Resiliência é das coisas mais cobradas para profissionais e empresas nos dias de hoje. E ela é frequentemente exaltada como uma habilidade fundamental para enfrentar as adversidades da vida, mas sua verdadeira essência é muitas vezes mal compreendida. No senso comum, resiliência é vista simplesmente como a capacidade de suportar dificuldades e permanecer firme, quase como se fosse uma questão de resistência bruta. No entanto, essa visão simplista ignora a complexidade do processo envolvido.
A Associação Americana de Psicologia define resiliência de maneira mais abrangente como “o processo e o resultado de se adaptar com sucesso a experiências de vida difíceis ou desafiadoras, especialmente através da flexibilidade mental, emocional e comportamental e do ajuste às demandas externas e internas”. Essa definição revela que a resiliência não é apenas sobre suportar, mas sobre se adaptar e crescer diante das dificuldades.
Para entender plenamente o que significa resiliência, é essencial aprofundar no conceito de “adaptação bem-sucedida a experiências de vida difíceis ou desafiadoras”. Na prática, isso implica não apenas sobreviver aos desafios, mas também desenvolver novas habilidades, reforçar relacionamentos e encontrar novos propósitos ou significados nas situações adversas.
UM MODELO PARA ENTENDER RESILIÊNCIA
Vamos explorar essa ideia por meio do modelo científico proposto pelos pesquisadores Boyd, J., & Eckert, P. em publicação de 2002, que busca compreender esse fenômeno de maneira mais ampla e sistemática em diferentes perspectivas interligadas. Aqui vamos buscar mesclar as aplicações em pessoas e empresas para uma melhor compreensão.
Homeostase: O ponto de partida da resiliência é a homeostase, um estado de equilíbrio e estabilidade onde tudo funciona como deveria. Para um indivíduo, a homeostase pode ser exemplificada por uma boa saúde, um emprego estável e relações sociais satisfatórias. No contexto organizacional, representa um período de estabilidade e eficiência, com processos internos bem definidos, mercado consumidor estável e uma força de trabalho engajada. Este estado de conforto e funcionalidade é mantido por diversos fatores protetivos.
Fatores Protetivos: Os fatores protetivos são os elementos que preservam nosso estado de homeostase. No nível individual, esses fatores podem incluir boa saúde física, um forte suporte social, segurança financeira e um ambiente de trabalho saudável. Para uma empresa, esses fatores podem incluir diversificação de produtos e serviços, solidez financeira, uma cultura organizacional forte, redes de suprimentos confiáveis e tecnologia atualizada. Esses fatores atuam como barreiras que nos protegem das adversidades, ajudando a manter o estado de equilíbrio.
Disrupção: Quando fatores externos ultrapassam nossos fatores protetivos, ocorre uma disrupção. Para indivíduos, isso pode significar uma doença súbita, a perda de um emprego ou um desastre natural. No contexto empresarial, disrupções podem incluir crises econômicas, mudanças regulatórias, quebras na cadeia de suprimentos, concorrência agressiva ou desastres naturais. A disrupção quebra o estado de homeostase, levando a uma crise que sentimos como instabilidade e insegurança.
Resposta: Após a disrupção, a fase seguinte é a resposta, onde reagimos à crise. Para indivíduos, isso pode envolver buscar ajuda médica, apoio emocional ou desenvolver novas estratégias para enfrentar a situação. Para empresas, a resposta pode incluir revisão de processos, comunicação transparente, redução de custos e busca de assistência externa. A natureza da resposta varia amplamente dependendo da natureza da disrupção e dos recursos disponíveis.
Reintegração: Espera-se que depois de uma queda haja um processo de fazer o caminho de volta, de recuperação. E de acordo com o modelo de Boyd & Eckert, essa recuperação pode se desdobrar em quatro formas distintas, representando diferentes graus de retorno ao estado de homeostase.
Reintegração com Perdas: O indivíduo ou empresa se reintegra de forma muito pior do que estava antes da disrupção. As perdas são significativas e permanentes. Para um indivíduo, muitas vezes o caminho pode ser um comportamento disfuncional como o vício. Para uma empresa, um estado falimentar permanente.
Reintegração no Modo Sobrevivência: O indivíduo ou empresa retorna a um estado que, embora não tão bom quanto o original, é administrável. As perdas são presentes, mas não paralisantes.
Reintegração à Zona de Conforto: O indivíduo ou empresa consegue voltar completamente ao estado de homeostase anterior. A crise é superada sem deixar marcas permanentes significativas, mas também nenhum grande avanço ou evolução.
Reintegração Resiliente: O indivíduo ou empresa não só se recupera, mas também melhora seu estado anterior, adicionando novos fatores protetivos. Este, no fundo é o verdadeiro sentido de resiliência que trataremos mais adiante.
FLEXIBILIDADE, ADAPTABILIDADE E O CAMINHO PARA A RESILIÊNCIA
Flexibilidade e adaptabilidade são habilidades essenciais para responder de maneira eficaz e bem-sucedida a situações adversas, desempenhando um papel central na construção de uma recuperação resiliente. Em um mundo onde mudanças e desafios são inevitáveis, a capacidade de ajustar-se rapidamente e de forma eficiente às novas circunstâncias permite que os indivíduos não apenas sobrevivam, mas também prosperem em face das adversidades. A flexibilidade mental e emocional permite que uma pessoa altere sua perspectiva e encontre novas abordagens para problemas inesperados, enquanto a adaptabilidade comportamental facilita a adoção de novas estratégias e ações que são mais adequadas ao contexto emergente.
A flexibilidade, em particular, é crucial porque promove a capacidade de reavaliar e redirecionar pensamentos e emoções frente aos obstáculos. Quando enfrentamos situações difíceis, a resposta inicial pode ser de choque, medo ou confusão. No entanto, indivíduos flexíveis conseguem reestruturar essas emoções, encontrando maneiras de ver as situações de um ângulo diferente e mais positivo. Essa reavaliação permite o desenvolvimento de soluções inovadoras e estratégias de enfrentamento mais eficazes, ao invés de ficar paralisado pelas dificuldades.
A adaptabilidade, por sua vez, envolve a habilidade de modificar comportamentos e planos de ação à medida que as circunstâncias mudam. Em situações adversas, a rigidez pode levar ao fracasso, enquanto a adaptabilidade permite que uma pessoa ajuste suas ações e tome decisões informadas baseadas nas novas realidades. Isso pode incluir a aprendizagem de novas habilidades, a busca de apoio social, ou a reorganização de prioridades para enfrentar melhor os desafios.
Juntas, essas habilidades pavimentam o caminho para uma recuperação resiliente. Quando somos flexíveis e adaptáveis, estamos mais bem equipados para lidar com o estresse e a incerteza de maneira positiva e produtiva. Esse processo não só facilita a superação dos obstáculos imediatos, mas também fortalece nossa capacidade de lidar com futuros desafios. Em última análise, a combinação de flexibilidade e adaptabilidade permite que transformemos adversidades em oportunidades de crescimento, fortalecendo nossa resiliência e promovendo um ciclo contínuo de desenvolvimento pessoal e emocional.
RESILIÊNCIA COMO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Como já demonstramos, a ideia comum de que resiliência é apenas a habilidade de suportar situações adversas e se manter de pé implica uma visão estática da capacidade humana e organizacional. Neste paradigma, a resiliência é vista como uma fortaleza impenetrável que deve resistir a qualquer ataque. No entanto, essa abordagem ignora o potencial transformador que a adversidade pode trazer. Ao focar apenas na resistência passiva, deixamos de explorar como as crises podem ser catalisadores de crescimento e inovação.
A verdadeira resiliência é caracterizada pela recuperação resiliente, onde o indivíduo ou a organização não apenas retorna ao estado original de funcionamento, mas também ultrapassa essa condição, atingindo um novo nível de competência e preparação. Esse processo envolve a adição de novos fatores protetivos ao arsenal existente, tornando-se menos vulnerável a futuras disrupções. Em vez de simplesmente voltar ao ponto de partida, a recuperação resiliente implica em aprender com a experiência adversa e implementar mudanças que fortalecem a capacidade de enfrentar desafios futuros.
A aprendizagem é central ao processo de resiliência. Quando enfrentamos uma crise, somos forçados a reavaliar nossas estratégias, identificar nossas fraquezas e buscar novas soluções. Esse processo de reflexão e adaptação nos permite desenvolver habilidades e conhecimentos que não possuíamos antes da adversidade. A experiência adversa ensina novas estratégias e fortalece os fatores protetivos, criando uma base mais sólida para enfrentar futuras crises.
Por exemplo, uma pessoa que supera uma grave crise de saúde pode adotar hábitos de vida mais saudáveis, construir uma rede de apoio mais forte e aprender a valorizar mais a vida. De forma similar, uma empresa que passa por uma crise econômica pode reestruturar suas operações, diversificar seus produtos e fortalecer sua cultura organizacional, emergindo mais competitiva e adaptável.
A recuperação resiliente envolve a adição de fatores protetivos que aumentam a capacidade de lidar com futuras adversidades. Esses fatores podem incluir recursos materiais, como reservas financeiras, e imateriais, como habilidades de resolução de problemas, redes de suporte social e mecanismos de coping (enfrentamento) eficazes. Ao fortalecer esses aspectos, indivíduos e organizações se tornam mais robustos e menos suscetíveis a novas disrupções.
No contexto empresarial, isso pode significar investir em tecnologia avançada, diversificar as fontes de receita, melhorar a gestão de riscos e fomentar uma cultura de inovação e adaptabilidade. No nível individual, pode envolver o desenvolvimento de competências emocionais, como a inteligência emocional e a capacidade de gerenciar o estresse, bem como a construção de uma rede de apoio sólida.
APPLE COMO UM CASE DE RESILIÊNCIA
Um exemplo interessante dessa lógica de resiliência aplicada a empresas é a história da Apple, que passou por uma série de disrupções e crises ao longo de sua trajetória, mas conseguiu se recuperar e hoje – já há muitos anos – é das empresas mais valiosas do mundo.
Podemos que considerar que os anos 1980 para Apple era um estado de homeostase, com produtos muito bem sucedidos como como o Apple II e o Macintosh. Seus fatores protetivos incluíam inovação tecnológica, uma marca forte, uma base de clientes leais e uma cultura de design e usabilidade. No entanto, nos anos 1990, a Apple enfrentou disrupções significativas: mudanças na liderança, concorrência agressiva da Microsoft, produtos mal-sucedidos e problemas financeiros. Para responder a essa crise, a Apple tomou várias ações, incluindo a mudança de liderança com o retorno de Steve Jobs, reestruturação e alianças estratégicas.
Inicialmente, a empresa continuou a lutar financeiramente, mas com o lançamento do iMac em 1998, começou a recuperar sua base de clientes. Mas a primeira grande virada foi o lançamento do iPod em 2001, quando começou a revolucionar a indústria da música. E, claro, a grande virada de vez se deu em 2007 com o iPhone – e o iPad em 2010. Esses produtos não só restauraram a empresa à sua antiga glória, mas também a transformaram em uma potência indiscutível no mercado de tecnologia.
A resiliência, seja no contexto individual ou empresarial, é um processo complexo que envolve a interação entre fatores protetivos, disrupções, respostas e recuperações. A visão passiva da resiliência, onde ela é vista como algo que nos acontece em resposta às circunstâncias externas, nos ajuda a entender melhor como podemos sofrer e superar crises. A verdadeira resiliência se manifesta na recuperação resiliente, onde não apenas retornamos ao nosso estado anterior, mas também emergimos mais fortes e mais preparados para enfrentar futuros desafios. Este processo de aprendizagem e crescimento contínuo é o que realmente define a resiliência.