional antifrágil não encara mudanças como ameaças, mas como oportunidades para crescer. Se um projeto importante é cancelado de última hora, ele não apenas busca minimizar o prejuízo, mas aproveita a situação para revisar sua abordagem, explorar novas soluções e, muitas vezes, sair com algo melhor do que o plano original. Empresas que operam com antifragilidade não apostam tudo em um único grande movimento. Em vez disso, testam pequenas mudanças, experimentam abordagens diferentes e aprendem com cada uma antes de escalar o que funciona. O aprendizado contínuo não é apenas um efeito colateral da incerteza – ele é incorporado ao processo desde o início.

Outro aspecto essencial da antifragilidade é a construção de opções. Estratégias tradicionais muitas vezes buscam eficiência máxima, eliminando tudo o que parece redundante. Mas eficiência absoluta pode gerar fragilidade. Um profissional que aposta toda a sua carreira em um único conjunto de habilidades corre um risco maior do que aquele que diversifica suas competências ao longo do tempo. O mesmo vale para empresas que dependem de um único fornecedor, um único mercado ou um único modelo de negócios. Manter alternativas em aberto não significa falta de foco, mas sim criar condições para que qualquer mudança inesperada possa ser transformada em uma vantagem.

Mais do que aceitar falhas, a antifragilidade exige que elas sejam usadas de forma concreta para melhorar o sistema como um todo. Isso significa aprender com erros, não apenas no nível individual, mas incorporando esses aprendizados na estrutura da estratégia. O estrategista antifrágil não apenas se recupera dos erros, ele ajusta suas decisões futuras de maneira a tornar cada falha um passo real de evolução. Quem encara a estratégia como algo fixo e imutável busca sempre voltar ao plano original. Quem opera de forma antifrágil entende que o plano original pode não ser o melhor caminho e usa cada impacto como uma oportunidade de construir algo mais forte.

Estratégias que resistem ao impacto podem até sobreviver. Mas as que realmente prosperam são aquelas que aprendem com ele e saem melhores do que entraram. Ser antifrágil não significa apenas suportar crises. Significa estruturar sua estratégia – seja de um negócio, seja de uma carreira – para que cada instabilidade seja uma vantagem, e não uma ameaça.

 

Conforto com incertezas

Estratégia nunca acontece em um ambiente de certeza total. Sempre faltam informações, sempre existem variáveis fora de controle, sempre há um nível de risco. Ainda assim, muitas pessoas treinadas para pensar estrategicamente buscam reduzir a incerteza ao máximo antes de tomar qualquer decisão. O problema dessa abordagem é que, na tentativa de esperar pelo cenário ideal, muitas oportunidades se perdem. Estratégia exige análise, mas também exige ação, e quem não consegue lidar com incerteza tende a adiar decisões até que seja tarde demais.

Isso não é intuitivo para quem aprendeu estratégia como um processo baseado em dados e diagnósticos precisos. O impulso natural é querer mais informações antes de agir. Esse desejo por clareza pode ser útil até certo ponto, mas se transforma em um obstáculo quando a busca por respostas perfeitas se torna uma barreira para o avanço. Algumas das melhores decisões estratégicas são tomadas com menos do que o ideal de informação. O que separa os bons estrategistas dos medianos não é o acesso a dados perfeitos, mas a capacidade de decidir bem mesmo quando os dados não são completos.

Aceitar a incerteza não significa agir no escuro ou tomar decisões impulsivas. Significa entender que nunca haverá um momento em que todas as variáveis estarão controladas. Significa desenvolver um senso apurado para identificar quando já se tem o suficiente para agir, em vez de paralisar esperando que todas as lacunas sejam preenchidas. Um estrategista que entende isso não se desespera diante de informações incompletas, porque sabe operar em um ambiente onde tudo pode mudar. Ele reconhece que cada decisão traz consigo um risco, mas que o maior risco de todos é a inação.

Na prática, essa postura se traduz na disposição de fazer ajustes enquanto se caminha. Quem precisa de certeza absoluta antes de agir tende a desperdiçar tempo tentando prever cada detalhe antes que algo sequer aconteça. Quem aceita a incerteza aprende a tomar uma decisão com base no que sabe agora, acompanhando os desdobramentos e adaptando-se conforme novas informações surgem. Em vez de esperar o mapa perfeito, aprende a navegar com as coordenadas que tem no momento.

Isso vale tanto para decisões individuais quanto para o funcionamento de equipes. Profissionais que sabem lidar com incerteza não travam diante de problemas complexos. Eles não ignoram riscos, mas também não usam a falta de clareza como justificativa para não se mover. Em um ambiente onde tudo muda o tempo todo, esperar certeza absoluta não é prudência – é uma receita para ficar para trás. Os melhores estrategistas não se destacam porque eliminam a incerteza, mas porque sabem agir apesar dela.

 

Foco em execução

Estratégia não acontece no mundo das ideias. Ela só existe de verdade quando algo muda na prática. Muitos estrategistas se dedicam ao desenho de planos sofisticados, mas falham em garantir que esses planos se tornem realidade. O maior erro não é ter uma ideia ruim – é ter uma ideia boa e não conseguir colocá-la de pé.

Isso não é intuitivo para quem enxerga estratégia como um exercício de pensamento abstrato. O perfil clássico do estrategista valoriza a capacidade de analisar cenários, identificar oportunidades e construir narrativas convincentes. Mas a realidade não é um slide bem estruturado. Nada acontece porque uma ideia é elegante ou porque uma lógica faz sentido no papel. O que separa um estrategista comum de um estrategista eficaz é a capacidade de manter o foco na concretização – de garantir que algo realmente funcione no mundo real.

Essa disciplina começa no próprio desenho da estratégia. Um estrategista disciplinado não se deixa seduzir por conceitos brilhantes que não podem ser executados. Ele pensa desde o início em como aquilo pode ser viabilizado, testado e escalado. Mas o trabalho principal vem depois: na obsessão por garantir que as coisas saiam do papel. Isso significa mergulhar nos detalhes operacionais, eliminar barreiras que impedem a implementação e encontrar caminhos práticos para transformar intenções em ações.

Esse foco na execução exige um tipo de energia que muitas vezes é subestimado. Não basta acompanhar a implementação à distância ou esperar que outras pessoas traduzam a estratégia em realidade. O estrategista precisa colocar uma parte significativa do seu esforço em fazer com que a coisa funcione de verdade. Se isso significa entrar na operação, ajustar processos ou adaptar a abordagem inicial, ele faz. Se significa rever suposições que pareciam certas, ele revê. A disciplina na execução não é só um compromisso com fazer acontecer – é um compromisso com a realidade, com testar e ajustar até que a estratégia realmente entregue resultados.

O erro mais comum não está em estratégias mal formuladas, mas em estratégias que nunca chegam a existir de fato. E isso acontece porque muita gente acha que estratégia é sobre concepção, quando na verdade ela só se concretiza na implementação. Quem entende isso não mede estratégia pelo que foi planejado, mas pelo que foi colocado de pé.

 


 

Estratégia não é um exercício teórico. Ela acontece na prática, nas decisões que as pessoas tomam e na forma como enfrentam desafios e oportunidades. O que diferencia um estrategista eficaz não é apenas a capacidade de análise, mas as posturas que adota diante da incerteza, da complexidade e da necessidade de transformar ideias em realidade. Otimismo realista, progresso por pequenas vitórias, antifragilidade, conforto com a incerteza e disciplina na execução não são apenas qualidades desejáveis – são o que faz a diferença entre uma estratégia que funciona e uma que nunca sai do papel.

Essas posturas nem sempre são óbvias para quem aprendeu a pensar estratégia como um exercício de previsão e controle. Mas a estratégia não se faz no plano ideal – ela acontece no mundo real, onde tudo muda, os planos precisam ser ajustados e agir importa tanto quanto planejar. Desenvolver essas posturas não significa abandonar a análise ou a estruturação, mas garantir que o pensamento estratégico esteja conectado à realidade e voltado para fazer acontecer. No fim, estratégias melhores não vêm apenas de boas ideias, mas de pessoas que sabem colocá-las em prática.

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