Como combater os vieses cognitivos, na prática?

 

Os vieses cognitivos são atalhos mentais que todos nós usamos para processar informações rapidamente, mas que muitas vezes nos levam a decisões equivocadas ou até preconceituosa, como veremos mais para frente. Já listamos alguns dos mais perigosos vieses cognitivos por aqui.

 Para combater esses vieses e tomar decisões mais informadas, imparciais [no limite do possível] e efetivas, a grande dica é adotar comportamentos praticamente antinaturais, mas que vão nos garantir sair do piloto automático do cérebro que cria atalhos. Já escrevemos sobre uma delas, o pre-morten, apresentado por Daniel Kahneman para combater o viés de otimismo.

Mas, inspirados nas valiosas lições apresentadas na série de textos “Bias Busters” publicada pela McKinsey & Company, vamos listar outros 3 comportamentos que podem ser sistematicamente adotados para evitar as cascas de banana que nosso cérebro vive caindo.

Red Team contra o viés de confirmação

O viés de confirmação é um padrão de pensamento humano em que tendemos a dar mais peso e atenção a informações que confirmam nossas crenças, preconceitos ou opiniões pré-existentes, enquanto ignoramos, minimizamos ou descartamos informações que contradizem essas crenças. Já escrevemos especificamente sobre ele também.

O grande problema é que esse viés pode levar a uma interpretação distorcida da realidade, pois estamos propensos a buscar evidências que validem nossas visões pré-concebidas, em vez de procurar uma avaliação imparcial e equilibrada das informações. Ele pode afetar nossas decisões, interpretações e a forma como processamos informações, levando-nos a manter crenças errôneas ou a adotar conclusões baseadas em percepções distorcidas.

No processo de tomada de decisão de estratégia, o viés de confirmação está atuando pesadamente, o tempo todo. Porque ele opera reforçando aquilo que os estrategistas já acreditam ser o caminho ideal, independentemente das novas evidências disponíveis. Soma-se isso ao fato de que o nosso cérebro joga contra a necessidade de abrir mais opções antes de tomar decisões desse tipo. Aí temos o ambiente perfeito para decisões equivocadas.

Uma maneira eficaz de superar esses vieses é designar dois grupos independentes (time vermelho e time azul) para representar lados opostos da decisão em questão. Esses times apresentam seus argumentos aos envolvidos, seguindo um formato e prazo pré-determinados, antes que os tomadores de decisão expressem suas opiniões. Warren Buffett utiliza essa abordagem ao considerar grandes aquisições. Ele contrata dois consultores de investimentos: um para defender o negócio e outro para argumentar contra. Buffett ouve ambos os lados e decide com base nas análises apresentadas.

Além de chegar a um “sim” ou “não”, esse processo pode enriquecer o debate e melhorar a qualidade da decisão. No exemplo da empresa industrial, os líderes sugeriram a formação de times independentes para analisar a venda das unidades de negócio. As pesquisas e apresentações desses times apontaram opções não consideradas inicialmente, como vender a unidade de válvulas e estabelecer uma parceria estratégica para a unidade de moldagem por injeção.

Vale ressaltar que montar times independentes demanda tempo e esforço. É importante selecionar membros que sejam imparciais ou apaixonados por diferentes cursos de ação. Incorporar perspectivas externas também pode ser útil. No entanto, o investimento vale a pena, pois essa abordagem pode transformar a dinâmica das reuniões e enriquecer a tomada de decisão com diferentes pontos de vista e narrativas.

“Esquecer” o passado contra o viés de recência e o efeito ancoragem

O viés de recência é uma tendência cognitiva em que damos mais importância e valor a eventos, informações ou experiências mais recentes, em detrimento de eventos passados ou mais distantes. Isso pode levar a uma visão distorcida da realidade, onde focamos excessivamente no que aconteceu recentemente e subestimamos ou negligenciamos o impacto de eventos anteriores. O viés de recência pode influenciar nossas decisões e percepções, levando-nos a dar mais peso a acontecimentos recentes, mesmo que eles não sejam necessariamente representativos ou relevantes a longo prazo.

Já o efeito de ancoragem é um viés cognitivo em que uma informação inicial, conhecida como “âncora”, exerce uma influência desproporcional sobre a maneira como tomamos decisões ou fazemos estimativas subsequentes. Essa âncora pode ser um número, uma referência, uma ideia ou qualquer outra informação relevante. Quando somos apresentados a uma âncora, tendemos a ajustar nossas decisões ou estimativas em torno dela, mesmo que a âncora não seja necessariamente precisa ou relevante para a situação em questão. Isso acontece porque a âncora pode ter um impacto psicológico profundo em como percebemos valores ou probabilidades.

Em um caso bem comum do dia a dia dos negócios, quando vamos fazer projeções, nossa âncora está sempre posta nos dados históricos. E isso faz com que perdamos a capacidade de criar cenários muito diferentes do que estamos acostumados.

Por isso, ao definir metas de vendas ou investimentos, a dica é não começar pelos dados históricos, mas sim com critérios objetivos, como o crescimento real do mercado ao longo de um período definido, a participação de mercado atual da empresa, quantidade de canais vs a concorrência e outros indicadores relevantes.

A partir daí, criar um modelo de previsão. Existem muitas técnicas que você pode usar para responder a essa pergunta; você poderia, por exemplo, realizar uma análise de regressão simples usando apenas algumas das variáveis que você identificou. Lembre-se de que você não está tentando fazer previsões absolutas; o modelo só precisa estar corretamente direcionado na maioria dos casos. Se a saída do modelo estiver dentro de 10% dos números históricos em dois terços dos territórios de vendas, por exemplo, provavelmente você tem algo suficientemente preciso.

A ideia é usar esse modelo como uma segunda âncora para haver debate e discussão em dos cenários distintos. O objetivo aqui é responder à pergunta: “Se você não soubesse quais eram suas metas de vendas este ano e estivesse contando apenas com os critérios que você definiu, quais seriam as metas para o próximo ano?”. Só isso já vai alterar a dinâmica da conversa e abre espaço para metas mais ambiciosas e realistas.

Mitigar estímulos contra o Halo Effect

O efeito halo é um viés cognitivo em que a impressão positiva ou negativa que temos sobre uma característica específica de uma pessoa, objeto ou entidade influencia nossa avaliação geral de todas as outras características associadas a ela. Em outras palavras, se percebemos uma qualidade positiva em alguém ou algo, tendemos a estender essa percepção positiva para outras áreas, mesmo que não tenhamos evidências objetivas para fazê-lo.

Por exemplo, se alguém é fisicamente atraente, podemos inconscientemente presumir que eles também possuem outras qualidades positivas, como inteligência ou bondade. Da mesma forma, se tivermos uma impressão negativa inicial de alguém, podemos subconscientemente interpretar suas ações futuras de maneira desfavorável. Dái porque mencionamos que alguns vieses cognitivos podem nos levar a decisões preconceituosas. O efeito halo pode afetar nossos julgamentos, decisões e interações sociais, levando-nos a formar opiniões distorcidas com base em características isoladas, em vez de considerar uma avaliação equilibrada de todas as informações disponíveis.

No dia a dia de negócios, esse viés pode distorcer, por exemplo, avaliações de desempenho ou a contratação de novos profissionais. As questões mais básicas como informações detalhadas sobre o CV do candidato, seu gênero ou até sua aparência física começam a criar toda forma de distorção cognitiva. Pela força da cultura e das experiências pessoais, isso pode provocar não só injustiças sociais como ineficiência na própria tarefa de avaliação de competência.

Para contrapor o efeito halo em decisões de contratação, recomenda-se, por exemplo, entrevistas estruturadas. Essas entrevistas utilizam indicadores pré-definidos de sucesso e avaliam os candidatos com base neles. Esse método aumenta a validade das entrevistas e garante avaliações consistentes e permite que os executivos confiem em evidências em vez de impressões iniciais.

Outras medidas, que muitas empresas já têm adotado é a “entrevista às cegas”, em que o gestor não sabe nada sobre o CV da pessoa [foi triado pelo RH de acordo com as especificações e isso é tudo o que ele precisa saber no momento], não há câmeras ligadas e no limite alguns softwares até distorcem a voz da pessoa para evitar o halo effect pela questão de gênero. Isso ajuda o processo a ser o mais imparcial possível.


Lidar com vieses cognitivos requer uma abordagem consciente e prática para tomar decisões mais informadas e equilibradas. Reconhecer que esses atalhos mentais estão presentes em nossas escolhas é o primeiro passo para evitá-los. Uma estratégia eficaz envolve a adoção de comportamentos práticos que contrariem a tendência natural do cérebro de criar atalhos.

No geral, a luta contra os vieses cognitivos exige uma abordagem consciente, onde a busca por informações equilibradas, a consideração de diferentes perspectivas e o uso de métodos práticos como o “Red Team”, entrevistas estruturadas, modelos sem dados históricos etc. podem ajudar a evitar decisões preconceituosas e equivocadas. Ao adotar esses comportamentos no dia a dia, é possível mitigar os efeitos dos vieses cognitivos e tomar decisões mais informadas e eficazes.