Afinal, para que serve uma empresa?

Como vivemos falando por aqui, estratégia é, em essência, um jogo, uma competição. Empresas disputam mercados do mesmo modo que exércitos disputam territórios ou times de futebol brigam por títulos: buscando criar vantagem sobre seus adversários. Vencer significa escolher a melhor forma de empregar recursos limitados, encontrar caminhos que levem a resultados superiores e, principalmente, construir posições que sejam difíceis de imitar. É por isso que estratégia exige escolhas — sobre onde competir, como competir e quais armas mobilizar — já que nenhum competidor tem recursos infinitos.

Como também já exploramos anteriormente, empresas não jogam todas a mesma partida – nem no mesmo segmento. Algumas buscam a liderança. Outros uma posição intermediária. Uns são monopólios outros startups desafiantes. Dependendo de sua posição, recursos e competidores, cada organização define um tabuleiro diferente, com regras e objetivos particulares.

Mas há uma questão mais geral, que atravessa todos esses jogos e jogadores. Pensando de forma bem ampla, no capitalismo como um todo, o que significa vencer para uma empresa?

A resposta, quando despida de todas as camadas conceituais, cai sempre no mesmo lugar: vencer significa gerar mais retorno. Mais lucro para os acionistas, mais crescimento que os rivais, mais valorização de mercado. Essa é a métrica universal que unifica companhias de setores, países e modelos de negócios completamente distintos. Enquanto a definição do “como” varia de acordo com a estratégia escolhida, o “para quê” parece invariável: o objetivo último é transformar vantagem competitiva em lucro.

É justamente nesse ponto que a discussão se abre. Se o lucro é o destino inevitável, é para isso que serve uma empresa? Gerar lucro? A resposta é sim por um lado e não por outro.

Ao longo do tempo, essa visão aparentemente óbvia foi sendo questionada, ampliada e refinada. Economistas, teóricos da gestão e pensadores do capitalismo ofereceram leituras diferentes, ora mais focadas no funcionamento interno das organizações, ora mais voltadas para o mercado e para os clientes. São as chamadas “Teorias da Firma”.

Durante boa parte da história, a empresa foi vista como um mecanismo voltado para dentro — dedicada a produzir com eficiência, reduzir custos e coordenar recursos para maximizar lucros, enquanto o cliente aparecia apenas como variável externa do mercado. Com o tempo, essa lógica passou a ser questionada, e a partir de meados do século XX ganhou força a ideia de que o lucro sustentável só poderia ser alcançado ao colocar o cliente no centro. Vamos percorrer esse caminho para entender melhor as nuances e como desembocamos no que hoje entendemos por customer centricity.

Empresas como máquinas eficientes de produzir

Por muito tempo, a empresa foi compreendida a partir de uma lógica quase mecânica. A tradição da economia neoclássica, formada no final do século XIX e consolidada nas primeiras décadas do século XX, tratava a firma como uma verdadeira caixa preta de produção. O que importava não era a dinâmica interna — como ela se organizava, como tomava decisões, quais eram suas disputas políticas — mas o resultado do processo: transformar insumos em bens e, nesse caminho, maximizar o lucro.

Essa visão tinha a elegância da simplicidade. Para os economistas neoclássicos, bastava observar o lado de fora da firma: preços, custos, oferta e demanda. O funcionamento interno era irrelevante, pois a lógica do mercado, supostamente perfeita, ajustaria tudo. Assim, a empresa aparecia como um ator racional, dedicado apenas a um objetivo: produzir de forma eficiente.

Esse enquadramento fez sentido dentro de um momento histórico marcado pela industrialização acelerada. As grandes fábricas do século XIX e início do XX eram símbolos visíveis de produtividade em escala. O sucesso de uma empresa estava associado à sua capacidade de reduzir custos unitários, padronizar processos e entregar volumes cada vez maiores ao mercado. Em uma economia que ainda se expandia em termos de bens básicos — roupas, alimentos processados, transporte, energia —, pensar a firma como um motor de produção parecia natural.

A lógica neoclássica também se encaixava no espírito do capitalismo industrial da época. Se os mercados eram vistos como mecanismos de equilíbrio entre oferta e demanda, a função da empresa era clara: ser a engrenagem que converte insumos em produtos, no menor custo possível, gerando assim lucro para os proprietários. Nesse modelo, a sociedade se beneficiaria indiretamente, já que a busca incessante por eficiência se traduziria em preços mais baixos, abundância de bens e crescimento econômico.

Mas esse retrato tinha uma limitação fundamental: reduzia a empresa a um dispositivo técnico, incapaz de explicar por que algumas organizações prosperavam de forma desproporcional enquanto outras desapareciam. Afinal, se todas estivessem submetidas às mesmas leis de mercado e buscassem o mesmo objetivo de maximizar lucros, por que algumas eram capazes de dominar setores inteiros e se tornar líderes quase incontestáveis?

É nesse ponto que entra a contribuição de Joseph Schumpeter, um dos economistas mais originais do século XX. Para ele, o erro da visão neoclássica estava em ver a empresa apenas como engrenagem de eficiência. O verdadeiro motor do capitalismo não era a produção em si, mas a inovação.

Schumpeter via o empresário não como um administrador de processos existentes, mas como um agente criativo, quase heróico, que introduz “novas combinações” na economia. Inovar significava lançar novos produtos, abrir novos mercados, desenvolver novos métodos de produção ou reorganizar indústrias inteiras. Essa força inovadora era o que provocava a destruição criativa: a substituição inevitável do velho pelo novo, dos negócios acomodados pelas organizações ousadas.

Nesse raciocínio, a função da empresa não se resumia a transformar insumos em bens. Sua verdadeira contribuição ao capitalismo era desestabilizar a ordem vigente, quebrar rotinas, introduzir rupturas que elevassem o patamar da economia como um todo. Ao contrário da harmonia imaginada pelos neoclássicos, Schumpeter via o capitalismo como um processo essencialmente turbulento, movido por ondas de inovação que criavam novos líderes e condenavam os antigos à obsolescência.

A visão schumpeteriana acrescentou uma camada fundamental ao entendimento da firma. Se a lógica neoclássica tratava todas as empresas como unidades semelhantes competindo por eficiência, Schumpeter mostrou que algumas se diferenciavam justamente porque não se contentavam com a eficiência média: elas reinventavam as regras do jogo. A General Electric, nos primórdios da eletrificação; a Ford, com sua linha de montagem revolucionária; ou mais tarde, a IBM, a Microsoft e a Apple em diferentes fases da computação, são exemplos de como a inovação redefine setores inteiros.

Essa leitura também ajudava a explicar a desigualdade de resultados entre empresas. Enquanto muitas desapareciam em disputas acirradas de custo e preço, algumas se projetavam como dominantes porque introduziam novidades que ninguém mais conseguia replicar no mesmo ritmo. Para Schumpeter, era essa capacidade de inovar que definia a essência do capitalismo e a razão de ser das empresas mais bem-sucedidas.

Ainda assim, a visão de Schumpeter não eliminava a centralidade do lucro. Inovar não era um ato altruísta ou cultural; era uma forma de conquistar vantagem competitiva e, por consequência, gerar retornos superiores. A diferença em relação à economia neoclássica estava no caminho: enquanto os clássicos acreditavam que a eficiência produtiva era o mecanismo direto para chegar ao lucro, Schumpeter mostrava que a verdadeira força estava em criar novas fronteiras de mercado.

Em resumo, o primeiro momento em que se desenvolveram as teorias sobre a firma pode ser entendido como um esforço para associar sua existência à eficiência e à produção. Para os neoclássicos, a empresa existia para maximizar resultados internos através da produtividade. Para Schumpeter, ela existia para romper paradigmas e introduzir inovações que movimentavam o sistema econômico. Em ambos os casos, a ênfase permanecia voltada para dentro da organização: seu papel era agir sobre insumos, processos e combinações de recursos, convertendo-os em produtos e retornos financeiros.

Essa visão interna seria fundamental para os debates posteriores. Afinal, mesmo quando surgiram perspectivas mais centradas no cliente, a noção de eficiência e a capacidade de inovar continuaram sendo pré-requisitos indispensáveis. O que mudaria, décadas depois, não seria a importância da produção ou da inovação em si, mas o reconhecimento de que o destino final da empresa não poderia ser explicado apenas por suas engrenagens internas. A chave estaria também em olhar para fora — para os consumidores, para o mercado, para a demanda — e entender que o lucro nasce não apenas do que se produz, mas do valor que esse produto gera para quem o consome.

Coordenar recursos com governança

Se a visão neoclássica enxergava a empresa como uma simples caixa preta de produção, e Schumpeter a elevava ao papel de motor da inovação, o economista Ronald Coase foi além: ele se perguntou por que as empresas existem em primeiro lugar.

À primeira vista, a pergunta parece estranha. Se os mercados funcionam tão bem para coordenar oferta e demanda, por que precisamos de grandes organizações hierárquicas, com custos fixos enormes, estruturas de comando complexas e inevitáveis burocracias? Por que não deixar tudo para contratos individuais entre fornecedores, trabalhadores e clientes, cada um negociando diretamente no mercado?

A resposta de Coase, apresentada em seu clássico ensaio The Nature of the Firm (1937), foi simples e poderosa: as empresas existem porque coordenar tudo via mercado tem custos. Esses custos, chamados de custos de transação, incluem o esforço de procurar fornecedores, negociar preços, redigir contratos, monitorar o cumprimento dos acordos e lidar com possíveis conflitos. Sempre que esses custos são maiores do que os de internalizar uma atividade, surge a justificativa para a firma.

Nesse raciocínio, a empresa é, antes de tudo, um mecanismo de coordenação. Em vez de depender de milhares de negociações no mercado, ela organiza processos sob uma hierarquia interna, onde a autoridade substitui o contrato. Contratar um funcionário, por exemplo, é mais simples do que negociar, a cada tarefa, com um prestador independente. Produzir dentro de casa pode ser mais eficiente do que terceirizar, se o custo de transação externo for alto demais.

Essa explicação inaugura uma nova forma de pensar a empresa: não apenas como produtora ou inovadora, mas como estrutura de governança. Sua função é decidir continuamente o que deve ser feito internamente e o que deve ser deixado ao mercado. Em outras palavras, a firma existe porque, em muitos casos, ela é um jeito mais barato e confiável de organizar recursos do que o mercado puro.

Com o tempo, essa lógica foi ampliada por Oliver Williamson, a partir da década de 1970, em sua teoria dos custos de transação. Williamson detalhou as condições em que a governança interna é mais vantajosa: situações de alta incerteza, ativos específicos (que não podem ser facilmente redirecionados para outros usos) e risco de oportunismo entre as partes. Nessas circunstâncias, internalizar a atividade dentro da empresa reduz riscos e garante maior controle.

Esse pensamento foi particularmente influente porque forneceu um critério objetivo para entender decisões estratégicas fundamentais: integrar ou terceirizar? Expandir a cadeia produtiva ou depender de parceiros? Crescer por aquisições ou manter contratos de mercado? Cada escolha tem implicações em custos de transação e, portanto, na eficiência da empresa como estrutura de governança.

Do ponto de vista histórico, a teoria de Coase e Williamson ajuda a explicar a ascensão das grandes corporações modernas. Conglomerados industriais, empresas verticalmente integradas e multinacionais gigantescas podem ser vistos como tentativas de reduzir custos de transação em ambientes cada vez mais complexos. Em setores como energia, telecomunicações e automotivo, organizar vastas cadeias de fornecimento sob uma mesma estrutura hierárquica parecia mais eficiente do que confiar apenas em contratos dispersos.

A noção de governança também trouxe um olhar mais realista sobre os limites da eficiência interna. Nem tudo pode ser absorvido pela empresa sem gerar custos adicionais — burocracia, rigidez, lentidão na tomada de decisões. Há um ponto em que expandir demais a hierarquia deixa de reduzir custos de transação e passa a aumentá-los. Essa tensão entre mercado e hierarquia tornou-se um dos temas centrais da economia organizacional do século XX.

Ainda que sofisticada, essa perspectiva mantém a essência da visão autocentrada da firma. O cliente, novamente, aparece apenas de forma indireta, como destino final dos produtos ou serviços. A explicação sobre a razão de existir da empresa continua voltada para dentro: ela existe porque é uma forma eficiente de coordenar recursos, reduzir incertezas e capturar ganhos que o mercado sozinho não entregaria.

Esse olhar, embora restrito, é fundamental. Sem compreender a empresa como estrutura de governança, seria impossível explicar o tamanho e a complexidade das organizações modernas. Da mesma forma, muitas escolhas estratégicas — como integrar a cadeia produtiva ou expandir via aquisições — só fazem sentido à luz dos custos de transação.

Mas, ao mesmo tempo, essa abordagem evidencia uma limitação: ao focar exclusivamente nos mecanismos internos de coordenação, ela não responde plenamente à questão de como a empresa cria valor no mercado. Reduzir custos e organizar processos é crucial, mas não basta para explicar a sobrevivência e o sucesso de longo prazo. Uma organização só continua existindo se for capaz de gerar demanda para o que oferece, e isso exige olhar para fora, para clientes e consumidores.

Em resumo, a contribuição de Coase e Williamson foi mostrar que a empresa existe porque há coisas que o mercado não faz bem sozinho. A firma surge para coordenar, reduzir custos e governar relações complexas de forma mais eficiente. Essa lógica completa a visão da produção e da inovação: sem coordenação e governança, a eficiência se perde. No entanto, o debate sobre o propósito da empresa ainda permaneceria, por décadas, restrito ao seu funcionamento interno. Somente mais tarde viria a virada decisiva: reconhecer que o lucro, embora central, só pode ser sustentado se a empresa colocar o cliente no centro de sua existência.

A virada de olhar para o cliente

Até meados do século XX, a ideia predominante era que a empresa existia para funcionar bem internamente: produzir de forma eficiente, inovar e coordenar recursos. O lucro era visto como consequência direta desse funcionamento. Mas uma mudança profunda começou a se desenhar quando Peter Drucker, em seu livro The Practice of Management (1954), formulou uma frase que se tornaria talvez a mais citada do pensamento empresarial moderno: “A finalidade de um negócio é criar um cliente.”

Essa proposição foi um divisor de águas. Até então, o cliente era tratado como um agente externo, um elemento do ambiente de mercado com o qual a empresa precisava se relacionar. Drucker, ao contrário, colocou o cliente no centro da explicação: a empresa só faz sentido porque existe alguém disposto a comprar o que ela produz. Se não houver cliente, não há receita, não há negócio, não há empresa.

Esse deslocamento pode parecer óbvio hoje, mas foi radical à época. Ele mudava a lógica do jogo. Em vez de começar pela produção e terminar no mercado, o raciocínio deveria começar pelo cliente e só então voltar para dentro. O que importa não é apenas a eficiência com que se produz, mas a relevância do que se produz. A questão central deixa de ser “como transformar insumos em bens mais baratos” e passa a ser “quais necessidades humanas merecem ser atendidas, e de que forma”.

Drucker não negava o papel do lucro. Pelo contrário: reconhecia que o lucro era indispensável à sobrevivência da empresa. Mas, para ele, o lucro era consequência, não finalidade imediata. Era o resultado de servir bem o cliente. Assim, a função primária da empresa não era gerar retorno para os acionistas de forma direta, e sim entregar valor a clientes de forma que, como consequência, esse retorno se tornasse possível e sustentável.

Essa ideia abriu caminho para um novo corpo de pensamento: a orientação ao mercado (market orientation). Pesquisas desenvolvidas nas décadas de 1960 a 1980 reforçaram que empresas que partiam do mercado, em vez de partir da produção, tinham desempenho superior. Em outras palavras, as organizações mais lucrativas eram aquelas que dedicavam tempo e recursos para compreender profundamente seus clientes — suas dores, desejos, motivações e barreiras — e adaptavam suas estratégias de acordo.

A lógica era simples: competir apenas por eficiência interna é lutar em um campo estreito, em que todos buscam reduzir custos e aperfeiçoar processos. Colocar o cliente no centro, ao contrário, amplia o campo de jogo. Permite identificar oportunidades de diferenciação, criar novas categorias de produto e até mesmo redesenhar indústrias inteiras.

Exemplos históricos ilustram bem essa virada. A Procter & Gamble, desde o início do século XX, desenvolveu um sistema robusto de pesquisa com consumidores, transformando o entendimento de hábitos domésticos em inovação de produto e liderança de mercado. A Sony, nos anos 1970 e 80, lançou sucessivos produtos — do Walkman ao videocassete portátil — a partir de leituras finas sobre como as pessoas queriam consumir música e imagem. Em ambos os casos, o ponto de partida não era “como produzir de forma mais barata”, mas “como atender a um desejo emergente dos clientes”.

Esse movimento também reposicionou a função do marketing. Na visão neoclássica, marketing era um apêndice da produção: servia para escoar produtos já feitos, comunicar características e gerar demanda. Com a lógica da orientação ao mercado, marketing passa a ocupar papel estratégico, porque se torna a disciplina que capta as necessidades externas e orienta as decisões internas. O marketing deixa de ser comunicação no fim da cadeia e passa a ser insight no começo do processo.

A mudança de perspectiva também tem implicações para a noção de vantagem competitiva. Se, até então, ela vinha da eficiência produtiva ou da capacidade de inovar processos, a partir de Drucker e da lógica de market orientation a vantagem passa a estar em compreender melhor o cliente do que os concorrentes. Ganhar o jogo não é apenas cortar custos ou lançar produtos novos, mas ser capaz de traduzir necessidades em soluções relevantes.

Esse deslocamento não elimina as contribuições anteriores — uma empresa continua precisando ser eficiente, inovadora e bem coordenada para sobreviver. Mas redefine a hierarquia: tudo isso se torna meio, não fim. O lucro permanece como objetivo final, mas a forma mais sólida de alcançá-lo é fazer do cliente o protagonista.

Em síntese, a grande contribuição desse bloco foi mudar a pergunta sobre a razão de existir da firma. Antes, a resposta estava dentro da organização — reduzir custos, inovar, coordenar. Com Drucker e a orientação ao mercado, a resposta passou a estar fora: a empresa existe para criar e manter clientes. Essa visão inaugura a segunda metade da nossa trajetória: a da firma voltada para fora, cuja sobrevivência e sucesso estão ligados não apenas ao que consegue fazer internamente, mas principalmente ao quanto consegue entregar de valor ao consumidor.

As noções atuais de customer centricity

A mudança iniciada por Drucker e consolidada pela lógica de orientação ao mercado abriu uma nova trilha de investigação sobre o propósito da empresa. Se a finalidade é criar clientes, como isso se traduz na prática? Como algumas organizações conseguem sustentar essa lógica no longo prazo, transformando atenção ao consumidor em vantagem competitiva duradoura?

Uma das respostas mais influentes veio com a chamada teoria evolucionária da firma, proposta por Richard Nelson e Sidney Winter em An Evolutionary Theory of Economic Change (1982). Diferente da visão estática dos neoclássicos, eles enxergaram a empresa como um organismo vivo, sujeito a pressões seletivas do ambiente. Sobrevivem não as firmas mais eficientes em teoria, mas aquelas que conseguem aprender, acumular rotinas e se adaptar às mudanças da demanda. O mercado funciona como um processo evolutivo: experimentações bem-sucedidas são replicadas, enquanto erros levam ao desaparecimento.

Nesse modelo, a empresa é um repositório de conhecimento e capacidades. Sua razão de existir não é apenas coordenar ou produzir, mas desenvolver e preservar rotinas que permitam interpretar sinais do mercado e responder melhor do que os concorrentes. O cliente, portanto, torna-se força seletiva: é a sua preferência que decide quais empresas prosperam e quais desaparecem.

Essa perspectiva ajudou a explicar fenômenos como a ascensão de empresas que dominam setores ao longo de décadas porque acumulam rotinas superiores de leitura e resposta ao mercado. A Toyota, por exemplo, não ficou à frente apenas porque reduziu custos, mas porque desenvolveu sistemas de produção e aprendizado que lhe permitiram inovar continuamente em qualidade e eficiência, em sintonia com o que seus clientes esperavam.

Nos anos 1990, outra contribuição importante surgiu: a Resource-Advantage Theory, desenvolvida por Shelby Hunt e Robert Morgan. A partir da lógica da Resource-Based View (RBV), que já dizia que vantagens competitivas dependem de recursos valiosos, raros e difíceis de imitar, Hunt e Morgan deram um passo além: esses recursos só têm valor estratégico se gerarem superioridade percebida pelo cliente.

Em outras palavras, não basta possuir tecnologia, marcas fortes ou talentos. O que importa é a capacidade de transformar esses ativos em valor reconhecido pelo consumidor. Se o cliente não percebe ou não se importa, não há vantagem sustentável. Essa teoria consolidou de vez o cliente como árbitro final da competição: é ele quem decide se os recursos de uma empresa realmente se traduzem em superioridade.

Com o início do século XXI, esse raciocínio se intensificou ainda mais. O avanço da internet, a digitalização e a ascensão das redes sociais colocaram o cliente em uma posição inédita de poder. Ele passou a ter mais informação, mais opções e mais voz. A lógica de “empurrar produtos” perdeu espaço diante de um consumidor que exige diálogo, personalização e propósito.

Surge então a ideia de customer centricity contemporânea. Nela, a empresa não é apenas uma fornecedora de produtos, mas uma plataforma de experiências e relacionamentos. Seu objetivo é criar vínculos duradouros, que transcendem a transação imediata. Marcas como Amazon, Apple, Nubank e Tesla exemplificam essa lógica: não vendem apenas produtos, mas ecossistemas nos quais o cliente sente-se parte de uma comunidade e, muitas vezes, de um propósito maior.

Essa evolução também ampliou a discussão sobre stakeholders. O cliente continua sendo o protagonista, mas surge a consciência de que o valor entregue a ele deve estar equilibrado com impactos sociais, ambientais e de governança. A lógica de customer centricity se conecta à de sustentabilidade: para continuar atendendo o cliente no futuro, a empresa precisa cuidar dos recursos, das comunidades e da confiança coletiva que tornam seu negócio possível.

O mais importante, no entanto, é notar que nenhuma dessas teorias abandona o lucro. Todas reconhecem que o retorno ao acionista continua sendo o objetivo final. O que muda é a compreensão de que o caminho mais robusto para chegar lá é colocar o cliente como foco permanente. Essa é a grande ruptura em relação às visões anteriores: a aposta de que gerar valor para consumidores é a forma mais eficaz de gerar valor para acionistas.

Hoje, essa lógica parece quase senso comum. Executivos falam em customer experience, métricas de NPS guiam decisões estratégicas, e empresas se organizam em torno da jornada do cliente. Mas por trás desse vocabulário moderno há um longo percurso intelectual: da firma como caixa preta produtiva à firma como criadora de clientes e promotora de experiências.

Em síntese, o segundo bloco dessa trajetória mostra que a empresa existe não apenas para inovar, coordenar ou reduzir custos, mas para sustentar relacionamentos com clientes ao longo do tempo, transformando recursos em valor percebido e construindo posições competitivas difíceis de replicar. O cliente é, ao mesmo tempo, ponto de partida e juiz final do processo. É ele quem define se a firma venceu o jogo capitalista ou não.


A história das teorias da firma mostra que já olhamos para a empresa de muitos ângulos: como produtora eficiente, como motor de inovação, como estrutura de governança ou como criadora de clientes. Cada uma dessas lentes ajudou a compreender um pedaço importante do quebra-cabeça, mas o fio condutor que atravessa o tempo é a busca pelo lucro, entendido como medida final de vitória no jogo capitalista. A diferença está em como se chega lá — e é justamente aí que a centralidade do cliente emerge como ponto incontornável.

Independentemente da posição da empresa no mercado, do setor em que atua ou da estratégia escolhida — seja competir por preço, diferenciação, inovação ou escala —, o caminho para a vitória passa necessariamente por colocar o cliente no centro. É o cliente quem valida se a inovação faz sentido, se a eficiência é relevante, se os recursos de uma organização realmente se transformam em valor. Sem ele, nenhuma vantagem é sustentável, e nenhum resultado financeiro pode se manter por muito tempo.

Isso significa que pensar estrategicamente hoje exige ir além de slogans sobre customer centricity. É preciso entender de forma profunda o que colocar o cliente no centro realmente implica: como reorganizar processos, como medir resultados, como alinhar recursos internos a necessidades externas, como equilibrar valor entregue a consumidores com impacto social mais amplo. Não se trata apenas de ouvir o cliente, mas de reconstruir a lógica da empresa em torno dele.

E é nesse processo que se gera valor duradouro para acionistas e para a sociedade. Estratégias vencedoras podem variar em estilo e em jogo, mas compartilham esse fundamento comum: a vitória é definida pelo cliente. Compreender isso em profundidade não é um detalhe conceitual, mas a chave para qualquer estratégia bem-sucedida no presente e no futuro.

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