O que aprendemos, na prática, sobre AI e estratégia?

                                   

Ao longo de uma Sprint de quatro noites realizada na Sandbox, no contexto da Planning Academy, trabalhamos para criar uma marca de água para adolescentes, utilizando inteligência artificial como apoio em cada etapa. O processo trouxe diversos aprendizados sobre como a IA pode ser aplicada em trabalhos de estratégia e construção de marcas. Neste texto, vamos explorar esses aprendizados, mas antes de mergulhar nas lições, é importante entender o contexto da Sprint, seu desafio e a missão de cada dia.

 

SPRINT: FORMATO E DESAFIO

O objetivo da Sprint era desenvolver uma marca de água para adolescentes, e a meta era concluir o processo em apenas quatro noites. Cada noite foi estruturada para cumprir um objetivo específico.

A tarefa inicial era diagnosticar o comportamento dos adolescentes em relação a bebidas e identificar os principais insights a partir de uma base de dados de hábitos e atitudes. Essa análise serviria como ponto de partida para todo o restante do processo.

Após o diagnóstico, o foco foi na definição de um posicionamento de marca. Precisávamos encontrar um espaço no mercado que fosse relevante para os adolescentes e diferenciador em relação aos concorrentes.

Com o posicionamento definido, a missão era estruturar a essência da marca, incluindo os benefícios funcionais e emocionais, o propósito da marca (brand belief), seu comportamento (brand behavior) e sua proposta de valor (unique selling proposition).

Na última etapa, escrevemos o manifesto da marca e elaboramos um plano de lançamento, utilizando um modelo de comms planning.

Com esse contexto em mente, vamos agora aos aprendizados extraídos dessa experiência prática, organizados conforme a evolução das etapas da Sprint.

UM GRANDE POTENCIAL DE ANÁLISE DE DADOS E CRIAÇÃO DE PERSONAS SINTÉTICAS

Logo no início da Sprint, percebemos um dos maiores pontos fortes da IA: sua capacidade de lidar com grandes volumes de dados e gerar insights rapidamente. Na primeira noite, subimos uma base de dados com informações sobre os hábitos e atitudes dos adolescentes em relação a bebidas. Com isso, a IA pôde extrair padrões e gerar hipóteses que facilitaram a compreensão do comportamento do consumidor de uma maneira extremamente ágil.

Um dos momentos mais interessantes foi a criação de uma persona sintética com base nesses dados. Essa persona, gerada pela IA, permitiu que fizéssemos uma espécie de entrevista qualitativa, explorando nuances comportamentais que nem sempre são captadas em análises puramente quantitativas. Esse exercício foi essencial para captar insights mais profundos sobre os adolescentes, o que orientou as decisões futuras no desenvolvimento da marca.

O uso de IA para gerar diagnósticos detalhados e rápidos trouxe um ganho de produtividade imenso. No entanto, percebemos que o verdadeiro potencial da IA está no nível de detalhamento dos dados que fornecemos. Quanto mais ricos e específicos os dados, mais útil e precisa a IA se torna. Isso ressalta a importância de preparar a IA adequadamente para tarefas analíticas. Ao mesmo tempo, é crucial entender que o papel do ser humano continua sendo decisivo na interpretação desses dados e na definição dos próximos passos.

 

VISÃO ALÉM DO ALCANCE

Ao entrarmos no segundo dia, nosso foco era definir o posicionamento da nova marca de água. Aqui, a IA brilhou ao nos ajudar a abrir possibilidades de leitura do mercado. Ela facilitou a exploração de múltiplas dimensões que poderíamos usar para posicionar a marca, algumas das quais não estavam originalmente no nosso radar.

Utilizando uma matriz de posicionamento com dois eixos, precisávamos identificar dimensões que refletissem tanto a relevância para os adolescentes quanto a diferenciação em relação aos concorrentes. A IA foi particularmente eficaz ao sugerir novas abordagens e ao nos ajudar a mapear rapidamente os principais concorrentes e suas ações no mercado. Esse levantamento ágil de informações e a exploração de novas perspectivas permitiram que enxergássemos oportunidades que poderíamos não ter considerado sem a ajuda da IA.

Apesar dessa capacidade de “abrir horizontes”, a IA apresentou uma limitação evidente no momento da tomada de decisões. Embora ela pudesse sugerir dimensões e possibilidades, a responsabilidade de escolher o caminho mais adequado recaiu sobre a equipe. Nesse ponto, ficou claro que, enquanto a IA é excelente para expandir o campo de visão e levantar dados, ela ainda não possui a capacidade de fazer escolhas estratégicas de forma assertiva. A IA pode ser uma excelente ferramenta de exploração, mas a decisão final ainda depende da intuição e do julgamento humano.

 

IA COMO BOOST PARA A CRIATIVIDADE

Na terceira noite, a tarefa era estruturar a marca, definindo seus benefícios funcionais e emocionais, além de aspectos mais abstratos, como o propósito da marca e seu comportamento. Esse foi um momento crucial, pois precisávamos consolidar todas as informações que havíamos levantado até então e transformá-las em uma essência clara e coerente para a marca.

Aqui, a IA desempenhou dois papéis importantes. O primeiro foi servir como fonte de inspiração para o desenvolvimento dos benefícios funcionais e emocionais. Baseando-se nos dados e no consumidor sintético criado, a IA nos ajudou a identificar os elementos mais valorizados pelos adolescentes, o que foi fundamental para garantir que a proposta de valor da marca estivesse alinhada às suas expectativas.

O segundo papel da IA foi no processo de brainstorming e refinamento de ideias. Quando chegamos a definições mais subjetivas, como o propósito e o comportamento da marca, a IA foi útil ao gerar uma variedade de possibilidades, o que ampliou nossa visão criativa. No entanto, o grande desafio aqui foi filtrar as ideias geradas. Muitas das sugestões oferecidas pela IA eram genéricas ou não tão inovadoras. Esse é um ponto onde a participação humana foi indispensável: usamos nosso critério e intuição para selecionar as melhores ideias e moldá-las de acordo com a essência que queríamos para a marca.

Embora a IA tenha sido uma excelente parceira no brainstorming, ela ainda apresenta limitações no que diz respeito à qualidade das ideias. Para extrair o melhor desse processo, é necessário um filtro humano rigoroso, que saiba distinguir as sugestões valiosas das menos relevantes.

     

ME AJUDA A TE AJUDAR: ALIMENTANDO A IA COM CRITÉRIOS

O papel crucial de ensinar a IA: um esforço proativo para maximizar seu valor

Um dos grandes aprendizados que emergiu da Sprint foi a importância de “ensinar” a IA para que ela possa, de fato, entregar o máximo de valor. Quando chegamos à etapa de escrever o manifesto da marca, percebemos que a IA não conseguiria gerar algo impactante apenas com os dados genéricos que já possuía. Precisávamos fornecer a ela informações mais especializadas e detalhadas para que sua contribuição fosse realmente útil. Esse esforço de treinamento proativo da IA tornou-se um ponto chave.

Em vez de simplesmente pedir à IA que escrevesse um manifesto com base em informações gerais, nós a alimentamos com conteúdo especializado. Fizemos a IA ler o site Manifesto Writing, que oferecia diretrizes sobre como criar bons manifestos e aprender os critérios importantes: como começar, como estruturar, quais elementos devem ser priorizados e como fechar o texto de forma inspiradora. Esse processo de “treinamento” da IA, feito de forma intencional, resultou em uma qualidade muito superior no que ela produziu. Ao fornecer esse conteúdo mais específico e orientado, a IA foi capaz de gerar versões de manifesto que estavam alinhadas aos melhores padrões de redação e comunicação.

Esse aprendizado ressalta um ponto crucial: para fazer a IA te ajudar da melhor forma possível, um caminho eficiente é prepará-la com os subsídios corretos. Quando você a treina para seguir determinados parâmetros ou critérios, ela pode se tornar uma ferramenta muito mais poderosa e direcionada. Isso foi ainda mais evidente no comparativo com o comms planning, que teve um desempenho mais fraco justamente por não termos oferecido tantos exemplos ou dados detalhados para que a IA pudesse se basear. Onde faltou esse “treinamento” prévio, a IA ficou limitada a gerar resultados mais genéricos e menos úteis.

Portanto, um dos maiores aprendizados foi que o papel do ser humano na relação com a IA vai além de simplesmente pedir respostas; é fundamental direcioná-la, alimentá-la com dados de qualidade e ensiná-la a interpretar as informações da maneira que você precisa. Esse esforço inicial de preparo pode parecer trabalhoso, mas os resultados são muito mais robustos e alinhados às expectativas. A IA, nesse sentido, não é apenas uma ferramenta que reage passivamente aos comandos; ela pode ser moldada e “treinada” para responder de forma mais precisa e relevante, potencializando seu uso na criação de marcas e estratégias de alto impacto.

 

AS LIMITAÇÕES DA IA: A IMPORTÂNCIA DA CURADORIA HUMANA

Apesar de a IA ter demonstrado um grande valor ao longo da Sprint, especialmente ao abrir possibilidades e fornecer uma vasta quantidade de sugestões, ela também revelou algumas limitações que só podem ser superadas com a intervenção humana. Esses desafios se manifestam em três áreas principais: a qualidade das ideias, a tomada de decisões estratégicas e a capacidade de refinamento e feedback.

 

A IA gera muitas ideias, mas muitas são superficiais ou fracas

Um dos pontos mais evidentes ao longo da Sprint foi a abundância de ideias que a IA trouxe. Ela é extremamente eficiente em abrir caminhos e oferecer várias sugestões, tanto no campo criativo quanto no analítico. No entanto, muitas dessas sugestões carecem de profundidade, originalidade ou relevância. A IA tende a produzir ideias genéricas e, muitas vezes, sem graça, o que exige um filtro rigoroso por parte dos humanos para separar o que é valioso do que não tem potencial.

Esse processo de curadoria é essencial. Sem a capacidade de selecionar e refinar as ideias, a equipe pode acabar perdendo tempo com propostas que não agregam valor real. A IA é uma excelente ferramenta para ampliar a exploração de possibilidades, mas a qualidade final do trabalho depende da capacidade humana de identificar as sugestões mais promissoras e moldá-las de acordo com o contexto e os objetivos da marca.

 

A IA é ótima para abrir, mas limitada na hora de fechar 

Outro ponto que ficou claro é que a IA funciona muito bem na fase de abertura — quando estamos explorando novos horizontes, levantando possibilidades e buscando enxergar o mercado de diferentes ângulos. No entanto, quando chega o momento de tomar decisões estratégicas e “fechar” em uma direção específica, a IA apresenta limitações. Suas sugestões, quando dependem de uma escolha clara, tendem a convergir para o genérico, o que dificulta a criação de algo realmente diferenciado.

Tomar uma decisão forte, que seja capaz de posicionar uma marca de maneira única no mercado, é um momento crucial, e a IA não tem a capacidade de fazer isso sozinha. Ela pode fornecer uma quantidade enorme de caminhos, mas, sem o critério humano para identificar o que é realmente relevante e impactante, as soluções sugeridas pela IA tendem a ser seguras demais, sem grande potencial de inovação.

 

Raramente as ideias vêm prontas: o papel do feedback contínuo

Mesmo quando a IA auxilia em tarefas mais técnicas, como a escrita de textos ou a estruturação de conceitos, é raro que o primeiro resultado seja completamente satisfatório. As primeiras versões, seja de um manifesto de marca ou de uma proposta de valor, tendem a ser travadas ou genéricas. Nesse ponto, o papel humano de fornecer feedback e direcionar o refinamento contínuo torna-se fundamental. É preciso ajustar, melhorar, e direcionar o trabalho da IA para alcançar resultados mais refinados.

Assim como em qualquer processo criativo, a interação contínua com a IA, dando feedback e ajustando suas produções, é o que transforma uma ideia inicial genérica em algo verdadeiramente diferenciado. Sem esse refinamento e sem a capacidade humana de moldar o que foi produzido, a IA será muito menos eficaz em entregar resultados de alto impacto.

 
 

A Sprint realizada na Sandbox foi uma experiência que mostrou claramente o potencial e as limitações da IA no processo de construção de marcas. Seu maior valor está em sua capacidade de lidar com dados rapidamente, levantar informações detalhadas e abrir novas possibilidades de exploração. Quando bem alimentada com dados de qualidade, a IA se mostrou uma ferramenta valiosa para expandir nossa compreensão do mercado e auxiliar na criação de conceitos iniciais.

No final das contas, a IA pode ser uma ferramenta incrivelmente útil, mas sua utilidade depende diretamente da capacidade humana de fazer curadoria, tomar decisões estratégicas e fornecer feedback contínuo. Sem isso, a IA corre o risco de gerar um excesso de ideias fracas e genéricas, e suas sugestões tendem a não ter o nível de profundidade e inovação necessário para a construção de uma marca sólida. O verdadeiro poder da IA só se manifesta quando há uma colaboração estreita entre a máquina e o humano, onde a IA traz as possibilidades e o humano dá forma e direção a elas.

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