Precisamos falar sobre o nosso cérebro

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Já falamos por aqui sobre o maravilhoso trabalho do psicólogo Daniel Kahneman, sobre como nosso cérebro funciona para fazer determinados tipos de análise, como forma algumas percepções e como usa tudo isso para tomar decisões.

Com um trabalho experimental bastante intenso desde a década de 60, Kahneman foi entendendo cada vez melhor como funcionava a dinâmica do nosso cérebro e no que isso implica. Basicamente ele teoriza a ideia de que temos dois sistemas: um mais analítico e um mais intuitivo. Mas como o cérebro funciona sobretudo em uma perspectiva biológica de eficiência energética, o lado intuitivo do cérebro está sempre buscando o caminho mais curto para todos os desafios que lhe são impostos. Ainda quando estamos diante de uma tarefa que exige concentração e alto poder de análise, o sistema intuitivo nunca para de tentar fazer com que a gente acelere e resolva rápido a questão.

Com isso, os acadêmicos nesse campo passaram a estudas aquilo que nomearam de viéses cognitivos, ou seja, as formas específicas de “desvios lógicos” que essa dinâmica cerebral produz. Já falamos de dois deles por aqui: o viés de confirmação e o viés de otimismo. Ambos perigosíssimos para o trabalho de análise e estratégia.

Mas, fora esses, é assustador perceber a quantidade de viéses mapeados e como eles impactam nas mais diversas partes das nossas vidas. E pensando em quem trabalha especificamente com tarefas mais analíticas, é um perfeito desastre.

Como a primeira forma de superar um problema é tendo perfeita consciência dele, trouxemos aqui alguns viéses cognitivos mais determinantes para o sucesso ou o fracasso de um trabalho de análise de dados e informação.


Viés de Disponibilidade

É quando recorremos ao exemplo mais imediato possível que vem à nossa cabeça sobre determinado tópico e isso se torna a melhor maneira que temos para avaliar todo um fenômeno.

Um exemplo do dia a dia é quando as pessoas rebatem questões científicas óbvias como o aquecimento global ou os prejuízos à saúde causados por cigarro ou álcool em excesso com exemplos de como a sua cidade está mais fria ou como seu avô viveu até os cem anos fumando e bebendo todo dia.

É nosso cérebro querendo economizar energia e criando a lógica interna de que se algo pode ser facilmente lembrado e nos é muito presente, é importante e provavelmente a verdade.

O problema é que se confiarmos no que é disponível na nossa experiência, nunca faremos uma avaliação concreta e global daquilo que estamos tentando entender.

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Viés de Recência

Parecido de alguma forma com o viés de disponibilidade, aqui a diferença é a nossa tendência a confiar demais na última informação que tivemos e nos basear nela como a verdade global ou histórica.

É quando um avião cai, por exemplo, e as pessoas passam a achar que é inseguro andar de avião, focando completamente no desastre atual e esquecendo todas as estatísticas em uma longa série histórica que demonstram consistentemente a segurança das aeronaves.

Seja com um exemplo super recente ou super disponível, a dinâmica do cérebro é muito parecida, tendendo a se apegar a algo concreto e imediato e não aos fatos “frios”.

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Ilusão de Agrupamentos

É a nossa tendência de encontrar padrões em eventos completamente aleatórios, gerando a sensação de alguma ordem para um mundo muitas vezes caótico e aleatório.

Talvez você tenha pensado naquela clássica brincadeira de achar formas nas nuvens e isso tem a ver de alguma forma. Mas o mais preciso seria, por exemplo, em um cassino, as pessoas acharem que há algum padrão na roleta ou na ordem das cartas ou nas figurinhas das máquinas. São eventos completamente aleatórios, mas o nosso cérebro busca codificar aquilo de uma maneira que nos pareça mais compreensível e encontra padrões onde logicamente não seria possível.

Qualquer semelhança com uma análise de dados com pequena amostra e poucos casos não é mera coincidência. Ainda que não haja base lógica para a formação de padrões, nós vamos querer achá-los a todo custo.

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Viés de informação

Essa é praticamente oposta às primeiras. Em vez de não considerar nenhuma evidência concreta e se apoiar no que está disponível e/ou recente, o Viés de Informação fala da nossa tendência a buscar informação sem parar, mesmo quando ela já não tem mais o poder de alterar o curso de ação.

Como forma de se certificar e evitar o desconforto de estar tomando uma má decisão, muitas vezes tendemos a ficar em um loop eterno e não sair do lugar. Outro efeito que vai na mesma direção é o “zero-risk bias”,

Falamos por aqui como, por exemplo, Jeff Bezos foge desse viés como o diabo da cruz. Sabendo que as pessoas tendem a ser assim, ele prioriza sobretudo na Amazon a virtude da velocidade, apoiando-se no melhor possível que se consegue de informação em pouco tempo.

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Efeito Avestruz

Por fim, temos esse viés com nome esquisito, que denota um comportamento igualmente esquisito, mas completamente compreensível e visível no dia a dia. É a nossa tendência a evitar informações ruins e negativas para evitar lidar com o desconforto que elas geram. Tal qual um avestruz, enfiamos nossa cabeça debaixo da terra para não ter que ver a dura realidade.

Pesquisas mostram como investidores tendem a checar muito menos vezes o valor de suas empresas e ações em tempos de vacas magras ou crises. A realidade não vai mudar só porque não olhamos para ela, mas o osso cérebro não quer passar pelo stress desse tipo de coisa e foge.

Só que isso nubla a nossa visão e nos deixa potencialmente paralisados diante da situação que mais exige nossas ações.

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Considerando que esse são só alguns deles, já deu para perceber o desastre em potencial que é o nosso cérebro em termos analíticos. Porém, é importante ressaltar o “em potencial” aqui. Esses viéses existem, temos que ter consciência deles e atuar contra quando estivermos percebendo que algum deles pode estar nos afetando. Assim, tiraremos o melhor do nosso sistema analítico e colocaremos o preguiçosos cérebro para trabalhar.