Até agora, estamos usando bastante a ideia de que estratégia é fazer escolhas para vencer um jogo. Escolha de um critério que guie toda a alocação dos recursos. A empresa estuda o mercado, entende os concorrentes, identifica oportunidades, avalia seus recursos, faz projeções, constrói modelos e então escolhe. Escolhe o que fazer. Escolhe onde atuar. Escolhe para quem servir. E é isso mesmo. Ou quase.
Porque a palavra “escolha”, de certa forma, passa a sensação de que existe uma resposta certa. Que, se você estudar o suficiente, verá com clareza qual é o melhor caminho. Que estratégia é como resolver uma equação — difícil, mas objetiva. O professor Roger Martin escreveu um artigo muito interessante publicado na Harvard Business Review sob o título “Por que pessoas inteligentes tem dificuldade com estratégia?”. E lá ele explica que “O problema com as pessoas inteligentes é que elas estão acostumadas a buscar e encontrar a resposta certa. Infelizmente, em estratégia isso não existe. Estratégia exige fazer escolhas sobre um futuro incerto. Não é possível, não importa quanto você se esforce, descobrir uma resposta única e certa.”
Não porque o processo não envolva análise, reflexão e comparações cuidadosas. Envolve, sim. Mas porque o mundo que cerca a estratégia é, por natureza, incerto. As variáveis são muitas, os cenários mudam, os dados são limitados e, acima de tudo, o futuro não está escrito. Isso significa que nenhuma escolha estratégica vem com garantia. Mesmo a mais bem embasada das decisões pode não produzir o resultado esperado. Mesmo a hipótese mais promissora pode se revelar equivocada. Mesmo o plano mais robusto pode não resistir à realidade que se impõe.
Por isso, uma forma mais honesta de descrever o que uma estratégia realmente é — ou deveria ser — é usar outra palavra no lugar de escolha: aposta.
Fazer estratégia é apostar. Apostar que uma determinada forma de competir vai gerar mais vantagem do que outras. Apostar que uma certa proposta vai ser valorizada e percebida como superior. Apostar que os concorrentes não vão conseguir te superar no seu jogo. Apostar que os recursos disponíveis são suficientes para executar com excelência determinada tese. Apostar que o consumidor vai responder como se espera. Apostar que o mercado não vai mudar de forma drástica antes que se colha os resultados.
Essa é a essência da estratégia: um processo de tomada de decisão sob incerteza, que busca reduzir a chance de estar apostando errado — mas que jamais pode eliminá-lo completamente. Quanto melhor a leitura do jogo, quanto mais clara a compreensão do problema, quanto mais coerente o alinhamento dos recursos — maior a chance de a aposta dar certo. Mas ainda assim será uma aposta.
Reconhecer isso não é um sinal de impotência. Ao contrário, é um sinal de maturidade. Porque impede a empresa de cair em duas armadilhas muito comuns: a da ilusão de controle e a da paralisia pela incerteza.
Essa consciência muda a postura do estrategista. Ele não é um cientista tentando provar uma tese com 100% de precisão. Nem um jogador de pôquer que blefa a todo momento. Ele é alguém que entende que decisões precisam ser tomadas antes que todas as respostas estejam disponíveis — e que, por isso, precisa construir uma tese forte o suficiente para justificar a aposta.
O papel da estratégia, portanto, não é encontrar a certeza. É formular uma hipótese de vitória — e apostar nela com inteligência.
Risco ou incerteza?
Antes de falarmos de risco, precisamos entender o contexto em que decisões estratégicas são tomadas. Na teoria da decisão, existe uma distinção clássica entre três tipos de ambientes que moldam a forma como escolhemos: ambientes de certeza, ambientes de risco e ambientes de incerteza.
No ambiente de certeza, todos os dados relevantes estão disponíveis e os resultados das decisões são conhecidos. É o caso, por exemplo, de uma operação matemática ou de um processo industrial bem calibrado: se você seguir o procedimento, o resultado é garantido. É raro, mas existem decisões que funcionam assim — principalmente em contextos altamente técnicos, automatizados ou previsíveis. Aqui, não há espaço para aposta. Há apenas execução.
O ambiente de risco, por sua vez, é aquele em que as opções disponíveis e os possíveis desdobramentos são conhecidos, mas o resultado final é incerto. A diferença crucial é que, mesmo sem saber o que vai acontecer, você consegue atribuir probabilidades aos cenários. Isso permite calcular o risco envolvido em cada alternativa e, a partir disso, tomar uma decisão mais racional. É aqui que entram os modelos estatísticos, os algoritmos preditivos, as simulações, os portfólios de investimento e toda a lógica quantitativa de gestão de risco. Ou seja, o risco pode ser calculado, mesmo que o futuro não possa ser previsto com precisão.
Já o ambiente de incerteza é mais difícil — e mais comum do que se gostaria de admitir. Nesse contexto, você não sabe exatamente quais são as alternativas, não conhece todas as variáveis relevantes e, o mais importante, não consegue atribuir probabilidades confiáveis aos resultados possíveis. Não porque seja descuidado, mas porque o sistema é complexo demais, o histórico de dados é insuficiente ou o futuro é fundamentalmente desconhecido. É o caso, por exemplo, de lançar um produto em um mercado que está nascendo, de apostar em um comportamento de consumo ainda em formação ou de tentar prever o efeito de uma tecnologia emergente. Aqui, não há como calcular o risco de forma objetiva. A decisão é tomada em meio à incerteza genuína.
Essa distinção entre risco e incerteza é crucial porque muda completamente o papel da análise e da estratégia. No ambiente de risco, o objetivo é minimizar perdas e maximizar ganhos com base em probabilidade. No ambiente de incerteza, não há cálculo possível.
É justamente essa a natureza da maior parte das decisões estratégicas. Por mais que empresas tentem tratar a estratégia como uma questão de risco — cercando-se de dados, análises e previsões — o fato é que estão operando em um campo de incerteza. Porque o que está em jogo não é um sistema fechado e previsível, mas um jogo aberto, com múltiplos jogadores, movimentos inesperados e dinâmicas em constante mutação.
E é por isso que estratégia, como vimos antes, é menos sobre “escolher com base em certeza” — e mais sobre “apostar com base em convicção”.
A lógica financeira do risco
No mercado financeiro, o risco não é apenas uma sensação ou uma intuição. É uma variável central, formalizada, calculada, precificada. A disciplina inteira de investimentos se organiza em torno da tentativa de entender quanto se pode perder — e quanto se deve ganhar para que essa perda faça sentido. E essa lógica gira, quase sempre, em torno do comportamento passado dos ativos.
Se quisermos saber quão arriscado é um determinado papel na bolsa, por exemplo, olhamos para a volatilidade dos seus retornos históricos. A ideia é simples: quanto mais ele oscilou no passado, mais incerto é seu futuro — e, portanto, mais retorno um investidor vai exigir para comprá-lo hoje.
Foi com base nesse princípio que surgiram modelos como o CAPM (Capital Asset Pricing Model), que já discutimos anteriormente. Seu objetivo é estimar qual deveria ser o retorno esperado de um ativo, levando em conta o retorno livre de risco, o prêmio de risco do mercado — e, claro, o beta do ativo. O beta, você deve lembrar, é uma medida de sensibilidade: quanto mais um ativo oscila junto (ou além) do mercado, maior seu beta — e maior a expectativa de retorno, para compensar esse risco.
Mas o beta é, essencialmente, um número baseado no passado. Ele mede a relação estatística entre a performance de um ativo e a do mercado em um determinado período. Assim como o desvio padrão, o Value at Risk (VaR) e outros indicadores, ele parte do pressuposto de que o passado pode ser projetado para o futuro.
E isso não se aplica apenas a ativos individuais. Economistas e analistas financeiros desenvolvem modelos estatísticos ainda mais robustos, que tentam explicar o comportamento de ativos ou economias inteiras com base em variáveis macro e microeconômicas: inflação, taxa de juros, câmbio, PIB, consumo das famílias, investimentos, produtividade setorial, e por aí vai. Essas variáveis são modeladas ao longo do tempo, buscando correlações, tendências e padrões de co-movimento. Avalia-se, por exemplo, quanta variação no retorno de um ativo é explicada por variações nessas variáveis independentes — e isso se traduz num número conhecido como coeficiente de determinação (R²).
Se o R² for alto, o modelo tem alto poder explicativo: boa parte do comportamento da variável dependente (ex: o preço de uma ação) é explicado pelas variáveis do modelo. Se for baixo, o modelo é frágil — mas, mesmo assim, há uma tentativa constante de refiná-lo com mais dados, mais variáveis, mais sofisticação matemática. Em suma: há uma obsessão pela quantificação da causalidade.
Agora tente imaginar algo semelhante sendo feito com uma decisão estratégica. Como quantificar, com essa precisão, o impacto de lançar uma nova linha de produto? Ou de reposicionar uma marca? Ou de abrir operação em outro país? Não há séries históricas consistentes, nem variáveis confiáveis, nem condições de controle. O que existe são múltiplas variáveis interdependentes, ambíguas, muitas vezes intangíveis — como percepção de marca, cultura organizacional, timing de mercado, movimentos da concorrência.
Pior: em decisões estratégicas, o próprio ato de decidir muda o sistema. Ele não é externo, estático e observável — ele é mutável, interativo, competitivo. A escolha de uma empresa afeta o comportamento das demais. O sistema responde, se adapta, reage. Isso torna qualquer modelo preditivo pouco confiável — e transforma a simulação estatística em um exercício de ficção.
Por isso, um dos maiores perigos é importar da lógica financeira essa confiança excessiva nos modelos e nas métricas. No mundo dos investimentos, o risco pode ser parametrizado — mesmo que com limitações. Mas na estratégia, ele é quase sempre criado no ato da escolha. Ele não se mede: ele se assume. E é essa diferença que torna a tomada de decisão estratégica algo muito mais complexo — e muito mais humano — do que qualquer cálculo baseado em beta poderia capturar.
O trabalho é reduzir a incerteza
Se toda estratégia é, no fundo, uma aposta — como vimos até aqui — então o trabalho do estrategista não é garantir o acerto. É qualificar a aposta. Não se trata de esperar por certezas, mas de tomar decisões com a melhor base possível, num processo lúcido, disciplinado e consciente. Não é sobre eliminar a incerteza – porque isso não é possível. É sobre tomar reduzi-la ao máximo.
E essa é uma virada importante. Em ambientes incertos, a qualidade de uma decisão não pode ser julgada pelo seu desfecho. Decisões ruins podem dar certo — por sorte. Decisões boas podem dar errado — por fatores que ninguém controla. O resultado, sozinho, não revela o mérito da escolha. O que realmente importa é o processo que levou até a decisão. A qualidade da decisão não se mede pelo que acontece depois, mas pelo que se considerou antes.
Esse é um ponto que também é central em Decision Traps (1990), de J. Edward Russo e Paul J.H. Schoemaker. Os autores propõem um modelo chamado Decision Quality, que busca medir a excelência de uma escolha com base em seis critérios: quadro adequado do problema, valores e trade-offs claros, alternativas criadas de fato, informações relevantes bem utilizadas, raciocínio sólido e compromisso para agir. É um modelo que trata decisões como construções — e não como palpites. E, como todo bom modelo, ele coloca o peso não na previsão, mas na preparação.
É claro que o resultado importa — ele é o que nos permite seguir jogando. Mas, sob incerteza, não existe controle total sobre o desfecho. O que está sob nosso controle é o modo como decidimos. É a estrutura do pensamento. É o método pelo qual examinamos os dados, confrontamos as premissas, consideramos cenários, ouvimos vozes dissonantes e formulamos alternativas reais. É esse processo que transforma um palpite numa hipótese e uma hipótese em uma escolha – ou uma aposta bem informada, com menos risco.
Essa linha de pensamento também é desenvolvida com muita clareza por Annie Duke em Thinking in Bets (2018). Ex-jogadora profissional de pôquer, Duke traduz para o mundo dos negócios o que aprendeu num dos ambientes mais puros de incerteza e risco. Sua tese central é que boas decisões podem ter maus resultados, e maus resultados não significam que a decisão foi ruim. A confusão entre competência e sorte — um viés cognitivo clássico — gera decisões fracas, porque impede o aprendizado. Estratégia, para ela, não é sobre acertar: é sobre pensar melhor antes de agir.
O bom estrategista não finge que sabe o que não pode saber. Ele não tenta acertar o futuro. Mas se compromete profundamente com a qualidade do caminho que leva até uma decisão. Isso, claro, começa com o olhar atento para as evidências disponíveis. Por mais que às vezes – mas nem sempre – sejam abundantes, elas correm um alto risco de ser incompletas, contraditórias e insuficientes. Porém, ainda assim, elas são a nossa melhor chance. Dados, aprendizados anteriores, comportamentos do mercado, movimentações dos concorrentes, padrões que se repetem. Cabe ao estrategista reuni-los, cruzá-los e analisá-los, buscando reduzir a margem da incerteza, mesmo que não possa eliminá-la.
Outra dimensão essencial é a geração de alternativas. Muitas decisões estratégicas são ruins não porque a escolha foi errada — mas porque as opções disponíveis eram poucas e mal pensadas. Um bom processo estratégico força a criação de possibilidades reais. Faz perguntas desconfortáveis. Convida diferentes visões para ampliar o campo de análise. E trabalha com comparações concretas entre os caminhos possíveis, entendendo os custos, os riscos e os potenciais de cada um.
Esse processo também pode envolver testar hipóteses antes de executá-las com força total. Em vez de partir direto para o plano completo, o estrategista busca maneiras de experimentar ideias em menor escala. Um protótipo. Um piloto. Um experimento controlado. A ideia não é travar diante do desconhecido, mas usar o movimento para aprender. Ao testar, a estratégia ganha evidência. E a evidência, por menor que seja, melhora a decisão.
E há um aspecto humano bastante negligenciado nesse contexto que é a capacidade de reconhecer e neutralizar os vieses cognitivos que distorcem a análise. Todo ser humano carrega atalhos mentais que servem para simplificar decisões rápidas, mas que podem sabotar o pensamento estratégico. O viés da confirmação faz com que procuremos apenas as evidências que sustentam o que já acreditamos. O excesso de confiança nos leva a superestimar nossas capacidades ou subestimar riscos. O efeito halo contamina nossa percepção com base em um único atributo. E, sim, o pensamento de grupo — quando todos em uma equipe passam a reforçar mutuamente as mesmas ideias — tende reduzem a qualidade do julgamento. Por isso, uma postura estratégica exige vigilância permanente: olhar para os dados com ceticismo honesto, questionar premissas, aceitar que bons argumentos podem vir de fora da sala e lembrar, sempre, que pensar bem exige esforço deliberado.
Tudo isso é absolutamente importante e exploraremos com calma cada um desses pontos. Porque eles são essenciais para conduzir um processo de tomada de decisão de qualidade nesse contexto de estratégia de negócio, com toda incerteza que já discutimos.
O que nos lembra que nada disso é garantia de sucesso. Porque, ao final, é disso que se trata. Estratégia não é sobre acertar sempre. É sobre construir uma lógica clara para agir com intenção, mesmo em meio à incerteza. É sobre fazer apostas que não sejam apenas corajosas — mas coerentes. E a coerência nasce do processo.
As decisões são visíveis. Elas deixam marcas, alocam recursos, ocupam espaço no orçamento, aparecem nos planos e nos relatórios. Mas a incerteza que as molda é quase sempre invisível. Não aparece nas planilhas, não está nos dashboards. Ela se esconde na complexidade, na ausência de dados, na imprevisibilidade do comportamento humano, na resposta do mercado que ainda não veio. E exatamente por isso, é comum que o processo de decisão também acabe invisibilizado — porque muitas vezes ele é pouco estruturado, ou simplesmente atropelado pela urgência.
Mas é justamente nesse espaço invisível que vive o trabalho mais estratégico de todos: o de pensar antes de agir, com mais rigor do que normalmente nos exigimos. Em um ambiente de incerteza, estratégia é o esforço de trazer clareza para o que não se vê. Não para garantir o acerto, mas para dar lastro à escolha. Para que, quando o resultado aparecer — seja ele qual for — haja a tranquilidade de saber que a aposta foi feita com lucidez, intenção e critério. Porque isso, no fim, é o que diferencia quem aposta de quem apenas chuta.