Fato desse texto: seres humanos não são naturalmente programados para olhar para as evidências, cercar-se delas e tomar boas decisões. Isso pode parecer um pouco severo, mas a verdade é que, em geral, nós tendemos a tomar decisões da forma mais rápida possível, evitando o gasto de energia na hora de tirar alguma conclusão. Então, na maioria das vezes, as evidências estão na nossa cara, mas decidimos não ver.
Em parte, isso tem a ver com o viés de confirmação, que, em resumo, é um viés cognitivo que nos faz confirmar o que já achamos e nos faz olhar de forma enviesada para aquilo que já queremos acreditar. Geralmente, quando pesquisamos sobre um assunto, mesmo nos deparando com bons argumentos, tendemos a seguir da pesquisa mais convictos da nossa opinião inicial de quando entramos. Isso porque desconstruir nossa opinião exige muita energia.
Porém, isso pode trazer muitos problemas na hora de tomar decisões estratégicas em relação a um negócio ou empresa. Por isso, precisamos encontrar formas de controlar o ímpeto das primeiras impressões e não apenas olharmos para as evidências que reafirmam algo em que já acreditamos.
Ou melhor, separar o que é opinião do que é informação. Porque, no final das contas, as evidências é que levarão você no caminho correto para investir os recursos do seu negócio e atingir o seu objetivo. Ao longo deste artigo, falaremos um pouco mais sobre a forma como nosso cérebro funciona e toma decisões, e apresentaremos uma nova forma de pensar a tomada de decisão e a criação de estratégias dentro de qualquer área do mercado. Então, vamos adiante.
Rápido e devagar: como nosso cérebro realmente funciona
Em 2002, Daniel Kahneman recebeu o Prêmio de Ciências Econômicas. O que tornou isso incomum é que Kahneman é, na verdade, um psicólogo. Mais especificamente, ele fez parte de uma dupla de psicólogos que, a partir do início dos anos 1970, se propôs a desmantelar o processo de tomada de decisão realizado por economistas.
Em seu livro, ele resume as três fases que percorreu em sua carreira. Na primeira, ele e seu parceiro fizeram uma série de experimentos que revelaram cerca de vinte “vieses cognitivos”, que também podemos chamar de erros inconscientes de raciocínio, que distorcem nosso julgamento do mundo. Um deles é o “efeito de ancoragem”, ou nossa tendência a ser influenciados por números irrelevantes aos quais já estamos expostos.
Já na segunda fase, Kahneman demonstrou como as pessoas tomam decisões sob condições incertas, e geralmente não se comportam da maneira que os modelos econômicos tradicionalmente presumem. Os dois psicólogos então desenvolveram uma abordagem alternativa da tomada de decisão, mais fiel à psicologia humana, que eles chamaram de “teoria da perspectiva”, e que rendeu a Kahneman o Nobel.
Por fim, na terceira fase de sua carreira, principalmente após a morte de Tversky, Kahneman mergulhou na “psicologia hedônica”, ou a ciência da felicidade, que percorria sua natureza e suas causas. Mas… o que tudo isso tem a ver com a tomada de decisão baseada em evidências?
Bem, apesar de nossa crença de sermos, na maior parte do tempo, apropriados em nossos julgamentos, o trabalho de Kahneman “desafiou” a ideia ortodoxa entre os cientistas sociais na década de 1970, de que as pessoas são geralmente racionais. Isso porque ele e seu parceiro descobriram erros sistemáticos no pensamento de pessoas normais, em geral decorrentes não dos efeitos corruptores da emoção, mas embutidos em nosso mecanismo cognitivo evoluído. Vejamos um pouco mais sobre essas descobertas.
Sistema 1 e 2: o proativo desastroso e o necessário preguiçoso
Durante seu trabalho, Kahneman dividiu o cérebro humano no que chamou de Sistema 1 e Sistema 2. O Sistema 2 seria uma forma lenta, deliberada, analítica e conscientemente esforçada de raciocinar sobre o mundo. O Sistema 1, em contrapartida, seria nosso modo rápido, automático, intuitivo e amplamente inconsciente. Assim, é o Sistema 1 que detecta hostilidade em uma voz, por exemplo, ou completa sem esforço frases já conhecidas. Já o Sistema 2 entra em ação quando temos que preencher um formulário de imposto ou estacionar um carro em um espaço estreito.
De maneira mais geral, o Sistema 1 usa a associação e metáfora para produzir um esboço rápido e nebuloso da realidade, que o Sistema 2 utiliza para chegar a crenças explícitas e escolhas racionais. Então, se o Sistema 1 propõe, e o Sistema 2 elimina, ele parece ser o dominante, certo? Em princípio, sim, mas o Sistema 2, apesar de ser mais racional, também é preguiçoso e se cansa facilmente.
Ou seja, com muita frequência, em vez de desacelerar as coisas e analisá-las, o Sistema 2 se contenta em aceitar a história fácil, mas não confiável, sobre o mundo que o Sistema 1 o alimenta. Enquanto o Sistema 1 chega a uma conclusão intuitiva com base em uma maneira fácil, mas imperfeita, de responder a perguntas difíceis, o Sistema 2 preguiçosamente endossa essa resposta sem se preocupar em examinar se ela realmente faz sentido.
Dessa forma, no momento da tomada de decisão, é essencial que saibamos nos basear no melhor conhecimento, ou melhor, aquilo que realmente funciona. Mas, se para você isso soa óbvio – afinal, o que além de evidências deveria orientar nossas decisões – pense de novo.
Atualmente, mesmo com a existência de pesquisas, nem sempre elas são decisivas dentro das organizações para a tomada de decisão. De fato, são constantemente ignoradas.
Alguns estudos recentes comprovam que a maior parte das decisões tomadas em empresas e organizações não são, ao contrário do que seria esperado, baseadas em evidências, mas sim em conhecimentos populares, tradições e dogmas já estabelecidos e padrões adquiridos com a experiência.
O problema disso tudo é que, por mais que um gestor possa acreditar tomar todas as suas decisões baseadas em evidências, isso em geral não é verdade. A seguir, vamos entender o porquê disso.
Tomada de decisão com base em evidências: o que estamos fazendo de errado?
Então, se estamos presumindo que as empresas não estão tomando decisões com base em evidências, de quem seria a culpa? Em primeiro momento, poderíamos dizer que dos profissionais que estão à frente desses processos, julgando-os estúpidos ou preguiçosos. Porém, a verdade é que, na maioria das vezes, essas pessoas rejeitam a busca por novas evidências apenas porque confiam mais em sua própria experiência do que em pesquisas. E isso tem uma relação muito forte com o nosso próprio sistema cognitivo, como já exploramos anteriormente.
Então, por que os gestores colocam suas empresas em apuros importando, sem reflexão suficiente, práticas de gestão e medição de desempenho de suas experiências anteriores? Por que muitos profissionais tomam decisões baseadas em seus pontos fortes e decidem pelos caminhos em que possuem mais experiência e habilidade? Por que na maior parte das vezes escolhemos o conforto no lugar do confronto com o novo?
No livro “Playing to Win: How Strategy Really Works”, escrito por Ag Lafley e Roger L. Martin, os autores discutem sobre o poder das evidências dentro de uma estratégia de negócios, e como a missão de um gestor deveria ser não encontrar a verdade, mas o que precisa ser verdade para determinada possibilidade funcionar.
De acordo com os autores, atualmente a maior parte das empresas fazem uso de um sistema de tomada de decisões falho, que funciona no modelo “aprovação para cima e ordens para baixo”. Dessa forma, o profissional estuda sobre muitas coisas, desenvolve as opções vendáveis, encontra as maneiras de torná-las viáveis, apresenta aos gestores e, finalmente, as leva para o restante da equipe. Porém, esse tipo de análise, segundo o autor, tendem a ser muito amplas, e geralmente superficiais, além de desencorajar a criatividade.
“Encontre o que é necessário para ser verdadeiro”
Com isso, os autores recomendam uma engenharia reversa, com mais opções e profundidade de análise. O objetivo é partir de duas ou mais escolhas, e aprofundar sua pesquisa sobre cada uma delas. Além disso, como já mencionamos, é preciso trabalhar sempre com evidências, ou em busca das condições necessárias para que tal caminho se torne o melhor possível.
Em uma analogia, ao invés de uma pesquisa percorrer um quilômetro com um centímetro de profundidade, é mais preferível contar com um centímetro de extensão, mas um quilômetro de profundidade. Então, os autores sugerem um novo modelo, que segue os seguintes passos:
-
Enquadre a escolha: transforme o problema em pelo menos duas possíveis soluções excludentes.
-
Gere possibilidades: amplie sua lista de opções para assegurar uma variedade abrangente de possibilidades. Crie caminhos mais específicos, mais concretos e mais coerentes dentro de cada lado.
-
Especifique as condições: entenda o que é necessário para que cada uma das opções seja boa e verdadeira, ou seja, o que precisa ser verdade para que essa opção funcione na prática.
-
Identifique barreiras: determine quais condições são as menos prováveis de acontecer, ou seja, quais são as barreiras que as impedem de serem viáveis.
-
Desenhe os testes: para cada barreira-chave, pense em um teste considerado válido por todos (aqui, o teste vai depender da natureza do seu negócio, podendo ser realizado a partir de cálculos financeiros, para concluir se a sua hipótese pode ser realizada, por exemplo).
-
Conduza os testes: comece com as barreiras em que você tem menos confiança, e vá descartando todas as que se mostrarem inviáveis.
-
Faça a escolha: no fim, o próprio resultado desse método deve definir a sua escolha, que já estará totalmente clara para você, uma vez que foi extremamente analisada desde o início do processo.
A partir desse novo método, a ideia é tornar a abstração mais concreta e levar todas as possibilidades para a mesa, para que seja possível encontrar, novamente, não o que é verdadeiro, mas o que é necessário para tornar aquilo verdade.
Dessa forma, a especificidade da pesquisa favorece também sua profundidade, e não apenas o gestor, mas o grupo deve determinar em conjunto o que é válido ou não. Ou seja, a análise é feita em cima somente do que importa, e é ela que, no final, vai determinar a melhor decisão a ser tomada.
Então, não esqueça: sempre olhe para as evidências, examine a lógica de cada uma de suas opções e nunca deixe de se perguntar: “o que é necessário para que isso seja verdade?”. Certamente, seguindo o passo da engenharia reversa apresentado neste texto, seu processo de tomada de decisão se tornará muito mais eficiente, profundo e bem-sucedido.
Por fim, se uma boa estratégia precisa da curiosidade, a curiosidade precisa da pesquisa. E conhecer seus fundamentos, aprendendo como se produz conhecimento, faz toda a diferença.
Para auxiliar você nesse caminho, a Sandbox oferece o cursos para desenvolver seu Pensamento Estratégico ou para te equipar a olhar melhor para as evidências com técnicas de Consumer Insights. Entre no site e conheça nossos cursos.