Recentemente a Bloomberg fez uma matéria estilo perfil com uma empresa japonesa chamada Disco Corp. A empresa aumentou 10 pontos percentuais na sua margem em 8 anos, o que fez com que suas ações quadruplicassem de valor no período, passando a valer expressivos 5 bilhões de dólares no mercado. Para melhorar, a média dos salários da empresa é o dobro da média japonesa e a Disco ganhou do governo japonês a sua versão do prêmio “best workplaces”.
Bom, mas, de fato, não é nada disso que interessa na Disco. Pelo menos pra gente aqui. O que interessa mesmo é o seu modelo de gestão absolutamente heterodoxo [pra dizer o mínimo], criado pelo fundador Hiroyuki Suzuki e pelo CEO Toshio Naito.
Não é simples de explicar de forma curta, mas a ideia central foi transformar a empresa em um mercado, em que cada um dos funcionários é uma empresa em si, com um produto específico para vender [sua força de trabalho para desempenhar determinadas atividades] e para comprar [suas necessidades para conseguir fazer, vender e distribuir os frutos de seu trabalho]. Para isso funcionar, a Disco criou uma moeda própria, chamada Will, que é convertida em Yens a cada trimestre.
Então, por exemplo, quando alguém do setor comercial faz uma venda, ele recebe uma quantidade X de Wills. E ele precisa comprar do setor de produção aquilo que precisará ser entregue para isso. E a produção precisará desses Wills para pagar seus fornecedores e assim por diante.
Mas isso vale também para as pessoas. Se você é líder de um projeto e precisa de uma habilidade específica para desenvolvê-lo, você compra horas e tarefas das pessoas da empresa para isso. E isso vai ainda mais longe, valendo para o uso dos recursos da própria empresa. Se você quiser usar uma sala, por exemplo, precisa pagar uns Wills pela reserva.
A essa altura do campeonato você já deve estar pensando que essa é a maior maluquice que já existiu. E parece ser mesmo. Se não fosse o sucesso descrito no primeiro parágrafo, nós também acharíamos. Mas para além do inusitado, é realmente uma façanha conduzir um experimento dessa natureza com 5000 pessoas e ter sucesso.
A parte de todas as críticas e reflexões sobre o impacto individual e social que um modelo desse pode causar, preferimos aqui os concentrar no que de positivo podemos aprender com essa empreitada da Disco. E aqui listamos 5 delas, que chamam mais atenção.
1. Entender o que é de fato necessário
No dia a dia de uma empresa, fazemos reunião a rodo, com mais gente do que precisa, por mais tempo do que deveria, com assuntos que nem mereciam tanta energia. E gastamos toda sorte de recursos de maneira praticamente inconsciente, porque aparentemente eles estão lá para serem usados, como é normal se imaginar.
Mas quando você passa a ter um custo tangível para o uso de determinado recurso, isso eleva seu nível de consciência para entender a necessidade real daquilo. Você passa a ter esse momento de reflexão e julgamento do uso do seu tempo, do tempo dos outros, do patrimônio da empresa, de tudo. Você pode querer que o próprio Suzuki participe da sua reunião e ouça sua ideia. Mas vai ter que pagar caro por isso. Então é bom fazer quando valer muito a pena.
2. Autonomia
Uma das coisas mais contemporâneas no trabalho é a noção de que o funcionário precisa ter autonomia para julgar como usar seus recursos e habilidades para cumprir aquilo que lhe foi atribuído na sua função. Se bem feito, isso aumenta permite a todos alcançar o máximo de seu potencial e contribuição para a empresa. Um sistema como esse da Disco leva isso às últimas consequências.
Porque você vira praticamente gestor de uma pequena empresa, que está todo tempo atrás de maximizar suas receitas e minimizar seus custos, como toda a empresa. Então você precisa tomar as suas decisões e não ter a quem culpar, pelo sucesso ou pelo fracasso. E está com tudo que precisa nas mãos para fazer isso.
3. Empreendedorismo
Como fruto dessa autonomia, há um estímulo muito grande ao empreendedorismo. A Disco faz constantemente um processo em que qualquer funcionário pode criar um projeto e apresenta-lo para a empresa. Os funcionários podem querer investir nessa ideia, colocando seus próprios recursos, porque entendem que isso será bom para a empresa [e para elas] de alguma forma.
Então, você não ganha Wills apenas nas suas funções padrão, mas sim podendo inventar qualquer coisa de valor para a empresa que receberá recompensa para isso. Mas só vai pra frente se for bom mesmo, porque depende realmente de investimento monetário pessoal dos seus colegas para a coisa andar. É o empreendedorismo na sua forma mais pura: criatividade, inovação, proposta de valor, aceitação do mercado etc.
4. Mensuração total
Em um sistema em que tudo é de alguma forma transacional, o efeito imediato é que tudo seja mensurado. Não há como ter um sistema justo de pagamentos e recebimentos se tudo não for muito bem documentado e registrado. E isso gera um asset de informação e gestão do conhecimento absurdo para a empresa.
Pense no exemplo das reuniões. Provavelmente, pouquíssimas empresas têm noção exata e metrificado do uso da sua estrutura para essa finalidade de reunião. A Disco sabe exatamente. E consegue atribuir valor a isso. E agir sobre isso, o que faz toda diferença prática nas decisões de investimento.
5. Valor subjetivo
A última história que a matéria conta é que um desses projetos que foram apresentados para a empresa e recebeu o investimento de gente suficiente para ir para frente foi a colocação de um outdoor no estádio de baseball da cidade onde fica a cede da empresa. 400 funcionários colocaram, juntos, U$140,000 dos seus Wills nisso.
A efetividade disso para a empresa é questionável, mas para eles, valia o investimento pelo orgulho de ver a sua empresa estampada em um lugar de destaque social naquele local. E isso nos ensina muito sobre o valor das coisas.
Não necessariamente tudo em uma empresa deve ser avaliado pelo seu valor objetivo, em termos de retorno de investimento. Há um valor subjetivo em determinadas coisas que precisa ser levado em conta em qualquer decisão. E a ação pode ser feita, em detrimento à sua eficiência primordial, atendendo um outro tipo de objetivo mais simbólico. No fundo, somos seres humanos e essas coisas importam.
No fundo, todos os aprendizados que podem ser positivos têm a ver com o efeito gerado pelo aumento da consciência geral sobre o valor das coisas. O valor do trabalho, dos recursos, das ideias, da objetividade, da subjetividade. Claro que a criação da moeda e a lógica econômica deixam tudo isso muito mais evidente na prática. Mas mesmo que a gente não vá implementar um sistema doido desse nas nossas empresas, a provocação que fica dessa experiência é que tipo de mecanismos podem ser criados para que todos em uma organização tenham mais consciência sobre o valor das coisas? Fica a relfexão.