A massa e o enxame: as transformações da sociedade digital

 
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Byung-Chul Han é um filósofo sul-coreano erradicado na Alemanha. Foi professor da Universidade de Berlin e é particularmente interessado em como a sociedade se comporta na perspectiva das transformações sociais.

Um dos seus livros, de 2017, é chamado “No Enxame”, que ele faz uma metáfora muito interessante sobre como a forma de comportamento em grupo nos ambientes digitais se equivale a um enxame e como isso é fruto de uma visão de mundo que não é mais possível fora da vivência social digital em que estamos inseridos.

Separamos aqui 3 aspectos que nos chamaram atenção como características de uma sociedade mediada pelo digital.

DILUICAO DA FRONTEIRA PUBLICO X PRIVADO

Han parte da premissa que na sociedade do digital tudo é muito mais exposto. Como se fosse algo natural, vamos dizendo para todo mundo o que estamos fazendo, tirando fotos de situações, pessoas, momentos etc. E tudo isso enfraquece muito a fronteira entre o público e o privado.

O autor faz uma comparação interessante entre os conceitos de “respectare” e “espectare”. Respeito pressupõe entender a distância natural entre você e o outro. E o espetáculo desfaz essa distância, já que ele serve ao propósito invasivo e entrar em uma realidade de maneira vouyerística e “consumí-la”, sem distância, sem respeito.

Na sua visão, é isso que o digital proporciona hoje. Estamos constantemente consumindo o outro como um espetáculo, com distâncias cada vez mais encurtadas entre o lado íntimo e público que todos nós temos. Roland Barthes dizia que a esfera privada é aquela em que não somos imagens ou objetos. E isso o digital permite cada vez menos: tudo é imagem na medida em que é exposto na prateleira das redes.

Outro aspecto dessa falta de respeito, no sentido do distanciamento encurtado, é a possibilidade do anonimato. Afinal, todo o reconhecimento na nossa sociedade é nominal. Nos relacionamos, confiamos e reagimos a nomes. Quando no digital você pode falar o que quiser para quem com a sua identificação primordial protegida, a noção de distância cai ainda mais e permite um comportamento verbalmente violento. É nesse contexto que surgem fenômenos de indignação coletiva como os “shitstorms”.

Até porque, o digital também favorece uma descarga mais instantânea de afetos do que qualquer outro meio de comunicação sempre proporcionou. As reações são imediatas e apaixonadas, sem o tempo necessário para que o afeto se apazigue antes de virar ação.

DESCONSTRUCÃO DAS FORMAS DE PODER

Além de mexer com o público e privado, toda essa mediação dos meios digitais afeta absolutamente a nossa relação com o poder.

Afinal, o poder sempre foi uma via de mão única, verticalmente imposta de quem manda para quem obedece. Os próprios meios de comunicação analógicos também trabalhavam nessa perspectiva de uma comunicação tradicional e unidirecional, do emissor para o receptor e sem um feedback. Ela nunca foi dialógica, apesar de seus poucos esforços de promover interatividade em algumas circunstâncias.

No digital isso muda muito. Porque todos somos ao mesmo tempo emissores e receptores, produtores e consumidores de conteúdo. Não há o que diferencie o remetente do destinatário

Em essência, a palavra proveniente da hierarquia provoca silêncio. E é nesse espaço de silencio que a ação do poder se manifesta. Mas o digital provoca um ruído constante em que o poder se esvazia e se enfraquece.

O poder, assim como o respeito, precisa de distância. E o digital acaba sistematicamente com isso. Então as noções de obediência, de ação em concordância, sem questionamento, as imitações a exemplos de poder, tudo isso se enfraquece muito nesse novo contexto.

NOVAS NOÇÕES DE INDIVIDUALIDADE E COLETIVIDADE

Um terceiro aspecto que é bastante interessante pela sua contradição intrínseca é a provocação que Han faz sobre o quanto a mediação pelo digital está promovendo coletividade e individualidade e como isso tem funcionado hoje.

E aqui ele faz uma comparação entre dois conceitos: a massa e o enxame.

A noção de massa foi surgindo no século XIX, com efeitos da segunda revolução industrial e todas as suas consequências sociais. Segundo o teórico Gustave Le Bom, o conceito de soberania de um indivíduo ou de um estado vai ruindo, dando espaço para a voz do povo. O surgimento dos sindicatos é um exemplo claro disso.

E as massas vão sendo caracterizadas como um corpo único e uniforme, com um propósito homogêneo, uma “alma” que as guia na direção da sua vontade, que ataca a relação de poder existente. A massa marcha unida em direção ao seu desejo.

Para isso, o ser da massa tem a sua individualidade reduzida. A massa é como um aglomerado de “ninguéns”, sem perfil próprio ou identificação. Ele não é nem considerado um anônimo, porque para isso precisaria ser um “alguém” que escolhe proteger a identidade. Mas o ser da massa não tem essa característica. Ele é um pedaço de um corpo maior.

Hoje, na perspectiva digital, a noção de massa já faz muito menos sentido na maneira de pensar de Han. Para ele, as pessoas se comportam muito menos como uma massa e muito mais como um enxame.

Afinal, no digital, não há uma unidade de voz. Há múltiplas vozes nessa relação simétrica entre remetente e destinatário. As pessoas no ambiente digital não têm uma alma comum que as faça marchar para um lugar específico.

Até porque, diferentemente do ser da massa, o ser do enxame é singularizado. Ainda que possa agir anonimamente, ele tem um perfil, que busca nutrir o tempo todo e chamar atenção para ele com seu desempenho social.

Por isso, as pessoas têm agendas próprias, descentralizadas, sem a preocupação de agir com uma coerência coletiva. Eles não formam um “nós” integrado como a massa. Então essa coletividade acaba sendo muito menos uma voz e muito mais um barulho comunicativo.

Nesse sentido, o caráter efêmero desse barulho não consegue produzir uma energia política mobilizadora, produtora de ações concretas. Os shitstorms, por exemplo, envergonham e humilham representantes individuais do poder, mas não tem a força para questionar o sistema de poder como um todo.

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