Os fundamentos do pensamento estratégico

Existe uma definição que costuma surgir sempre que alguém tenta explicar, de forma direta, o que é estratégia: é o caminho escolhido para atingir um determinado objetivo. Essa ideia aparece em livros, apresentações, conversas de trabalho e entrevistas. E, à primeira vista, ela parece fazer todo o sentido. Afinal, se existe um destino desejado e há mais de uma forma de chegar até ele, faz sentido dizer que a estratégia está justamente na escolha de como fazer esse percurso.

Esse entendimento não está conceitualmente errado. Mas está perigosamente incompleto. Porque ele deixa de lado justamente as questões mais difíceis — e mais importantes — envolvidas no ato de pensar estrategicamente. O que exatamente é esse “caminho”? Como ele é definido? Com base em que lógica, em que contexto, com que restrições, diante de quais alternativas e com quais riscos? A definição genérica de estratégia como caminho ignora tudo isso. E, ao fazê-lo, esvazia a complexidade do que de fato está em jogo.

Tome um exemplo simples. Imagine alguém que tem uma pequena loja de bairro e define como objetivo dobrar o faturamento no ano seguinte. Ao pensar em como fazer isso, surgem algumas possibilidades: abrir um segundo ponto de venda, começar a vender online, investir em promoções locais, aumentar a variedade de produtos, oferecer entrega a domicílio. Todas essas opções são, de algum modo, caminhos possíveis. Mas escolher entre elas — e mais do que isso, decidir qual receberá a maior parte do tempo, do dinheiro e da energia disponíveis — é o que define se há ou não uma estratégia real sendo construída.

O que esse exemplo ajuda a mostrar é que a escolha do caminho não é uma escolha qualquer. É uma decisão feita diante de restrições claras — de recursos, de contexto, de capacidade. E feita com a intenção de vencer um jogo em que há disputa, competição, imprevisibilidade. Estratégia não é apenas andar na direção de um objetivo. É entender o jogo que está sendo jogado, os limites que se impõem e as escolhas que precisam ser feitas para aumentar as chances de chegar lá.

É por isso que, para entender o que é estratégia de verdade, precisamos ir além da metáfora do caminho. Precisamos olhar para os fundamentos que sustentam a necessidade do pensamento estratégico: a existência de um jogo competitivo, a escassez de recursos, a obrigatoriedade da escolha e a inevitabilidade da incerteza. É a partir deles que a estratégia ganha forma — e que pensar estrategicamente deixa de ser um jargão e passa a ser uma disciplina.

O contexto: competição

Toda estratégia parte de uma premissa fundamental: há algo em disputa. Pode ser um mercado, uma eleição, um campeonato ou até mesmo a atenção de um público. Sempre que há múltiplos agentes tentando alcançar um objetivo que não pode ser compartilhado por todos de forma plena, existe um jogo. E, onde há jogo, há competição. Essa é uma das condições que fazem da estratégia uma ferramenta necessária. Não basta apenas querer chegar a um lugar — é preciso considerar que outros também querem, e que, na maior parte das vezes, não há espaço para todos vencerem da mesma forma.

Essa lógica aparece de forma clara no pensamento de Michael Porter, que define estratégia como a construção de uma posição única e sustentável em um ambiente competitivo. Para Porter, o papel da estratégia não é apenas atingir metas, mas criar diferenciação: fazer escolhas que tornem uma organização difícil de imitar e capaz de se destacar em relação aos concorrentes. Essa visão parte do reconhecimento de que não existe vantagem absoluta — só vantagem relativa, sempre em relação a outros jogadores do mesmo jogo.

Roger Martin, por sua vez, reforça essa mesma ideia ao escolher, com precisão, o título de seu livro mais conhecido: Playing to Win. Estratégia, aqui, não é apenas jogar — é jogar para vencer. E vencer pressupõe que há outros competindo. Se ninguém mais estiver tentando ganhar, não há necessidade de estratégia. Basta agir. Mas se há mais de um jogador — e se os recursos são limitados — a escolha do caminho deixa de ser apenas uma questão de intenção. Ela se torna um posicionamento diante de outros caminhos, ocupados por outras pessoas, empresas ou times que também estão tentando chegar lá.

Essa lógica vale para negócios, mas vai além deles. Na política, a estratégia aparece nos movimentos de campanha, nas escolhas sobre onde concentrar discurso, tempo e energia, sempre levando em conta os adversários. No esporte, a estratégia está nas decisões sobre como se defender ou atacar, dependendo do estilo do oponente. Em qualquer jogo com múltiplos agentes, a estratégia emerge como a arte de lidar com o outro — e não apenas com o seu próprio plano.

Mesmo em situações aparentemente individuais, a lógica competitiva pode estar presente. Um profissional que busca uma vaga de promoção está, ainda que de forma menos explícita, em um jogo competitivo. Um artista que deseja ser reconhecido em um cenário cultural também. Não se trata apenas de fazer bem o seu trabalho — mas de entender o que outros estão fazendo, como se diferenciar, como ocupar um espaço que ainda não foi tomado.

É por isso que, sem competição, não há necessidade real de estratégia. A competição é o que transforma intenção em disputa. E é a disputa que obriga a fazer escolhas mais conscientes, mais racionais e mais posicionadas. A estratégia nasce quando existe um jogo — e a disposição de vencê-lo.

A matéria prima: recursos

Se a competição é o que torna o jogo inevitável, a escassez de recursos é o que torna o jogo difícil. Em um mundo onde tudo estivesse disponível em abundância — tempo, dinheiro, energia, talentos, dados, atenção — não haveria necessidade de estratégia. Faríamos tudo. Exploraríamos todos os caminhos. Perseguiríamos todas as possibilidades ao mesmo tempo. Mas o mundo real funciona sob outra lógica.

A economia, como disciplina, parte exatamente desse princípio. Lionel Robbins, em sua definição clássica, afirmou que a economia é o estudo da alocação de meios escassos que têm usos alternativos. Essa é uma das frases mais simples e, ao mesmo tempo, mais profundas sobre por que a estratégia existe. Se os recursos são finitos e os desejos são infinitos, então será sempre necessário escolher como empregar esses recursos — e isso é, em essência, um exercício de estratégia.

Nos negócios, isso se revela o tempo todo. Uma empresa tem um determinado orçamento, uma capacidade limitada de execução, um time com competências específicas e uma quantidade finita de horas no dia. Não importa o tamanho da organização — os limites sempre existem. E dentro desses limites, surgem as decisões: investir mais em marketing ou em produto? Abrir uma nova frente ou consolidar a atual? Crescer por aquisição ou por expansão orgânica? Nenhuma dessas perguntas pode ser respondida com “sim para tudo”. E é aí que o pensamento estratégico se impõe.

A escassez é, portanto, a razão pela qual a estratégia não pode ser genérica. Toda escolha estratégica é, de alguma forma, uma escolha de alocação. De onde vamos colocar mais esforço, mais dinheiro, mais atenção. E isso exige que se observe, com lucidez, não apenas os recursos disponíveis internamente, mas também os recursos dos demais jogadores. Porque a escassez é relativa. Não se trata apenas de saber o que você tem, mas o quanto isso é suficiente diante do que os outros têm e do que o jogo exige.

Voltando ao exemplo da loja de bairro, agora sob outra lente: se o dono decide investir em entregas a domicílio, essa escolha inevitavelmente retira recursos de outra frente. Talvez ele atrase o novo site, ou reduza o investimento em estoque, ou deixe de contratar um funcionário adicional. Essa é a essência do pensamento estratégico: alocar recursos com consciência de que toda escolha implica uma renúncia.

A escassez, no fim das contas, é o que impede que tudo seja feito ao mesmo tempo. Mas mais do que isso, ela é o que obriga a pensar. Porque se não dá para fazer tudo, é preciso decidir o que fazer — e mais ainda, por que fazer aquilo e não outra coisa. Essa é a pergunta silenciosa que toda estratégia carrega: dado o que temos, e o que queremos conquistar, qual é a melhor forma de usar o que está à nossa disposição?

A tarefa: decisão

Se a escassez exige que os recursos sejam alocados com critério, então é inevitável que a estratégia se traduza, no fim das contas, em decisões. Estratégia é, essencialmente, sobre escolher. Essa é uma ideia simples na superfície, mas radical quando levada a sério. Porque escolher, em estratégia, não é apenas optar entre A ou B em uma planilha. É assumir um caminho, sabendo que ele deixará outros para trás. E mais do que isso: é destinar o melhor dos seus recursos a esse caminho escolhido — o tempo, a atenção, o orçamento, a energia política e emocional da organização.

Muitas vezes se fala em foco como algo desejável, quase como um traço de personalidade organizacional. Mas foco, em estratégia, não é um estado de espírito — é uma consequência direta de uma decisão clara. Quando a empresa decide que vai crescer priorizando um tipo de cliente, ou uma região, ou uma tecnologia, ela está automaticamente decidindo que vai abrir mão de outras possibilidades. Não porque elas sejam ruins, mas porque não dá para perseguir todas ao mesmo tempo com a mesma intensidade. E, principalmente, porque perseguir todas ao mesmo tempo dilui o impacto de qualquer uma delas.

Um erro comum em decisões estratégicas é a tentativa de preservar todas as alternativas. De manter “todas as portas abertas” por medo de renunciar. Mas, ao fazer isso, o que se constrói não é uma estratégia flexível — é uma ausência de escolha. E onde não há escolha real, não há direção clara. O resultado, muitas vezes, é uma organização que se movimenta muito, mas avança pouco. Que gasta recursos em múltiplas frentes, mas não se consolida em nenhuma.

Fazer uma escolha estratégica é apostar que determinado caminho tem mais potencial do que os outros para levar à vitória. Não é apenas uma decisão técnica — é uma declaração de intenção. De compromisso. De coerência. É o que faz com que todos dentro da organização saibam onde concentrar seus esforços e como julgar o que é prioridade e o que não é.

Por isso, mais importante do que a capacidade de planejar, é a capacidade de decidir. Porque o plano pode mudar, e vai mudar. Mas a clareza das escolhas feitas — e do que elas significam — é o que dá consistência à ação estratégica. Não se trata de escolher o caminho certo com base em certezas absolutas. Trata-se de escolher um caminho preferencial, com base em análise, convicção e responsabilidade. E de torná-lo o centro das decisões subsequentes, ainda que o mundo ao redor continue mudando.

A condição: incerteza

Toda decisão estratégica, por mais bem fundamentada que seja, é sempre uma aposta. No momento em que uma organização escolhe concentrar seus recursos em um caminho específico, ela está assumindo que esse caminho oferece mais chances de sucesso do que os demais. E está fazendo isso sem ter garantia nenhuma de que ele, de fato, levará ao resultado desejado.

É aí que se revela a tensão central do pensamento estratégico: decidir significa, inevitavelmente, apostar. Apostar que a leitura do contexto está correta. Apostar que a execução será capaz de entregar o que foi planejado. Apostar que os concorrentes não reagirão de forma mais rápida ou mais inteligente. Apostar que o cenário externo não vai mudar de forma abrupta. Tudo isso está fora do controle — mas, ainda assim, a decisão precisa ser tomada. O caminho precisa ser escolhido.

Essa aposta não é feita no escuro. A melhor forma de mitigar o risco de uma decisão estratégica é buscar evidências que tornem o cenário mais compreensível. Analisar dados, mapear comportamentos, interpretar sinais do ambiente, observar os movimentos dos concorrentes — tudo isso não elimina a incerteza, mas reduz o grau de desconhecimento. A estratégia, nesse sentido, é tão racional quanto criativa: ela se apoia na realidade para imaginar possibilidades.

É por isso que quem trabalha com estratégia precisa saber lidar com informação. Mas não qualquer informação — e não da mesma forma com que se usa para justificar decisões já tomadas. A informação em estratégia serve para construir hipóteses, testar alternativas, comparar caminhos. O estrategista não busca confirmar uma convicção pré-existente. Ele busca ampliar sua compreensão do jogo antes de fazer a aposta.

O risco continuará existindo. Mas ele será mais claro, mais calculado, mais monitorado. E isso muda a qualidade da escolha. Uma decisão tomada com base em evidências bem analisadas não é apenas mais defensável — ela é mais inteligente. Porque ela parte de uma leitura mais profunda da realidade, e não apenas de desejo ou intuição. A estratégia, nesse caso, vira um filtro: ajuda a distinguir o que é ruído e o que é sinal. E é a partir desse sinal que a aposta ganha força.

Quando entendemos que toda escolha estratégica é uma aposta, mudamos também a forma de medir o trabalho de estratégia. Não se trata de avaliar apenas os resultados, mas de observar a consistência do raciocínio que levou à decisão. Estratégia não é garantia de vitória. Mas é o que mais se aproxima disso em um mundo onde nada é garantido.


A maior parte do que chamamos de estratégia não se vê. Ela não está nos slogans, nem nas apresentações, nem nas metas ou campanhas. O que se vê são as ações — mas o que orienta essas ações, o raciocínio que conecta escolhas, recursos, contexto e intenção, permanece invisível. É por isso que a estratégia é, por natureza, uma construção oculta. E é por isso também que entender seus fundamentos é a única forma de reconhecê-la quando ela está presente — e de perceber sua ausência quando tudo parece estar em movimento, mas sem direção real.

Essa construção invisível começa com o reconhecimento da competição. Em qualquer cenário onde múltiplos agentes disputam resultados semelhantes, as escolhas deixam de ser neutras. Cada caminho tomado exclui outros. E cada movimento se torna um posicionamento em relação ao que os outros estão fazendo — ou deixarão de fazer. A estratégia passa a ser o modo como se tenta vencer um jogo onde nem todos podem ganhar.

A escassez dá forma a esse jogo. Se houvesse recursos ilimitados, bastaria fazer tudo. Mas o mundo não funciona assim. O tempo é limitado, o orçamento é limitado, a energia dos times é limitada. Estratégia é o nome que damos à escolha consciente de como empregar esses recursos finitos para maximizar a chance de vitória.

Essa escolha, por sua vez, exige decisão. Decidir não é listar possibilidades, é escolher uma direção. É concentrar esforços em um caminho e, por consequência, abandonar outros. A decisão estratégica é, por definição, uma decisão que aloca. Que foca. Que organiza a ação de forma coerente.

E nenhuma dessas decisões vem com garantias. Por mais rigoroso que seja o processo, toda escolha estratégica é também uma aposta. Uma aposta feita com base em evidências, análises e hipóteses — mas uma aposta, ainda assim. O futuro não oferece contratos. Ele oferece possibilidades. E estratégia é a arte de apostar com mais inteligência do que os demais.

Ao tornar mais claros esses fundamentos — competição, escassez, decisão e aposta — conseguimos começar a enxergar o que normalmente não aparece. A estratégia, afinal, não é o que se diz. É o que se pensa antes de fazer. E quanto mais invisível ela for, mais essencial se torna compreendê-la.

Inscreva-se nas nossas newsletters

Receba conteúdos sobre estratégia toda semana no seu email
Compartilhe a publicação

Outras coisas bacanas que a gente publicou ou leu e você também pode gostar

Assumindo a liderança como estrategista

Ver mais

Storytelling: Contando Histórias Fortes

Ver mais

Como Negociar com Efetividade

Ver mais

Migrando do Marketing para a Estratégia em agência

Ver mais

Procuram-se Gerentes de Estratégia

Ver mais

Pensando estrategicamente a carreira

Ver mais

Estratégia e o balanço invisível

Ver mais

Uma questão de recursos

Ver mais

O jogo que não se vê

Ver mais

Os fundamentos do pensamento estratégico

Ver mais

Por que estratégia é um conceito tão confuso?

Ver mais

Teoria dos jogos e pensamento estratégico [Parte #2]

Ver mais

ter
29
abr 2025

Masterclass: Smart Desking

com Bruno Alrieri, Gerente Sr de Planejamento Estratégico da...

seg
05
mai 2025

Live Recording: CX

Com Anny Atti, Carlos Borges, Matheus Noronha, Thais dos San...

ter
20
mai 2025

Masterclass: Decoding Drop Culture

com Leonardo Ribeiro, Gerente de Marca LATAM na Natura ...

seg
02
jun 2025

Live Recording: CRM

Com Anny Atti, Carlos Borges, Matheus Noronha, Thais dos San...

ter
17
jun 2025

Masterclass: Mandando Bem na Hora da Entrevista

com Rafael Prieto, Executive Strategy Director da David ...

seg
07
jul 2025

Live Recording: Future Proof ESG

com Carol Gentil, Chief Strategy Officer da Beyond Impact ...

ter
29
jul 2025

Masterclass: Gerenciamento Estratégico de Erros

com Lígia Paes de Barros, Head de Estratégia da The Juju Bra...

seg
11
ago 2025

Sprint: Augmented Strategy

com Daniel De Tomazo e Felipe Senise, fundadores da Sandbox ...

Assine nossas

Inscreva-se na nossa newsletter e receba novidades, conteúdos exclusivos e ofertas especiais direto no seu e-mail. Não perca nada!

Assine nossas

Inscreva-se na nossa newsletter e receba novidades, conteúdos exclusivos e ofertas especiais direto no seu e-mail. Não perca nada!

Preencha as informações para baixar o programa completo

Quero receber novidades