Precisa mesmo ter storytelling em tudo?

O uso indiscriminado do storytelling no mundo empresarial frequentemente gera questionamentos sobre sua eficácia em todas as situações. Enquanto muitos defendem a ideia de que cada aspecto do ambiente corporativo deve ser envolto em narrativas cativantes, há mérito em questionar se essa abordagem é, de fato, a mais eficiente em todas as circunstâncias.

No curso de Storytelling da Sandbox mostramos como a narrativa, por definição, envolve a criação de histórias que conectam eventos, personagens e propósitos. No entanto, é plausível argumentar que nem todos os aspectos da comunicação empresarial demandam tal estrutura. Em alguns casos, uma abordagem mais direta pode ser não apenas suficiente, mas até mais eficaz. Vamos dar um exemplo exagerado, caricatural, mas que ajuda a entender o que estamos querendo dizer.

Imagine um diretor de RH uma empresa, conhecido por seu entusiasmo pelo storytelling, decidiu realizar uma reunião de equipe para anunciar uma mudança nas políticas de reembolso de despesas. Em vez de apresentar os novos procedimentos diretamente, ele começou a reunião com uma narrativa elaborada sobre um viajante intrépido que enfrentou desafios extraordinários durante uma jornada de negócios. Detalhou cada obstáculo como se fosse uma epopeia, com personagens secundários e reviravoltas dramáticas.

Conforme a história se desenrolava, obviamente os funcionários na sala começaram a ficar impacientes e desconfortáveis. Muitos olhavam para os relógios, enquanto outros trocavam olhares de perplexidade. Ao final da história, quando o diretor finalmente revelou as mudanças nas políticas de reembolso, a conexão emocional que ele esperava criar foi substituída por uma sensação de frustração e confusão. A narrativa, que poderia ter sido concisa, transformou-se em uma longa saga que não acrescentava valor à mensagem principal.

Essa anedota destaca como o storytelling, quando utilizado desnecessariamente, pode ser inadequado. Em situações em que a clareza e a eficiência são essenciais, uma abordagem direta muitas vezes supera a necessidade de criar uma narrativa elaborada.

QUANDO USAR

O storytelling, enquanto ferramenta de comunicação, atinge sua plenitude quando o objetivo é ampliar a força e o significado da mensagem transmitida. Em contextos nos quais a conexão emocional e a compreensão profunda são cruciais, o storytelling se torna um veículo poderoso para envolver e cativar a audiência.

Quando o emissor da mensagem se depara com a necessidade de comunicar ideias complexas, valores profundos ou conceitos abstratos, o storytelling emerge como uma maneira eficaz de dar vida a esses elementos. Ao invés de simplesmente apresentar fatos ou dados isolados, a narrativa cria um contexto envolvente que permite que a audiência mergulhe na experiência proposta.

Vejamos um exemplo prático para ilustrar essa ideia:

Imagine um CEO que está prestes a apresentar uma nova estratégia para a empresa. Se ele optar por uma abordagem puramente factual, listando metas e números, a mensagem pode cair em ouvidos indiferentes. No entanto, se o CEO incorporar elementos de storytelling, pintando uma visão clara do futuro desejado da empresa, com desafios superados e sucessos conquistados ao longo do caminho, a narrativa ganhará vida.

Aqui, o storytelling não é apenas uma ferramenta para organizar informações, mas um meio de criar um impacto emocional duradouro. A audiência se torna mais do que meros espectadores; eles se tornam participantes da jornada, compartilhando os triunfos e desafios da empresa. O significado da mensagem transcende os números e se enraíza na experiência compartilhada.

O storytelling também se destaca ao comunicar valores e missão. Se uma organização busca transmitir não apenas o que faz, mas por que faz, uma narrativa cuidadosamente construída pode dar vida a esses princípios fundamentais. Ao contar histórias que exemplificam os valores da empresa em ação, os colaboradores e stakeholders são mais propensos a se conectar emocionalmente com a missão da organização.

Além disso, em situações de mudança ou desafio, o storytelling pode ser um farol orientador. Ao compartilhar histórias de superação, resiliência e adaptação, o emissor da mensagem não apenas informa, mas inspira. As narrativas de experiências passadas demonstram que, mesmo em momentos difíceis, é possível encontrar caminhos para o sucesso.

Nesse sentido, o storytelling atinge seu ápice de utilidade quando a mensagem não é apenas sobre fatos e números, mas sobre a essência subjacente que impulsiona esses elementos. É uma ferramenta que transforma dados em significados, convertendo informações em experiências compartilhadas. Quando o emissor busca ampliar a força do significado por trás da mensagem, o storytelling surge como uma abordagem não apenas útil, mas essencial.

QUANDO NÃO USAR

Se por um lado o storytelling é uma ferramenta poderosa para organizar e comunicar informações complexas, dando-lhes significado e contexto, essa abordagem nem sempre é necessária. Como em muitos aspectos da vida, o excesso de qualquer coisa pode ser prejudicial. Quando se trata de comunicação direta, clara e concisa, o storytelling em excesso pode se revelar inadequado e ineficiente.

Um exemplo claro dessa inadequação ocorre ao comunicar dados técnicos complexos. Em ambientes profissionais, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia e engenharia, a clareza na transmissão de informações é crucial. Em uma situação em que um engenheiro precisa compartilhar especificações detalhadas sobre um novo produto, por exemplo, o excesso de storytelling pode obscurecer os pontos-chave, dificultando a compreensão precisa e rápida.

Outra instância em que o storytelling excessivo pode ser ineficiente é durante situações de crise que exigem respostas rápidas. Imagine um gerente de emergência coordenando a resposta a um desastre natural. Nesse cenário, a clareza nas instruções e na disseminação de informações é vital para garantir a segurança pública. Um excesso de narrativa pode resultar em confusão e atrasar a tomada de decisões cruciais.

Ambientes técnicos ou profissionais também demandam comunicações eficientes e diretas. Em uma reunião de negócios, por exemplo, a apresentação de relatórios financeiros requer uma abordagem objetiva e concisa. O uso excessivo de histórias pode desviar a atenção dos números essenciais, prejudicando a eficácia da comunicação e comprometendo a tomada de decisões informadas.

Treinamentos operacionais representam outro cenário onde a eficiência é prioritária. Em ambientes militares, por exemplo, instruções claras e diretas são cruciais para garantir a segurança e o sucesso das operações. Um excesso de storytelling pode confundir os soldados e comprometer a execução precisa de procedimentos.

Além disso, ao comunicar mudanças em políticas internas ou procedimentos, uma abordagem mais direta e transparente é preferível. Colaboradores desejam entender claramente como essas mudanças afetarão seu trabalho diário, e uma narrativa excessivamente elaborada pode gerar ambiguidades, levando a interpretações equivocadas e resistência à mudança.

Fora a questão mais objetiva de transmitir a informação com clareza, o excesso de storytelling, quando mal encaixado, pode gerar ruídos na comunicação, resultando em estranheza, aparentando ser forçado e, eventualmente, levando as pessoas a perderem o interesse no que está sendo dito. A capacidade de contar histórias eficazes reside na habilidade de conectá-las organicamente ao contexto e aos objetivos da comunicação.

Um storytelling inadequado pode parecer forçado quando é inserido de maneira abrupta ou deslocada. Imagine uma apresentação de vendas em que o vendedor, ao invés de destacar os benefícios diretos do produto, decide começar com uma história pessoal completamente desconectada. Esse desalinhamento pode causar estranheza e fazer com que os ouvintes se questionem sobre a relevância da narrativa em relação ao conteúdo principal.

Além disso, a força de uma história reside na autenticidade e na capacidade de se conectar emocionalmente com o público. Se uma história parece artificial, elaborada apenas para impressionar ou manipular sentimentos, ela pode gerar desconfiança e afastar a audiência. A sensação de que o storytelling está sendo usado de maneira manipulativa pode levar as pessoas a perderem o interesse e a questionarem a sinceridade do comunicador.

A estranheza causada por um storytelling mal encaixado também pode resultar da falta de coerência com a natureza da mensagem ou do público-alvo. Em um ambiente corporativo, por exemplo, uma história excessivamente dramática ou emocional pode parecer fora de lugar e inadequada para a audiência profissional. Isso pode criar uma desconexão entre o conteúdo da história e as expectativas do público, levando a uma perda de interesse e engajamento.

Além disso, a repetição constante de storytelling, especialmente se não estiver alinhada com o contexto ou se tornar previsível, pode levar à saturação. Quando as pessoas percebem que cada comunicação é acompanhada por uma história elaborada, independentemente da relevância, elas podem começar a ignorar ou a perder o interesse, pois a novidade e o impacto emocional inicial diminuem.


Em suma, a adoção do storytelling no contexto empresarial não é uma abordagem universalmente eficaz. Enquanto o storytelling brilha ao transmitir mensagens que demandam conexão emocional, compreensão profunda e a transmissão de valores e missão, há situações em que sua utilização é inadequada e até contraproducente. Em ambientes técnicos, momentos de crise, comunicações diretas e treinamentos operacionais, a clareza e eficiência muitas vezes superam a necessidade de uma narrativa elaborada. O excesso de storytelling, quando mal encaixado, pode gerar ruídos na comunicação, resultando em estranheza, perda de interesse e até desconfiança por parte da audiência. Portanto, a chave está em discernir sabiamente quando incorporar o storytelling, garantindo que sua aplicação esteja alinhada com os objetivos e natureza da mensagem, evitando assim seu uso desnecessário ou contraproducente.