Em 2006, o autor chinês Cixin Liu deu início a sua trilogia de livros “Lembrança do Passado da Terra” e trouxe um pensamento interessante, que conversa muito com o ambiente que vivemos na internet hoje: a teoria da floresta negra.
A ideia é relativamente simples: imagine-se no meio de uma floresta à noite. No meio daquela escuridão, um enorme silêncio. Você poderia imaginar que não há ninguém ali, nenhum sinal de vida. Mas na verdade há. O que acontece é que, pelo instinto de auto-preservação, os animais se escondem na floresta escura, com um ambiente seguro contra predadores.
Essa ideia foi revisitada recentemente em um artigo escrito no OneZero por Yancey Strickler, um dos co-fundadores do famoso Kickstarter, maior plataforma de financiamento coletivo do mundo. E a teoria da floresta negra é usada por ele para descrever um comportamento emergente das pessoas na internet hoje em dia.
O ponto de vista parte da premissa que vivemos em uma verdadeira selva digital, populada por haters, trolls, fake news, uma avalanche de propaganda e influenciadores tentando nos empurrar produtos em meio a sua oferta de conteúdo. Tudo isso causa um sentimento de alta exposição, até mesmo de opressão, dependendo de como você interage nesses meios.
E esse sentimento leva as pessoas a se recolherem nas suas próprias florestas negras, tentando um esconderijo no meio da selva bruta. Por isso estão cada vez mais populares plataformas que propiciam ambientes privados e restritos. E formatos de conteúdos como newsletter ou podcasts. Parecem ser espaços de refúgio e refrigério no meio de um grande caos.
Talvez quem tenha o comportamento mais alinhado com a Floresta Negra, pela natureza da sua fase de vida, é o adolescente. Ele parece estar sempre tentando driblar o mainstream e encontrar espaços autênticos e proprietários. Aqui mesmo já mostramos como os adolescentes americanos estão usando plataformas completamente “descabidas” para interação social como o Google Docs, que permite que eles falem com os amigos de forma secreta, travestido de um trabalho sério. É quase literalmente um esconderijo.
Outro exemplo, maior e cada vez mais valioso em termos de mercado, é o chinês TikTok, plataforma de vídeos curtos [a la Vine]. Originalmente, a brincadeira era apenas dublar músicas e os adolescente se divertiam assim. Porém, percebendo que ali era um ambiente livre de publicidade massiva, influenciadores malas e tiozinhos, a molecada adotou a plataforma como uma forma de interação muito mais profunda, criando suas próprias dinâmicas, brincadeiras e linguagens. É um lugar em que eles sentem que a criatividade pode fluir solta e tudo é mais legítimo do que nas grandes plataformas.
E isso precisa despertar uma reflexão e uma provocação em quem trabalha com marketing digital e redes sociais. De que forma a nossa atuação tem prejudicado a performance dos nossos próprios canais de relacionamento? Será que uma atuação mais “predatória”, baseada em modelos antigos de interrupção [mas disfarçada com uma capa de modernidade] não está afastando as pessoas? Será que a forçação de barra em usar influenciadores não está desgastando esse modelo e tornando tudo menos autêntico? Até onde vamos “sugar” o potencial incrível de relacionamento que esses espaços nos permitem? E como atuar de forma apropriada nesse novo mundo de canais diretos e privados que começarão cada vez mais a existir.
Respostas não temos, mas provocação é com a gente mesmo 🙂