Repensando o MVP

No mundo empresarial atual, a busca incessante pela satisfação do cliente é uma prioridade absoluta. Com a ascensão da era digital, a experiência do cliente se tornou uma moeda inestimável, capaz de moldar o sucesso ou o fracasso de qualquer empreendimento.

E, no cerne desse desafio, surge existe o paradoxo do MVP (Mínimo Produto Viável). Se por um lado é fundamental gerar valor rapidamente e colocar um produto na rua para começar a aprender com ele, por outro, com as crescentes demandas do consumidor por experiências “perfeitas”, o conceito tradicional de MVP enfrenta desafios significativos que precisam ser cuidadosamente reavaliados.

 

A importância da experiência do cliente sem fricção

Para entender melhor esse paradoxo, é crucial compreender como anda a demanda dos clientes por experiências excelentes.

Em 2020, durante a pandemia de COVID-19, as interações virtuais se tornaram cruciais, elevando a importância das experiências digitais para os consumidores. Pesquisas indicam que 84% dos clientes consideram a experiência proporcionada por uma empresa tão relevante quanto seus produtos e serviços.

Uma experiência livre de atritos se concentra em eliminar obstáculos no percurso do cliente. Uma pesquisa da Gartner revela que 96% dos clientes enfrentando alta fricção estão propensos a se tornarem desleais e a comprar menos no futuro. Por outro lado, estudos da IBM mostram que experiências positivas compartilhadas por clientes nas redes sociais têm mais impacto na reputação da marca do que publicidade paga.

Clientes satisfeitos compartilham suas experiências, fazem indicações e estão dispostos a pagar mais por um bom atendimento. Empresas que oferecem atendimento sem atritos podem cobrar até 16% a mais por produtos e serviços.

Outros dados revelam que 14% dos clientes consideram deixar uma empresa se tiverem que esperar muito tempo no telefone, enquanto 13% têm zero tolerância para esperar. Além disso, inconsistências nas informações fornecidas por diferentes representantes afetam negativamente a experiência do cliente. Isso sem falar no impacto direto na geração de receita, sendo que, ainda de acordo com as pesquisas, 43% dos consumidores declaram que pagariam mais por conveniência, e 42% pagariam por uma experiência amigável. De acordo com o Temkin Group, empresas que faturam US$ 1 bilhão anualmente podem esperar ganhar um adicional de US$ 700 milhões dentro de três anos de investimento na experiência do cliente. Mesmo para empresas de menor porte, o investimento na experiência do cliente pode resultar em aumentos significativos na receita.

Por tudo isso, investir em um processo de integração eficiente pode evitar compras futuras reduzidas e feedback negativo. E eliminar a repetição de informações para os clientes e oferecer suporte personalizado pode reduzir a fricção, melhorando a satisfação e fidelidade do cliente.

 

Se precisa ser excelente, como fica o MVP?

O MVP, como originalmente concebido, tem sido amplamente influenciado pelo livro “The Lean Startup” de Eric Ries. O MVP é definido como “a versão de um novo produto que permite que uma equipe colete a quantidade máxima de aprendizado validado sobre os clientes com o mínimo de esforço”. O termo ganhou notoriedade e é frequentemente representado pela imagem de Henrik Kniberg, um coach ágil e lean, que ilustra a evolução de um produto de um skate a um carro esportivo.

No entanto, o problema central é que muitas equipes adotam a abordagem do MVP sem o conhecimento e a experiência necessários para implementá-la eficazmente. O MVP é frequentemente mal interpretado como a criação de um produto mínimo, quando na verdade, não se trata de minimalismo em si. Além disso, o que é considerado “mínimo” e “máximo” varia amplamente de acordo com o contexto e os objetivos.

O MVP é, em essência, uma abordagem orientada por hipóteses. Então, em vez de considerar o MVP como um produto acabado, é mais apropriado vê-lo como um exercício de aprendizado. Cada iteração do MVP é uma oportunidade para validar ou refutar hipóteses sobre o mercado, os clientes e o produto.

E é por isso que uma armadilha comum em relação ao MVP é a entrega precipitada. Muitas equipes acreditam erroneamente que um MVP pode ser um produto semelhante a um esboço, cheio de falhas e limitações. Isso não é um MVP, é uma versão inadequada e prematura do produto, que vai sofrer na avaliação da experiência do cliente.

Nesse sentido, é fundamental reimaginar o MVP em um mundo onde os clientes não toleram experiências com fricção. Em vez de focar apenas no “mínimo”, é mais produtivo pensar em termos de um “produto testável mais cedo”, um “produto utilizável mais cedo” e, finalmente, um “produto adorável mais cedo”. Essas etapas comunicam claramente os objetivos de cada iteração do produto e promovem um entendimento compartilhado dentro da equipe.

 

Os desafios de CX das AIs generativas

Para ilustrar essa questão, talvez o melhor e mais recente exemplo seja a infinidade de soluções de AI generativa que temos acompanhado. Elas tendem a jogar nossa expectativa lá no alto, mas a verdade é que nem sempre funcionam conforme o esperado.

Por exemplo, a recente tentativa da Amazon de remodelar a assistente de voz Alexa, incorporando uma IA semelhante ao ChatGPT, resultou em falhas notáveis. A assistente Alexa não conseguiu fornecer informações precisas sobre museus em Washington, D.C., recomendando um museu em outra parte do país. Além disso, ela não conseguiu responder corretamente a perguntas sobre a fumaça de incêndios em San Francisco. A Google também enfrentou problemas semelhantes ao atualizar seu concorrente ChatGPT, chamado Bard, que inventou e sugeriu e-mails fictícios e irrelevantes.

Essas situações ilustram a importância de as empresas definirem adequadamente as expectativas dos clientes em relação às suas iniciativas de IA. Embora as tecnologias de IA sejam experimentos em constante evolução, seria de bom tom que as empresas não exagerassem nas promessas. Se uma empresa afirma que sua IA pode resumir e-mails, ela não deve criar mensagens fictícias. Se uma empresa promete que sua IA tornará as pessoas mais produtivas, ela não deve ser um “bisbilhoteiro” invasivo que distrai os usuários com informações irrelevantes.

Em um mundo onde a experiência do cliente é o fator decisivo, a noção tradicional de um MVP “mínimo” precisa ser reavaliada. Em vez de entregar produtos precoces e de baixa qualidade, as equipes de desenvolvimento devem adotar uma abordagem de aprendizado constante. O MVP não deve ser encarado como uma versão “mínima”, mas como um meio de validar hipóteses e melhorar continuamente a experiência do cliente. O futuro do MVP reside na busca pela perfeição e na entrega de valor aos clientes, sem fricção ou falhas.

 

Como fazer melhores MVPs nesse contexto?

O já citado Henrik Kniberg traz uma reflexão interessante sobre a noção de MVP, questionando menos a ideia em si e mais a escolha de palavras do termo. Para começar, ele sugere substituir a palavra “Mínimo” por “Mais Cedo”. Afinal, o objetivo central de um MVP é obter feedback mais cedo, e, ao entregar um produto que é mínimo em vez de completo, aceleramos esse ciclo de feedback. A maioria dos clientes não está interessada em um produto “mínimo”, mas eles desejam um “mais cedo”.

Por outro lado, o termo “Viável” no MVP é um tanto vago, pois pode ser interpretado de maneira diferente por diferentes partes interessadas. O que uma pessoa considera “viável”, outra pode perceber como “inutilizável”. Para superar essa ambiguidade, sugerimos desmembrar “viável” em três categorias distintas:

Earliest Testable Product: Pense nisso como a primeira versão que os clientes podem interagir. Embora possa não atender completamente às suas necessidades, gera feedback valioso. Essa versão enfatiza explicitamente que o principal objetivo é a aprendizagem, com qualquer valor real para o cliente sendo considerado um bônus. Embora uma etapa ainda mais inicial, como “Earliest Feedbackable Product” pudesse ser considerada – normalmente, essa fase envolve protótipos em papel ou métodos equivalentes usados para coletar feedback inicial

Earliest Usable Product: aqui temos a primeira versão que os primeiros adotantes usarão de boa vontade. Pode não estar totalmente polida ou ideal, mas ainda melhora a situação do usuário em comparação com antes.

Earliest Lovable Product: Imagine isso como uma motocicleta – a primeira versão que os clientes adoram, recomendam a outras pessoas e estão dispostos a pagar. Há espaço para melhorias, e o produto final pode ser um conversível, um avião ou algo totalmente diferente, mas você atingiu o estágio em que possui um produto verdadeiramente comercializável.

Uma outra questão que pode ajudar muito a ideia de MVP a atender mais as expectativas dos clientes é a concepção de um design baseado em dados. Essa ideia gira em torno de como o MVP trata de testar hipóteses para validar se um produto resolve efetivamente um problema do usuário.

Considere um cenário em que você está projetando um site focado em conteúdo gerado pelo usuário e na construção de uma comunidade, como modelos de brainstorming. A métrica principal que você se preocupa é a de Usuários Ativos Mensais (UAM), pois o envolvimento do usuário é fundamental para o sucesso da comunidade. Nesse sentido, uma hipótese poderia ser descrita mais ou menos assim:

“Os usuários têm dificuldade em encontrar modelos que possam ser usados para reuniões de trabalho, muitas vezes resultando na criação de modelos próprios ou na busca na Internet. Ao criar uma conta em nosso site, eles podem fazer download, personalizar e começar a usar os modelos imediatamente. Consideraremos este MVP um sucesso quando nossos usuários ativos mensais aumentarem em 15%.”

Ter essa hipótese em mente garante que suas equipes de Produto e Engenharia tomem decisões alinhadas com o valor que você pretende fornecer aos usuários. Por exemplo, se a equipe de Produto sugerir a necessidade de registro imediato e espera por um link de confirmação por e-mail antes de usar um modelo, você pode defender o acesso imediato ao modelo como parte do valor que seu produto oferece. Da mesma forma, se a Engenharia afirmar que os usuários não podem salvar vários modelos, você pode trabalhar para garantir que eles possam pelo menos salvar e usar rapidamente um modelo.

A incorporação de um design baseado em dados no desenvolvimento do MVP garante que o valor do usuário permaneça como a principal prioridade e que as decisões relacionadas ao MVP estejam alinhadas com esse objetivo.

Para os designers, é fácil se perder nos detalhes de um projeto e perder de vista a imagem geral, especialmente ao lidar com conceitos complexos como o MVP. No entanto, um princípio fundamental que os designers devem sempre ter em mente é que os produtos que eles criam devem proporcionar valor aos usuários. Caso contrário, você pode acabar resolvendo problemas que não existem de fato.

Embora seja desafiador antecipar o valor exato que um produto trará aos usuários durante a fase de design, ter uma hipótese bem definida por meio do Design Baseado em Dados Informados permite que você meça continuamente as decisões tomadas pela equipe em relação ao valor que você pretende fornecer aos usuários.

Essa abordagem garante que o que é valioso para os usuários permaneça claro e inalterado durante o desenvolvimento do MVP. Mesmo que ajustes sejam necessários para o MVP, essas mudanças sempre devem apoiar o usuário e a intenção de design do produto.

 
 

No atual cenário empresarial, a busca incansável pela satisfação do cliente é inquestionável, e a era digital acentuou a importância da experiência do cliente. Diante dessa realidade, é imperativo repensar o MVP como um veículo de aprendizado e constante melhoria, priorizando a busca por um “produto testável mais cedo”, “produto utilizável mais cedo” e, por fim, um “produto adorável mais cedo”. Substituir “mínimo” por “mais cedo” enfatiza a agilidade e a obtenção rápida de feedback. Desmembrar “viável” em diferentes categorias alinha as expectativas dos clientes com o estágio de desenvolvimento do produto. A incorporação de um design baseado em dados garante que as decisões sejam orientadas pelo valor do usuário.

Em resumo, o futuro do MVP reside na busca constante pela excelência e na entrega de valor sem atritos aos clientes. É hora de transformar o MVP em um mecanismo de constante inovação, onde o aprendizado e a experiência do cliente são prioridades absolutas, e a busca pela perfeição é um compromisso contínuo.