Sorte e estratégia: dá match?

 

Sorte é um conceito que desperta curiosidade e especulação há milênios, presente desde narrativas históricas até discussões filosóficas modernas sobre sua natureza e impacto em nossas vidas. O papel da sorte, especialmente no contexto do sucesso nos negócios, é complexo e multifacetado, levantando questões sobre controle, valor, significância e perspectiva.

Definir sorte não é uma tarefa simples. Ela frequentemente é vista como um fenômeno místico e inexplicável, uma força que parece moldar eventos de formas que desafiam a explicação lógica ou a intervenção direta. Nos negócios, por exemplo, a sorte pode ser a diferença entre um empreendimento fracassado e outro bem-sucedido, influenciando decisões como a localização de uma pequena empresa ou a sobrevivência de uma corporação durante crises macroeconômicas.

Um dos modelos para entender a sorte foi proposto por Nicholas Rescher, que sugere uma fórmula matemática onde a sorte (λ) de um evento (E) é determinada pela diferença que o evento faz para os interesses em jogo (∆), ajustada pela improbabilidade de sua ocorrência (pr(E)). Esta fórmula é refinada para incluir o grau de controle (con(E)) que um indivíduo tem sobre o evento, destacando que a sorte é mais pronunciada quando há uma combinação de alto valor, baixa probabilidade e pouco controle.

Filosoficamente, a sorte é analisada através de conceitos como “moral luck” e “epistemic luck”, que exploram como eventos além do nosso controle podem ter consequências éticas ou epistemológicas significativas. O princípio de controle, central na discussão filosófica sobre a sorte, sugere que eventos totalmente fora do nosso controle são frequentemente rotulados como sorte, enquanto que eventos nos quais temos alguma influência são menos propensos a serem vistos dessa forma.

A complexidade do conceito de sorte é capturada na citação de Ralph Waldo Emerson: “Homens superficiais acreditam em sorte. Homens fortes acreditam em causa e efeito”. Esta frase ressalta uma visão cética sobre a sorte, sugerindo que o sucesso e o fracasso são resultados diretos de ações e não de circunstâncias aleatórias. No entanto, essa visão pode ser desafiadora ao considerarmos eventos como ganhar na loteria, que são claramente aleatórios e significativos para os envolvidos, mas onde o controle individual é praticamente inexistente.

   

SORTE, JOGOS E ESTRATÉGIA

Em um mundo ideal para estrategistas, cada decisão levaria a um resultado previsível e controlável. No entanto, tanto nos jogos quanto nos negócios, a presença inegável da sorte adiciona uma camada de incerteza que não pode ser completamente dominada pela lógica ou pela estratégia.

Em jogos como o poker, a sorte determina as cartas que um jogador recebe, mas é a estratégia que decide como essas cartas são jogadas. Da mesma forma, no xadrez, apesar de ser um jogo de pura habilidade estratégica, o fator sorte pode emergir na forma de um oponente fazendo uma jogada inesperadamente fraca, que abre caminho para um ataque decisivo. Esses momentos refletem a realidade dos negócios, onde líderes devem responder a mercados que mudam rapidamente devido a fatores além de seu controle, como mudanças políticas, sociais ou tecnológicas.

Considere a trajetória de uma startup tecnológica que lança um produto inovador. A estratégia está no desenvolvimento de um produto que atenda a uma necessidade do mercado, na escolha do timing de lançamento e no investimento em marketing. No entanto, a sorte entra em cena quando, por coincidência, uma grande empresa anuncia a necessidade de uma solução como a que a startup oferece, exatamente quando o produto chega ao mercado. Este alinhamento fortuito pode catapultar uma pequena empresa para o sucesso overnight.

Ou pense na indústria farmacêutica. Empresas passam anos desenvolvendo e testando novos medicamentos, uma estratégia que envolve imensos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, aprovações regulatórias e campanhas de marketing. No entanto, a descoberta de um medicamento que se torna um best-seller pode muitas vezes depender de circunstâncias fortuitas, como um estudo inesperado que revela benefícios adicionais do medicamento, aumentando exponencialmente seu mercado potencial.

A verdadeira habilidade em negócios, assim como nos jogos, não reside apenas em planejar, mas também em adaptar-se rapidamente. Empresas que sobrevivem e prosperam são aquelas que conseguem ajustar suas estratégias em resposta a eventos inesperados. Por exemplo, muitas empresas tiveram que se reinventar rapidamente durante a crise do COVID-19, mudando para operações digitais ou adaptando seus produtos e serviços para atender às novas demandas do mercado.

Nesse sentido, embora a estratégia estabeleça o campo de jogo e direcione os esforços, a sorte muitas vezes decide o jogo. Nos negócios, como nos jogos, não se pode simplesmente planejar para o sucesso; deve-se também estar preparado para aproveitar as oportunidades inesperadas e lidar com reviravoltas imprevistas. A mestria verdadeira, tanto no tabuleiro quanto no mercado, vem da capacidade de navegar com sucesso pelo planejado e pelo imprevisto, o que requer uma visão aguçada e uma mente flexível.

   

POR QUE NÃO DAMOS CRÉDITO À SORTE?

No mundo dos negócios, frequentemente celebramos a visão, a inovação e o planejamento meticuloso como os pilares do sucesso empresarial. E o papel da sorte é frequentemente subestimado ou ignorado nas discussões acadêmicas e profissionais, apesar de claramente poder ser um fator crucial na performance organizacional.

Uma das razões fundamentais para a resistência em aceitar a sorte como componente de sucesso é a ilusão de controle. As pessoas preferem acreditar que têm controle sobre os resultados de suas vidas e carreiras. Esse viés é reforçado no ambiente corporativo, onde a capacidade de controlar e gerenciar é frequentemente vista como um indicativo de competência e eficácia. Admitir que a sorte desempenhou um papel pode parecer uma confissão de impotência ou uma desvalorização das habilidades pessoais e profissionais.

Culturalmente, valorizamos histórias de sucesso atribuídas ao mérito individual. Desde cedo, somos ensinados que o trabalho duro e a persistência são as chaves para alcançar nossos objetivos. Aceitar que a sorte pode ser responsável por algumas de nossas conquistas desafia essa narrativa e pode impactar a autoestima e a autoimagem. Isso é particularmente verdadeiro em sociedades que valorizam o individualismo e a meritocracia, onde admitir a influência da sorte pode ser visto como um sinal de fraqueza ou falta de habilidade.

A necessidade humana por causalidade e previsibilidade também contribui para a resistência em aceitar a sorte como fator de sucesso. O ambiente acadêmico e profissional frequentemente ignora ou minimiza a sorte como uma variável significativa, preferindo modelos que possam ser explicados através de relações de causa e efeito que sugiram previsibilidade e controle. Este viés é reforçado pela pressão para produzir resultados consistentes e previsíveis, essenciais para planejamento e estratégia organizacionais.

Existe também um estigma associado à sorte que pode ser percebido como falta de seriedade ou rigor. No ambiente de negócios e na pesquisa acadêmica, estratégias e decisões baseadas na sorte podem ser vistas como menos válidas ou respeitáveis do que aquelas baseadas em análise rigorosa e dados concretos. Isso pode levar profissionais e acadêmicos a subestimar ou ignorar a sorte como um componente legítimo de análise.

No artigo “The Role of Luck in the Strategy-Performance Relationship” de John Alan Parnell e Eric B. Dent, embora o foco principal seja discutir teoricamente a influência da sorte na performance organizacional, os autores propõem um experimento exploratório para investigar como gestores percebem o papel da sorte na performance das suas organizações.

O experimento envolveu uma amostra de 219 gestores matriculados em uma escola de negócios no sudoeste dos EUA. A pesquisa perguntou aos gestores para avaliar o desempenho geral de suas empresas em relação aos seus concorrentes mais próximos e estimar a porcentagem de desempenho geral atribuída a vários fatores, incluindo controles de custo, diferenciação de produto ou serviço, foco em nicho, outros fatores estratégicos e sorte. A sorte foi definida na pesquisa como “fatores geralmente desconhecidos ou imprevisíveis”.

A primeira hipótese testada foi que a percepção do papel desempenhado pela sorte na performance geral seria inversamente relacionada a essa performance. Os resultados mostraram uma associação significativa: a sorte era mais frequentemente atribuída como causa de desempenho pobre do que de desempenho superior. Isso sugere que os gestores tendem a atribuir a sorte negativamente quando o desempenho é abaixo do esperado.

A segunda hipótese era que gestores com formação mais quantitativa (como finanças e operações) seriam menos propensos a atribuir a sorte do que aqueles com formação mais qualitativa (como marketing e gestão geral). Os resultados confirmaram essa hipótese, indicando que a formação acadêmica pode influenciar como os gestores percebem a influência da sorte em seu desempenho.

A terceira hipótese testada foi que a percepção do papel da sorte seria inversamente relacionada ao nível de gestão do respondente. Surpreendentemente, os resultados foram opostos ao esperado: a percepção da influência da sorte realmente aumentou com o nível de gestão. Isso pode indicar que gestores mais altos, ao enfrentarem a complexidade das operações em grande escala, podem reconhecer mais a influência de fatores fora de seu controle.

As conclusões do estudo indicam que a percepção da sorte como um fator na performance organizacional é complexa e varia significativamente de acordo com o contexto pessoal e profissional do gestor. Os resultados apontam para uma necessidade de considerar a sorte e outros fatores imprevisíveis no planejamento e na estratégia organizacional. Além disso, sugerem que uma maior aceitação da influência da sorte pode proporcionar uma compreensão mais profunda e realista dos desafios de gestão.

Esse entendimento pode ser útil para os gestores ao formular estratégias que sejam resilientes e adaptáveis em face da incerteza. Por fim, o reconhecimento da sorte no desempenho organizacional também pode ajudar a mitigar o estresse e a pressão sobre os gestores para sempre alcançarem resultados previsíveis e controláveis, ajustando expectativas para mais alinhadas com a realidade imprevisível dos negócios.

   

UMA FORCINHA PARA A SORTE

A sorte é frequentemente percebida como um fenômeno misterioso e caprichoso, onde o sucesso ou o fracasso nos é entregue por caprichos do acaso, fora do nosso controle. No entanto, Paul J.H. Schoemaker, em suas extensas pesquisas e experiências pessoais como fundador de empresas e consultor, propõe uma perspectiva intrigante que ele chama de “Smart Luck” (Sorte Inteligente). Segundo Schoemaker, embora a sorte tradicional (ou “dumb luck”) envolva eventos totalmente fora do nosso controle, a sorte inteligente é algo que podemos cultivar ativamente através de estratégias específicas e um mindset preparado.

Smart Luck não se baseia na ideia de simplesmente esperar que coisas boas aconteçam; é sobre criar um ambiente e adotar comportamentos que maximizem a probabilidade de ocorrerem eventos favoráveis. Este conceito sugere que, enquanto não podemos controlar o acaso, podemos influenciar significativamente a frequência e o impacto dos eventos fortuitos através de nossa preparação e ações. Em suma, a sorte inteligente é a interseção entre preparação, percepção e ação.

Ao entender e implementar os princípios de Smart Luck, indivíduos e organizações podem não apenas aumentar suas chances de sucesso, mas também transformar potencialmente o infortúnio em oportunidade. A seguir, exploraremos oito princípios fundamentais que podem ajudar qualquer pessoa a cultivar a sorte inteligente em sua vida e carreira. No fundo, acima de tudo, são boas práticas para qualquer trabalho de estratégia.

Posicione-se Melhor: Reflita e realinhe onde você está e onde deseja estar, pessoal e profissionalmente. Sua posição atual pode estar limitando suas oportunidades de encontrar “sorte”. Mudanças de mindset e de ambiente podem abrir novas portas e quebrar velhas barreiras que impedem seu progresso.

Melhore a Visão Periférica: Desenvolva a habilidade de observar oportunidades que não são imediatamente óbvias. Expandir seu campo de visão pode revelar chances que frequentemente passam despercebidas por estar focado demais em uma direção única.

Tome Riscos Calculados: A sorte favorece os corajosos que estão dispostos a sair da zona de conforto e arriscar conscientemente. Avaliar os riscos e decidir quando e onde tomar esses riscos pode ser a chave para desbloquear oportunidades inesperadas.

Adote uma Visão de Portfólio: Gerencie seus riscos como se fossem investimentos em um portfólio. Diversificar suas apostas e entender como elas interagem pode reduzir a vulnerabilidade e aumentar suas chances de sucesso a longo prazo.

Mais Tentativas, Mais Gols: Como em qualquer jogo, quanto mais você tenta, maior a chance de acertar. Aplicar esforços consistentes em várias frentes pode aumentar significativamente suas chances de sucesso, seguindo o princípio de que a quantidade frequentemente leva a resultados de qualidade.

Construa Redes Mais Amplas: Uma rede extensa e diversificada pode abrir portas e criar oportunidades através de conexões inesperadas. A interação constante e o envolvimento em diferentes grupos aumentam a probabilidade de sorte através do contato humano.

Vença Seus Medos: Desenvolver resiliência enfrentando e superando medos cria uma base sólida para o sucesso. A experiência adquirida ao lidar com adversidades prepara você para aproveitar oportunidades que outros podem evitar por medo do risco.

Faça Sua Própria Sorte: A última chave é criar ativamente sua própria sorte através de uma estratégia clara e uma execução disciplinada. Defina objetivos realistas e trabalhe metódica e pacientemente para alcançá-los, ajustando sua abordagem conforme necessário para maximizar os resultados positivos.

Cada um desses princípios não apenas aumenta a probabilidade de você encontrar a “sorte”, mas também melhora sua capacidade de capitalizar sobre ela quando ela aparece. Ao praticar esses conceitos, você transforma a incerteza em uma série de oportunidades bem gerenciadas, movendo-se de um mero destinatário da sorte para um arquiteto do seu próprio destino.