Patrocinar futebol é, há décadas, uma das estratégias mais populares entre marcas que querem se conectar com o grande público brasileiro. Estar na camisa de um clube ou nos intervalos de um grande clássico parece, à primeira vista, garantia de visibilidade, alcance e afinidade. Afinal, poucas coisas mobilizam tanta emoção no país quanto o futebol.
Mas, num cenário cada vez mais saturado de marcas disputando espaço e atenção, será que esse investimento ainda compensa? Quais tipos de patrocínio realmente funcionam? E, mais importante: o que separa os casos que geram retorno daqueles que são rapidamente esquecidos?
Para responder a essas perguntas, este artigo analisa os principais aprendizados de um estudo conduzido pela Ilumeo, entre 28 de janeiro e 7 de fevereiro de 2024 com 752 entrevistados on-line com amostra nacional, cotas por região, idade, gênero e classe social, focando em torcedores de Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Flamengo e espectadores do Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Paulistão e Carioca. A partir dessa base, buscamos entender o que realmente gera resultado quando uma marca decide entrar em campo.
O que (ainda) não é problema
Antes de entender o que realmente compromete a eficácia de um patrocínio esportivo, é importante derrubar alguns mitos que há muito tempo pairam sobre essa estratégia. Um deles é o temor da saturação — a ideia de que há marcas demais estampadas nas camisas, placas, estádios e transmissões, o que diluiria o impacto individual de cada uma. Outro receio frequente é o da rejeição por rivalidade, o medo de que torcedores deixem de consumir uma marca simplesmente porque ela passou a apoiar um time adversário. A pesquisa da Ilumeo mostra que nenhum desses dois fatores deve ser considerado, por si só, um impeditivo para bons resultados.
Começando pela questão da saturação: é fato que os clubes da Série A, por exemplo, exibem uma média de 6,6 patrocinadores apenas em seus uniformes. E isso sem contar as marcas presentes em placas de estádio, backdrop de entrevistas, ações nas redes sociais e inserções durante as transmissões dos jogos. Ainda assim, a maior parte da torcida não vê isso como um problema. Segundo o estudo, 60% dos torcedores afirmam que não se incomodam com a quantidade de patrocinadores em seus times. Apenas 22% dizem se incomodar com o volume de marcas, enquanto os 18% restantes se mantêm neutros.
Mais do que isso: 52% dos torcedores dizem se identificar com as marcas que patrocinam seus clubes. Isso mostra que, para a maioria do público, a presença de uma marca no universo do futebol não compromete a experiência do torcedor — e pode até reforçar um sentimento de conexão positiva. Quando bem feita, a presença da marca não é percebida como “propaganda demais”, mas como parte do ecossistema do time. A mensagem aqui é clara: o risco não está na quantidade de patrocinadores — está na incapacidade de uma marca se destacar entre eles.
O segundo mito derrubado é o da rejeição por rivalidade. Durante muito tempo, marcas hesitaram em associar sua imagem a clubes específicos com medo de provocar rejeição entre torcedores adversários. Mas os dados mostram que esse temor é desproporcional. Quando questionados sobre o que fariam se uma marca que usam passasse a patrocinar o time rival, 66% dos torcedores afirmam que continuariam usando a marca normalmente. Entre os torcedores moderados (não fanáticos), esse número sobe para 72%. Mesmo entre os fanáticos, que teoricamente teriam mais resistência, a maioria ainda mantém o vínculo com a marca.
Além disso, quando o estudo investiga a rejeição direta, perguntando quais marcas os torcedores “jamais consumiriam” por serem associadas a rivais, os percentuais são quase residuais. Um exemplo muito emblemático é que apenas 5% dos rivais rejeitariam a Crefisa por ter sido uma patrocinadora tão importante do Palmeiras. Entre os palmeirense isso é apenas 1% menor. Entre outras torcidas os dados são muito semelhantes e o que eles revelam é que, embora a rivalidade no futebol seja real e intensa, ela não se traduz automaticamente em comportamentos de consumo irracionais. A marca, quando já faz parte do dia a dia da pessoa, não é descartada com facilidade só por mudar de clube.
Essas descobertas mudam o foco da discussão. Se nem a saturação, nem a rivalidade são grandes ameaças, então o que é? A resposta começa a aparecer nos capítulos seguintes — e ela tem menos a ver com o número de marcas ou com a paixão clubística, e mais com a capacidade de ser lembrado, compreendido e desejado. Porque no fim das contas, o que realmente faz diferença não é estar presente — é ser relevante.
O que realmente ameaça o retorno
Se o excesso de marcas e o medo de rejeição por rivalidade não são os verdadeiros obstáculos, então o que é que separa os patrocínios que funcionam daqueles que fracassam? A resposta pode parecer simples, mas carrega implicações profundas para qualquer estratégia: o maior risco para a eficácia de um patrocínio esportivo é ser esquecido — ou pior, passar despercebido desde o início. O estudo da Ilumeo mostra que a maioria dos patrocínios sofre justamente com baixa lembrança e pouco conhecimento real por parte do torcedor, mesmo quando as marcas estão ali, à vista de todos.
Vamos começar pelos dados de lembrança espontânea. Os clubes da Série A contam, em média, com 6,6 marcas estampadas em seus uniformes. No entanto, quando os torcedores são convidados a listar, de forma aberta, quais marcas patrocinam seu time, a média de respostas cai para apenas 3,1. Isso quer dizer que mais da metade dos patrocinadores sequer são citados pelo público — e não estamos falando de lembrança sutil ou longínqua, mas de marcas visíveis em todos os jogos, nas redes sociais dos clubes, nas coletivas de imprensa, nas placas de campo e em campanhas digitais.

O cenário é ainda mais preocupante quando se observa que apenas 51% dos torcedores mencionam o patrocinador máster do seu próprio time, e só 40% lembram do fornecedor de material esportivo. Em outras palavras: mesmo as marcas mais expostas, com espaço nobre no uniforme, estão longe de ser universalmente lembradas. E isso tem consequências diretas sobre o retorno esperado. Afinal, se o torcedor não lembra que uma marca está ali, como ele poderia ser impactado por ela? Como essa marca vai construir afinidade, consideração e preferência de compra?
A segunda grande barreira é o conhecimento superficial. A pesquisa mostra que, entre os torcedores fanáticos — aqueles que mais acompanham e consomem conteúdo relacionado aos clubes —, 37% afirmam não conhecer bem os patrocinadores de seus próprios times. Ou seja, mesmo entre quem vive o futebol no dia a dia, boa parte não sabe exatamente o que cada marca representa, o que vende ou o que faz ali. Entre os torcedores menos fanáticos, esse número é ainda mais alto. Isso evidencia um descompasso entre presença e compreensão: estar no uniforme ou na transmissão não é suficiente para construir real valor de marca.
Esse é um ponto crítico. Marcas entram no futebol não apenas para ganhar visibilidade, mas também para transferir atributos — associar-se à paixão, à competitividade, à tradição, à força de uma torcida. Mas essa transferência só acontece quando há memória e entendimento. Sem isso, o patrocínio vira um fundo de cenário — um logo no canto da tela, ignorado como parte da paisagem.
A boa notícia é que, quando as marcas conseguem furar esse bloqueio — ou seja, quando são lembradas de forma espontânea e compreendidas de forma clara —, os resultados aparecem. O patrocínio passa a gerar ganhos reais no funil de marca: crescimento de consideração, aumento de afinidade, preferência na escolha e, em alguns casos, até conversão direta em clientes. Mas isso exige uma estratégia bem definida, com tempo, ativação e comunicação. É justamente sobre esses aprendizados que o próximo capítulo se debruça. Porque, no fim, a diferença entre estar e ser percebido é o que separa investimento de desperdício.
Quatro lições de quem faz dar certo
Embora muitos patrocínios no futebol passem despercebidos, há marcas que conseguem transformar esse investimento em lembrança, afinidade e até conversão. E isso não acontece por sorte. Essas marcas atuam com clareza sobre seus objetivos, constroem vínculos reais com as torcidas e ativam sua presença de forma inteligente. A partir dos dados do estudo, quatro grandes aprendizados emergem para explicar o que separa os cases bem-sucedidos daqueles que ficam só na camisa.
1. Envolvimento consistente com o clube gera retorno duradouro
Quando uma marca não apenas estampa seu logo no uniforme, mas também se integra ao universo emocional, cotidiano e cultural do clube, o resultado tende a ser muito mais duradouro — mesmo depois do fim do contrato. O caso do Banco BMG ilustra isso com clareza.
Patrocinador máster do Corinthians entre 2019 e 2020, o BMG permanece até hoje em uma posição secundária (nos braços do uniforme). Ainda assim, a marca é mais lembrada que o atual patrocinador máster, Esportes da Sorte, tanto na lembrança estimulada (BMG com 55% contra 48% da Esportes da Sorte) quanto na espontânea (BMG com 37%, Esportes da Sorte com 33%). Isso é ainda mais expressivo considerando que a Esportes da Sorte está ativa como máster desde apenas alguns meses.
Essa força de marca do BMG junto à torcida corinthiana não se explica apenas pela visibilidade no uniforme. Ela é resultado de uma ativação intensa, que incluiu a criação de um produto bancário exclusivo para torcedores do clube, com conta, cartão personalizado e campanhas direcionadas. A marca não apenas patrocinou: ela se comportou como parte da cultura do time — e colheu os frutos dessa conexão.
O mesmo padrão aparece no caso da FAM (Faculdade das Américas), antiga patrocinadora do Palmeiras. Embora tenha perdido protagonismo nos últimos anos em relação à Crefisa, a FAM ainda apresenta forte desempenho entre palmeirenses. Na comparação entre torcedores do Palmeiras e não torcedores, a diferença é significativa em todas as etapas do funil:

Essa diferença mostra que a marca construiu não só visibilidade, mas afinidade com a torcida. Parte disso se deve ao tipo de envolvimento que mantinha com o clube: a FAM não se limitava ao uniforme. Chegou a realizar apresentações oficiais de jogadores no campus da faculdade, aproximando a instituição da experiência do torcedor.
Tanto no caso do BMG quanto da FAM, o impacto positivo é uma soma de dois fatores: tempo de exposição e participação ativa no universo do clube. O patrocínio deixa de ser decorativo e passa a ser percebido como parte da narrativa emocional do torcedor.
2. Patrocínio de longa duração constrói memória que atravessa gerações
Algumas marcas saíram do futebol há muitos anos, mas continuam tão associadas aos seus clubes que parecem ainda fazer parte do presente. Essa memória afetiva não se explica apenas pela visibilidade que tiveram, mas pela longevidade e constância com que estiveram presentes. A pesquisa mostra com clareza esse fenômeno.
No Corinthians, a Kalunga, que patrocinou o clube durante os anos 90, ainda é lembrada espontaneamente por 19% da torcida. No Palmeiras, a Parmalat, símbolo da era mais vitoriosa do clube nos anos 90, é mencionada por impressionantes 45% dos palmeirenses. No São Paulo, a LG, que esteve com o clube por cerca de uma década, ainda aparece na memória de 34% dos torcedores. E no Flamengo, a Petrobras, que teve longa presença nos anos 2000, é citada por 18% da torcida. Se somarmos com a Lubrax, produto da marca que também patrocinou longamente a equipe, chega-se a 31%.

Nenhuma dessas marcas está presente hoje, e algumas delas saíram há mais de 10 anos. Ainda assim, continuam mais lembradas do que vários patrocinadores atuais. O ponto comum entre todas elas é claro: patrocínios máster, de longa duração, contínuos e, em muitos casos, associados a fases vitoriosas dos clubes.
Esse tipo de exposição prolongada faz com que a marca se torne parte da estética e da cultura visual do time. O torcedor olha fotos antigas, camisas retrô, vídeos históricos — e lá está a marca. Com o tempo, a identidade do clube e da marca se entrelaçam. O retorno, nesse caso, vai muito além do tempo de contrato: é memória que resiste à passagem do tempo.
3. A ativação importa tanto quanto a exposição
A presença no uniforme, no nome do campeonato ou nas placas do estádio pode gerar visibilidade, mas não garante que a marca seja percebida, compreendida e valorizada. O que transforma patrocínio em marca lembrada é a capacidade de ativar essa presença com inteligência, frequência e narrativa clara.
A Betano é um excelente exemplo. Patrocinadora do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil, ela não se contentou com a visibilidade que esses torneios naturalmente oferecem. A marca investiu em um pacote de mídia na Globo, garantindo presença contínua nas transmissões, e reforçou sua associação por meio de campanhas que repetiam insistentemente a expressão “Brasileirão Betano”. O resultado foi um dos melhores funis do estudo, crescendo em média 5% em todos os quesitos entre abril de 2024 e janeiro de 2025:

Em todas essas etapas, a Betano se destacou entre os torcedores que assistem com frequência aos jogos do Brasileirão — mostrando que a ativação, combinada com presença em mídia relevante, transforma o patrocínio em afinidade e até em conversão.
Outro exemplo relevante é o da Sicredi, que patrocinou os estaduais do Paulistão e do Carioca. No entanto, o impacto da marca foi muito maior em São Paulo [aproximadamente 10% nos primeiros estágios do funil], onde o patrocínio incluía o naming rights do campeonato — permitindo mais ativações e visibilidade direta. No Rio, com uma exposição mais tímida, os resultados foram proporcionalmente menores. A diferença mostra que não é só onde a marca está, mas o quanto ela consegue fazer com aquela posição.
4. O tipo de marca define o tipo de retorno
Marcas entram no futebol com objetivos diferentes — e o patrocínio só será eficaz se estiver alinhado ao estágio de maturidade da marca. Para marcas pouco conhecidas, o ganho mais esperado está no topo do funil. Já marcas consolidadas podem usar o futebol para aprofundar sua relação com o público, avançando em afinidade, consideração e uso.
A Ezze Seguros, por exemplo, é uma marca de menor porte. Mas ao patrocinar o Corinthians, conseguiu resultados relevantes em awareness: 38% de conhecimento entre corinthianos, contra apenas 12% entre não torcedores. A diferença de +26 pontos percentuais é significativa para uma marca que parte de uma base tão baixa. Esse é um exemplo claro de como o futebol pode ser um trampolim para marcas emergentes ganharem visibilidade em um público altamente engajado.

Já no caso da Shopee, o ponto de partida era diferente. A marca já era conhecida por 86% dos torcedores. Mas ao se associar ao Flamengo, conseguiu subir nas etapas mais profundas do funil. +12pp a mais de flamenguistas que gostam da marca em relação a não rubro negros, +14pp de pessoas que consideram e +13pp de pessoas que compram na loja. Isso mostra como o patrocínio pode ser usado para gerar diferenciação emocional e preferência de marca em um público específico — mesmo quando o conhecimento já está consolidado.

Esses quatro aprendizados mostram que o retorno no futebol não é automático — mas ele é possível. O que define o sucesso não é a posição na camisa, nem o volume de exposição. É a capacidade da marca de se conectar, participar, ativar e persistir. E é exatamente essa combinação que transforma um patrocínio em uma marca inesquecível.
Patrocinar o futebol brasileiro continua sendo uma das formas mais potentes de uma marca se conectar com a cultura popular. Mas os dados mostram que presença, sozinha, não basta. O maior risco não é a rejeição nem o excesso de concorrência — é a irrelevância. Marcas que apenas colocam o logo na camisa ou no backdrop do campeonato correm sério risco de passarem despercebidas.
Os cases que deram certo têm algo em comum: clareza de objetivo, consistência no tempo e ativação inteligente. Marcas como BMG, Betano, FAM e Shopee mostraram que, quando o patrocínio é bem trabalhado, ele pode gerar impacto em diferentes etapas do funil — do conhecimento à conversão. Outras, como Kalunga, Parmalat e LG, mostraram que uma presença duradoura pode deixar um legado que atravessa gerações.
No fim das contas, patrocinar futebol é entrar num jogo que exige estratégia. Quem trata o patrocínio como mídia de massa, sem ativação e sem envolvimento real, tende a ver pouco resultado. Mas quem entende o futebol como um território emocional e cultural — e constrói presença com intenção — tem muito a ganhar.