Ataques ganham jogos; defesas ganham campeonatos

O contexto atual de negócios é marcado por uma grande valorização dos movimentos rápidos e ofensivos. A expressão “move fast and break things” simboliza um pouco disso. E não deixa de fazer sentido — especialmente para startups ou mesmo grandes empresas diante de certos momentos de disrupção. Mas essa lógica acaba deixando em segundo plano outro valor importante: a defesa.

Se estratégia é, em essência, um pensamento competitivo, faz sentido que envolva tanto o ataque quanto a defesa. O problema é que, olhando o jogo curto, o ataque tende a parecer mais racional. Ele gera crescimento, atrai atenção e dá resultados visíveis. Já no jogo longo, a defesa passa a ter um papel determinante. Como se diz nos esportes, ataques ganham jogos, mas defesas ganham campeonatos.

Nos últimos anos, o pensamento de negócios passou a refletir muito mais a lógica das empresas jovens — organizações que nasceram em ambientes de capital abundante e ciclos curtos. O próprio subtítulo do livro Move Fast and Break Things ilustra bem isso: “How Facebook, Google, and Amazon Have Cornered Culture and What It Means For All Of Us”.

Em um contexto em que o ritmo dos negócios contemporâneos é definido por empresas que cresceram sob a pressão da urgência, atacar faz sentido: inovar constantemente, ganhar mercado e não parar de crescer aceleradamente.

O problema é que essa mentalidade de jogo rápido se espalhou como modelo universal. Mas quando observamos empresas com dez, doze ou quinze décadas de existência, outra dimensão se revela. A longevidade raramente vem apenas da capacidade de inovar; ela depende também da capacidade de resistir. Quando aplicada a organizações que precisam atravessar décadas — e não apenas fases de expansão —, ela revela suas limitações. O tempo longo exige outro tipo de preparo. Não basta avançar; é preciso garantir que o que foi construído resista aos ciclos de retração.

No fundo, a defesa é o que dá sustentação à ambição. Ela não se opõe ao avanço, apenas reconhece que nenhum ataque é contínuo. Toda organização enfrenta momentos em que o ambiente muda, o mercado fecha ou a confiança oscila. E nesses momentos, o que define quem permanece não é a intensidade do ataque anterior, mas a qualidade da estrutura que o sustenta.

As empresas que atravessaram períodos turbulentos — crises econômicas, guerras, transições tecnológicas — entenderam isso de forma prática. Sabiam reduzir exposição, proteger suas capacidades críticas e esperar o momento certo de voltar a agir. Essa combinação de prudência e preparo é o que mantém a continuidade. É o tipo de inteligência que tende a se perder quando a pressa vira regra.

É justamente sobre essa inteligência que este texto se debruça. A partir de duas reflexões publicadas na Harvard Business Review — “Strategy as Active Waiting”, de Donald Sull, e “Is This a Moment for Strategic Hibernation?”, de Christopher Marquis —, vamos olhar para duas posturas distintas, mas complementares, que ajudam empresas a enfrentar períodos de incerteza: a hibernação estratégica, quando a melhor forma de agir é recuar, e a espera ativa, quando o movimento continua, mas de forma mais contida e observadora. Ambas expressam o mesmo princípio: em um jogo longo, defender bem é parte essencial de continuar jogando.

O que significa jogar na defesa

Falar em defesa dentro de uma lógica de negócios pode soar contraintuitivo. Em geral, associamos estratégia a crescimento, inovação e conquista — palavras que descrevem movimento para frente. Mas defender-se também é agir. É escolher onde não avançar, o que preservar e quando recuar para garantir que a empresa continue jogando.

Na prática, jogar na defesa é proteger o que torna a organização viável enquanto o ambiente externo se torna instável. É preservar margens, competências, relacionamentos e credibilidade quando os ventos mudam. A defesa começa quando a empresa entende que o seu principal ativo, em certos momentos, não é a capacidade de acelerar, mas a de sustentar.

Por isso, mais do que uma reação, a defesa é uma inteligência diante da incerteza. Ela combina três elementos:

Primeiro, preservar o essencial, para que o núcleo da empresa sobreviva a choques externos. É uma forma de gestão da energia: reduzir exposição, priorizar o que mantém a empresa viva e adiar o que pode esperar. Muitas vezes, isso exige tomar decisões que parecem pequenas — cortar custos, pausar investimentos, simplificar operações —, mas que, em conjunto, funcionam como uma blindagem.

Segundo, ganhar tempo, para observar o ambiente e esperar a hora certa de agir. É um paradoxo que toda organização de longo prazo precisa entender: a defesa é o que torna o ataque possível. É ela que garante fôlego para investir quando a oportunidade aparece. Uma empresa sem reservas, sem reputação e sem estrutura dificilmente consegue aproveitar o momento em que o jogo vira a seu favor.

E, por fim, manter opções, para que o futuro não se feche antes de tempo. Manter caminhos abertos, evitar compromissos irreversíveis e permitir que a empresa mude de direção sem se destruir no processo. Em mercados instáveis, abrir mão de um movimento errado vale tanto quanto acertar um grande ataque.

Em seu artigo, Christopher Marquis cita o caso das cervejarias americanas durante a Lei Seca, na década de 1920. Das mais de 1.300 em operação, menos de 100 sobreviveram. As que resistiram — nomes como Anheuser-Busch, Coors e Miller — o fizeram porque encontraram formas de manter suas estruturas vivas sem depender do álcool. Produziram refrigerantes, extratos de malte e até sorvetes. Não estavam crescendo, mas estavam preservando capacidade industrial, distribuição e conhecimento técnico. Quando a proibição acabou, voltaram rapidamente ao mercado.

Algo semelhante aconteceu no setor de biotecnologia, citado por Marquis. No início dos anos 2000, o governo dos Estados Unidos restringiu o uso de verbas federais para pesquisas com células-tronco embrionárias. Para muitas empresas, isso significava interromper projetos estratégicos. As que sobreviveram não buscaram novos negócios, mas protegeram o que tinham de mais valioso — suas equipes, patentes e relacionamentos científicos. Mantiveram uma estrutura mínima, buscaram parcerias internacionais e esperaram. Quando as restrições caíram, estavam prontas para retomar a liderança.

Donald Sull, por sua vez, descreve como empresas em mercados voláteis prosperaram justamente por saber o que fazer nos períodos de calma. O caso da Brahma, no Brasil, é um exemplo claro. No final dos anos 1980, a cervejaria enfrentava um momento difícil, perdendo espaço para a Antarctica. Em vez de buscar uma grande virada imediata, concentrou esforços em melhorar o básico: eficiência operacional, distribuição e qualidade. Essa disciplina criou uma base sólida e um “caixa de guerra” que, anos depois, permitiu reagir rapidamente quando o governo estabilizou a economia com o Plano Real. O consumo de cerveja disparou, e a Brahma estava pronta para aproveitar o momento — algo que a rival não conseguiu.

Defender-se, portanto, não é o oposto de competir. É reconhecer que competir também significa sobreviver. Que há momentos em que o melhor movimento não é atacar mais forte, mas permanecer inteiro. Empresas que entendem isso costumam reagir melhor aos ciclos — porque, quando o jogo muda, ainda têm fôlego, estrutura e coerência para voltar a atacar.

É nesse sentido que a defesa se torna uma forma de inteligência. Não no sentido de prever o futuro, mas de atravessá-lo com o mínimo de dano possível. Ela se manifesta quando uma empresa sabe onde precisa estar forte para resistir — e tem clareza suficiente para saber quando a hora de atacar ainda não chegou.

Vamos entender melhor os dois tipos de posturas defensivas exploradas por Donald Sull e Christopher Marquis.

Hibernação estratégica

Segundo Marquis, a ideia de hibernar significa recuar para permanecer. É a escolha de reduzir exposição sem desmontar o que sustenta a empresa. Diferente de paralisar, é uma forma de continuar — só que em outro ritmo. A hibernação estratégica serve para preservar capacidades essenciais durante ciclos adversos, mantendo a estrutura viva e pronta para reagir quando o ambiente volta a ser favorável.

Ela surge, geralmente, quando forças políticas, culturais ou regulatórias tornam inviável operar em plena capacidade. Nesses momentos, muitas empresas buscam saídas extremas: algumas abandonam o mercado; outras desafiam abertamente o sistema; outras ainda se adaptam tanto que perdem a própria identidade. A hibernação oferece uma quarta via: preservar internamente, enquanto se expõe o mínimo possível.

Segundo o autor, a hibernação exige três tipos de inteligência: operacional, política e simbólica. A inteligência operacional diz respeito a preservar a infraestrutura mínima e os ativos críticos. Durante os anos 1980, por exemplo, bancos privados indianos enfrentaram um ambiente de forte regulação, com juros controlados e pouca margem para competir. Em vez de encerrar atividades, alguns mantiveram estruturas enxutas, conservaram equipes e investiram em serviços paralelos, como crédito habitacional e leasing. Quando a economia foi liberalizada nos anos 1990, esses bancos estavam prontos para escalar rapidamente. Sua sobrevivência não veio de ousadia, mas de prudência: eles não se expandiram, mas também não se desmobilizaram.

A segunda forma de inteligência é a política — a capacidade de ler o tempo e identificar quando a resistência é ideológica, e portanto passageira. Saber esperar o ciclo virar é tão importante quanto saber agir quando ele vira. Em mercados sensíveis, o erro não está apenas em se expor demais, mas também em subestimar a natureza temporária das restrições. O caso da Tencent, na China, ilustra esse equilíbrio. Diante do endurecimento regulatório do governo Xi Jinping, a empresa diminuiu sua visibilidade, alinhou sua comunicação às prioridades estatais e redirecionou investimentos para áreas de interesse público, como educação digital. Não abandonou seus planos — apenas os manteve em marcha lenta. Enquanto concorrentes mais desafiadores, como a Alibaba, perderam valor e protagonismo, a Tencent preservou relevância e reputação.

Por fim, há a inteligência simbólica, que consiste em ajustar o discurso sem trair os princípios. Em contextos polarizados, manter convicções pode exigir silêncio. É o que muitas empresas norte-americanas têm feito recentemente em relação à agenda de sustentabilidade e diversidade. Em vez de recuar nessas frentes, estão apenas mudando o tom: falam menos em “ESG” e mais em “eficiência”, trocam “diversidade” por “pertencimento”. Por trás da mudança de vocabulário, o trabalho continua — mais discreto, porém firme. É a tradução moderna da hibernação: seguir agindo por dentro, mesmo quando o ambiente externo desincentiva o protagonismo.

A lógica é sempre a mesma: conservar o núcleo, enquanto o entorno se reorganiza. Exige disciplina para distinguir o que pode ser desligado do que precisa permanecer ativo. E exige leitura política e sensibilidade de tempo: saber quando a pausa é prudência e quando já virou inércia.

Empresas que dominam essa habilidade podem atravessar períodos adversos comprometendo menos possível o futuro. Quando o ciclo vira, não precisam recomeçar — apenas despertar.

Espera Ativa

A espera ativa é a segunda forma de inteligência defensiva — diferente da hibernação, que busca reduzir o ritmo para atravessar o inverno, ela descreve o que fazer enquanto o tempo está nublado, mas o jogo continua. É uma estratégia voltada para contextos de incerteza, em que o futuro é difícil de prever e agir sem clareza pode custar caro. Donald Sull usa a expressão para definir empresas que se mantêm em movimento — observando, testando, ajustando — enquanto aguardam o surgimento de oportunidades reais. É uma espera dinâmica: a empresa não acelera, mas também não para; mantém-se em posição de ataque, com o corpo firme e os olhos abertos.

O ponto de partida da espera ativa é o reconhecimento de que o futuro é imprevisível. Em mercados voláteis, não há visibilidade suficiente para planejar a longo prazo com precisão. A resposta, portanto, não é tentar adivinhar o que vai acontecer, mas criar as condições para reagir rapidamente quando algo acontece. É o contrário da paralisia — trata-se de transformar a incerteza em aprendizado contínuo. Enquanto muitos executivos tentam desenhar planos detalhados para um horizonte que não conseguem enxergar, os que esperam ativamente preferem manter o rumo flexível e o radar ligado.

Essa abordagem se apoia em três princípios centrais. O primeiro é o de visão ampla e prioridades claras. Sull argumenta que, em ambientes imprevisíveis, ter um plano detalhado pode ser perigoso, porque prende a empresa a um caminho que talvez deixe de fazer sentido em pouco tempo. Em vez de uma rota rígida, o que se precisa é de uma direção geral — um norte — e de poucas prioridades inegociáveis. Lou Gerstner fez isso ao assumir a IBM nos anos 1990: recusou-se a prometer metas grandiosas e preferiu concentrar a empresa em cinco prioridades básicas, entre elas a volta à lucratividade e o foco em clientes corporativos. Essa clareza operacional deu à IBM a flexibilidade necessária para se reorganizar e, depois, se reinventar.

O segundo pilar é o da exploração contínua. Esperar ativamente significa manter o radar ligado e aprender com o que o mercado devolve. É uma forma de reconhecimento estratégico: sondar novas possibilidades, testar hipóteses e observar o comportamento de clientes e concorrentes. Empresas como a Haier, na China, cultivaram essa prática de forma exemplar. Durante décadas de reformas econômicas e abertura de mercado, a fabricante de eletrodomésticos alternou ciclos de consolidação com momentos de observação ativa. Quando percebeu um movimento crescente de consumo doméstico, antecipou-se, adquirindo rivais e diversificando produtos. Não apostou tudo num grande plano; avançou de forma incremental, guiada pela leitura de sinais.

O terceiro princípio é o da preparação disciplinada. Quem espera ativamente não pode se desmobilizar. A empresa precisa manter a operação enxuta, a execução afiada e um “caixa de guerra” pronto para usar quando a oportunidade surgir. Foi assim que a Embraer atravessou o início dos anos 2000. Enquanto rivais como Bombardier e Fairchild Dornier se endividavam para lançar novos modelos, a fabricante brasileira manteve uma política conservadora: acumulou caixa, reduziu dívidas e transferiu parte dos custos de desenvolvimento para parceiros. Quando vieram os choques do 11 de Setembro e da crise no setor aéreo, as concorrentes sucumbiram — e a Embraer resistiu. Sua força veio não de prever o futuro, mas de estar pronta para qualquer um.

A espera ativa, portanto, é uma estratégia de movimento paciente. Ela substitui o impulso de apostar tudo por uma disciplina de estar preparado. Empresas que operam assim observam mais, experimentam em escala reduzida, ajustam o curso com frequência e guardam energia para agir quando o cenário clareia. É uma inteligência que combina humildade — reconhecer que o futuro não se controla — com prontidão — manter-se capaz de agir quando ele finalmente se revela.

No fundo, a espera ativa é a forma de defesa mais próxima do ataque. É estar em campo, atento, sem se precipitar. Um tipo de defesa que não se limita a resistir, mas que se posiciona para atacar melhor quando o jogo muda.


No fim das contas, a defesa é uma forma de sabedoria. Num mundo em que a velocidade se tornou um valor absoluto, resistir à pressa é quase um ato de rebeldia. O jogo curto recompensa o brilho momentâneo, mas o jogo longo recompensa a consistência — e é nele que as empresas constroem legado. A hibernação estratégica e a espera ativa mostram duas faces dessa inteligência: uma que sabe quando recuar e outra que sabe quando conter o ímpeto. Ambas partem da mesma consciência — de que nem todo movimento é progresso, e de que o tempo pode ser usado a favor, não apenas suportado.

Em última instância, defender bem é garantir que a empresa permaneça viva o bastante para continuar aprendendo. É atravessar as crises sem perder o essencial. É preservar as condições para poder atacar de novo, quando o campo se abrir. Num jogo que nunca termina, essa talvez seja a virtude mais estratégica de todas: saber durar.

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