“Customer centricity” é uma daquelas expressões que quase ninguém contesta — mas que, justamente por isso, pode acabar significando tudo e nada ao mesmo tempo. Toda empresa diz colocar o cliente no centro. Mas, quando se observa o comportamento real dessas organizações, a frase muitas vezes soa mais como retórica do que como um princípio que orienta decisões concretas.
É preciso dar mais materialidade a esse conceito. Em vez de tratá-lo como um atributo binário — ou a empresa é centrada no cliente, ou não é —, vamos encarar o conceito como um espectro. Há níveis diferentes de centralidade no cliente e cada um representa um avanço em relação ao anterior. E cada avanço exige mudanças reais na forma como a empresa pensa, opera e mede sucesso.
Não se trata de dizer que todos os negócios devem operar no nível mais elevado possível. Isso depende do setor, do modelo de negócio, da maturidade da empresa e da natureza do relacionamento com o cliente. Mas compreender o grau de maturidade ajuda a observar o que realmente muda — na prática — quando uma organização decide, de fato, colocar o cliente no centro.
Organizamos essa ideia em cinco níveis progressivos, em que cada patamar descreve uma forma concreta de agir com cada vez mais foco no cliente, acompanhada de exemplos reais de empresas que adotam essas práticas como parte de sua cultura e operação.
Do atendimento rápido e resolutivo até a associação direta entre o sucesso do cliente e o modelo de negócios da empresa, esses níveis ajudam a dar concretude para o que significa, de fato, customer centricity.
Cultura de resolução
Ser customer centric não começa com grandes tecnologias, nem com discursos sofisticados sobre jornada do consumidor. Começa, antes de tudo, por algo essencial: a disposição em resolver os problemas dos clientes quando eles surgem. De maneira simples, rápida e justa.
Parece o mínimo do mínimo, mas muitas empresas falham justamente nesse primeiro degrau. Elas complicam o caminho do cliente, impõem barreiras, colocam-no para “provar” que está certo, e transferem a responsabilidade entre departamentos como se a frustração não tivesse dono. Ser centrado no cliente exige o oposto disso: colocar-se imediatamente do lado do consumidor, com empatia e agilidade, entendendo que a experiência negativa precisa ser corrigida – e não negociada.
Empresas verdadeiramente centradas no cliente sabem que, quando um problema acontece, o que está em jogo não é apenas aquele pedido, aquela entrega ou aquela cobrança — é a confiança. E confiança se perde fácil, mas só se reconquista com gestos claros. Por isso, adotam um viés pró-cliente desde o primeiro contato, resolvendo rápido e sem fricção, mesmo que isso signifique abrir mão de estar “com a razão”.
A Amazon é talvez o exemplo mais emblemático desse tipo de postura. Não por acaso, sua missão declarada é ser “a empresa mais centrada no cliente da Terra”. Essa ambição se traduz em decisões muito concretas, como sua política de devoluções — simples, direta e sem questionamentos. Para a Amazon, facilitar o reembolso ou a troca de um produto não é um favor, mas uma forma de cumprir o que promete enquanto marca. Ao eliminar a tensão do “e se der errado?”, ela transforma a experiência de compra em algo mais leve e confiável — um fator-chave para a fidelidade de seus clientes.
O mesmo vale para o Mercado Livre, que cresceu de forma expressiva no Brasil ao adotar garantias que protegem o comprador mesmo quando a venda é feita por terceiros. A lógica é parecida: em vez de deixar o cliente no meio de um conflito com o vendedor, a empresa assume o problema e resolve rápido — mostrando, na prática, de que lado está.
O iFood, por sua vez, construiu sua reputação justamente em cima da agilidade na resolução de problemas. Se um pedido vem errado ou não chega, o reembolso é quase imediato — muitas vezes feito por um sistema automatizado, sem a necessidade de falar com alguém. Em vez de investigar longamente quem errou — o restaurante, o entregador ou o consumidor —, o iFood parte do princípio de que resolver rápido é mais valioso do que apontar culpados. A consequência disso é que, mesmo quando há falhas, o cliente sente que foi respeitado e cuidado.
O que esses exemplos têm em comum não é tecnologia, nem grandes inovações de produto. É uma cultura de resolução. Uma crença institucional de que o cliente não pode ser abandonado justamente no momento em que mais precisa da empresa. É aí que o discurso de “colocar o cliente no centro” é testado de verdade – não nos comerciais, mas nos call centers.
Esse primeiro nível pode parecer básico. Deveria ser básico. Mas na prática não é. Poucas empresas conseguem sustentar esse compromisso com consistência. Quando bem feito, ele já representa um diferencial competitivo importante. Porque antes de buscar surpreender ou encantar, o que a maioria dos consumidores realmente espera é algo mais simples: que, se algo der errado, a empresa esteja do seu lado.
Melhor prevenir do que remediar
Resolver bem os problemas já coloca a empresa em um nível superior de relação com o cliente. Mas empresas realmente comprometidas com a experiência vão além: elas se organizam para evitar que o problema aconteça. Antecipar frustrações é um passo decisivo rumo à maturidade em centralidade no cliente — porque demonstra não apenas empatia, mas responsabilidade ativa pela experiência.
A lógica muda: não se trata mais de reagir quando algo dá errado, mas de aprender com os erros do passado e com os padrões de comportamento para impedir que eles se repitam. Empresas nesse estágio começam a identificar os pontos críticos da jornada do cliente e atuar preventivamente para suavizar esses momentos. A centralidade vira vigilância — não no sentido de controlar o cliente, mas de protegê-lo de experiências negativas antes mesmo que ele as perceba.
Isso exige organização, tecnologia e, acima de tudo, intenção. Não é só sobre ter dados — é sobre saber usá-los para proteger o cliente. É o caso do Nubank, por exemplo, que passou a oferecer a função de bloqueio temporário do cartão como forma de evitar cobranças indevidas. A ideia é simples, mas poderosa: permitir que o cliente “feche a porta” antes que o problema aconteça. Hoje praticamente todos os bancos fazem isso, assim como os já populares alertas proativos quando se identifica movimentações atípicas, oferecendo devoluções com apenas alguns cliques.
Outro bom exemplo vem da Disney. Nos parques da marca, a lógica de antecipação é levada ao extremo. O uso de sensores e análise preditiva permite prever onde filas longas podem se formar — e, assim, realocar personagens, abrir atrações extras ou até distribuir brindes em pontos estratégicos para evitar frustração. A ideia é simples, mas poderosa: agir antes que a má experiência se forme.
No setor de moda, a Zara aplica esse princípio em seu modelo de abastecimento. A empresa acompanha as vendas quase em tempo real e identifica rapidamente quando um produto começa a faltar em determinada loja — antecipando a insatisfação do cliente por não encontrar o que deseja. Em vez de esperar a demanda evaporar ou gerar reclamações, o sistema é desenhado para reagir preventivamente, mantendo a fluidez da experiência de compra.
Esses movimentos têm algo em comum: assumem a responsabilidade ativa pela jornada do cliente. Não esperam o problema se manifestar. E, ao agir antes, geram uma relação com menos fricção, mais fluida, porque mostram que a empresa não está apenas reagindo, mas sendo proativa.
Escuta ativa
Empresas verdadeiramente centradas no cliente não se contentam em apenas apagar ou prevenir incêndios. Elas evoluem com base na escuta ativa, tratando cada contato, sugestão ou crítica como uma oportunidade concreta de melhorar.
Nesse estágio, o cliente deixa de ser apenas um destinatário da experiência — e passa a ser fonte de aprendizado contínuo. O feedback vira ferramenta de transformação. A empresa estrutura formas de ouvir, organizar e transformar as vozes dos clientes em decisões tangíveis, seja no produto, no atendimento ou na comunicação.
Não se trata de responder a cada reclamação ou adaptar-se a qualquer demanda individual, mas de criar mecanismos para captar padrões, identificar oportunidades e ajustar rotas com base no que os clientes vivem e dizem. É uma postura ativa de aprendizado, e não uma resposta passiva à insatisfação.
O Figma é um ótimo exemplo dessa lógica. Desde o início, a ferramenta de design colaborativo cresceu ouvindo a comunidade — não apenas aceitando sugestões, mas construindo junto. Novas funcionalidades são frequentemente desenvolvidas a partir de pedidos recorrentes dos usuários, discutidas abertamente em fóruns e lançadas em versões beta com abertura para mais feedback. Não por acaso, a marca construiu uma base leal de defensores que se sentem parte da evolução do produto — porque, de fato, são.
Um bom exemplo de evolução orientada pelo cliente — mesmo sem pedidos diretos — é o caso da Netflix e sua decisão de permitir que o usuário assista a filmes e séries em velocidades diferentes, como 1.25x ou 1.5x. Ao contrário do que acontece em plataformas como YouTube ou WhatsApp, onde o consumo em alta velocidade já é hábito consolidado, mexer na velocidade de reprodução de obras audiovisuais inteiras — como longas ou séries — é uma decisão heterodoxa. Rompe com a visão tradicional de respeito à “experiência autoral” da obra e gerou, na época, críticas públicas de cineastas e produtores.
Mas a Netflix seguiu adiante. Não por uma onda explícita de pedidos, mas pela leitura de comportamentos periféricos: usuários que baixavam conteúdos para assistir em players com controle de velocidade, discussões em fóruns, análises de dados de navegação. A empresa entendeu que, para parte significativa da base, poder acelerar a experiência era sinônimo de controle — e que atender a esse desejo valia mais do que proteger uma ideia idealizada de como os conteúdos deveriam ser consumidos.
A decisão também teve um componente interessante: em tese, assistir conteúdos em 2x reduziria o tempo total de permanência do usuário na plataforma — o que contraria métricas tradicionais como watch time. Mas a Netflix entendeu que o risco maior era perder o interesse do espectador por não respeitar seu ritmo, especialmente diante do volume crescente de produções disponíveis. Ao permitir que cada pessoa consuma do seu jeito, a empresa não apenas respeita a autonomia do usuário, mas aumenta a chance de ele permanecer engajado por mais tempo — vendo mais, à sua maneira.
Essa escolha mostra que evoluir com base no cliente não significa apenas perguntar “o que você quer que a gente mude?”. Às vezes, significa observar o uso real do produto, interpretar sinais sutis e ter coragem para tomar decisões contraintuitivas — até impopulares dentro da indústria — em nome da experiência do usuário.
Quando o processo é bem desenhado, a empresa cria uma cultura de evolução contínua. Não apenas evita erros, mas aprende com eles. Não apenas entrega o que prometeu, mas melhora o que oferece. O cliente passa a ser visto como parceiro de desenvolvimento, e não apenas como consumidor do que já está pronto.
Centralidade em cada cliente
Um nível ainda acima de centralidade no cliente é quando a experiência deixa de ser padronizada e passa a refletir as preferências, escolhas e comportamentos de cada pessoa. Aqui, a lógica muda mais uma vez: não se trata apenas de ouvir o cliente, mas de entregar para ele algo que pareça feito sob medida — mesmo que em escala.
Durante muito tempo, o que se chamou de “personalização” foi, na prática, uma automação superficial. Trocar o nome no campo do e-mail, mandar uma oferta com base em cliques passados, exibir produtos similares. São avanços válidos, mas ainda genéricos. O que define este nível de centralidade é outra coisa: a sensação de autoria que o cliente tem sobre a experiência. Quando ele sente que está moldando, participando, influenciando — e não apenas sendo levado por um fluxo invisível de algoritmos.
A Nike é um bom exemplo disso. Com o programa Nike By You, permite que o cliente personalize não só a cor ou o nome no tênis, mas materiais, texturas, combinações ousadas. Em alguns modelos, a pessoa literalmente cria seu próprio produto dentro dos limites da marca. O resultado pode nem ser bonito aos olhos dos designers da companhia — mas é único, é do jeito do cliente. A marca entende que, mais do que vender um produto, está oferecendo um espaço de expressão individual. E isso tem muito mais valor para certos consumidores do que qualquer desconto.
Outro exemplo emblemático é o do Spotify. A experiência na plataforma é profundamente individual, desde as recomendações até os mixes criados automaticamente com base no humor, nos hábitos e nos horários do usuário. O Spotify não apenas sugere músicas — ele constrói trilhas sonoras personalizadas para a vida de cada micro cluster, com nomes e descrições que fazem parecer que “alguém pensou nisso só pra mim”.
Claro que essa personalização profunda também exige cuidado. Há uma linha tênue entre ser relevante e ser invasivo. Quando mal calibrada, a tentativa de personalizar pode gerar incômodo — parecer bisbilhotice, manipulação ou artificialidade. Como no caso de redes sociais que oferecem propaganda com base em qualquer coisa que se faz até fora da plataforma. Por isso, empresas centradas no cliente dão também o poder de escolha, permitindo que o usuário ajuste, recuse, redefina o que recebe e como recebe.
No limite, esse nível de centralidade reconhece que cada cliente é, ao mesmo tempo, uma pessoa única e parte de um sistema escalável. A mágica está em conseguir equilibrar essas duas dimensões — criar estruturas flexíveis o suficiente para que cada um se sinta autor da própria jornada, sem que isso inviabilize o negócio.
E isso vale não só para produtos ou interfaces. Uma empresa que dá liberdade para o cliente adaptar um plano, montar seu combo, customizar o que recebe, ou até definir o tom da comunicação, está dizendo: “você não é um cliente, você tem nome, sobrenome e é único”. E é nessa direção que a centralidade ganha profundidade — quando o cliente sente que, de algum modo, a empresa se ajusta a ele, e não o contrário.
Meu sucesso é seu sucesso
Pensando em um nível bastante alto de centralidade no cliente, a lógica é de que a empresa só ganha se o cliente ganhar. Já não se trata de resolver, antecipar, evoluir ou personalizar — mas de alinhar os próprios incentivos e métricas de sucesso aos do cliente. É quando a relação deixa de ser de fornecedor para comprador, e passa a ser de parceiro para parceiro.
Essa lógica é especialmente clara no B2B. Aqui, o impacto de cada decisão é mais visível, mais mensurável. Empresas que operam nesse nível entendem que não faz sentido crescer às custas do cliente. Faz sentido crescer junto com ele. Quando o cliente vai bem, a empresa vai bem junto. Quando o cliente fracassa, ninguém vence.
É o caso da Adobe, por exemplo, que redefiniu a função de Customer Success não como suporte, mas como uma alavanca direta de sucesso para o cliente. Em vez de medir apenas NPS ou tempo de resposta, a Adobe atrela os bônus da equipe de sucesso à performance dos clientes — como adoção real das ferramentas, frequência de uso, resultados obtidos. A lógica é clara: o trabalho da equipe só foi bem-feito se o cliente estiver de fato extraindo valor. Ele pode até estar gostando do atendimento, do serviço. Mas se o valor concreto não estiver aparecendo, a conta não fecha para uma empresa altamente centrada no cliente. Isso muda completamente a forma como a empresa se organiza, como define metas e até como escolhe para quem vender.
O interessante desse tipo de abordagem para centralidade no cliente é que ela é estrutural. Pressupõe que toda a lógica de negócio está desenhada para alinhar os objetivos da empresa aos do cliente. Não adianta prometer parceria no discurso se a meta de curto prazo for empurrar pacotes irrelevantes, cobrar por funcionalidades que o cliente não precisa ou forçar uma renovação sem retorno claro. E se os colaboradores tem o incentivo no lugar certo, eles só vão querer o que é melhor para o cliente – porque na prática será melhor também para eles próprios.
Quando esse alinhamento existe, ele se traduz em mais do que satisfação. Gera confiança de longo prazo, contratos sustentáveis, crescimento mútuo. A empresa deixa de ser um fornecedor substituível e passa a ser vista como parte da estrutura do cliente — como alguém que torce junto, aposta junto e ganha junto.
Talvez esse um dos pontos mais altos da centralidade no cliente. E, como todo ponto alto, é difícil de atingir — e mais difícil ainda de sustentar. Mas para empresas que querem construir relacionamentos duradouros e relevância, esse tende a ser um caminho sem volta.
Estratégia é, no fim, uma disputa por vencer — e quem enxerga o cliente com mais profundidade costuma enxergar também o melhor caminho até a vitória. Em um ambiente onde todos têm acesso às mesmas tecnologias, aos mesmos talentos e às mesmas ferramentas, a diferença está em para quem — e por quem — se decide jogar. Olhar para o cliente com atenção, agir por ele, se comprometer com a sua experiência em todos os níveis, não é uma questão de simpatia. É uma escolha estratégica. Porque ninguém consegue vencer jogando contra quem está mais conectado com quem importa.
Cada nível de maturidade que exploramos aqui representa uma forma concreta de transformar essa conexão em vantagem. Resolver bem, antecipar, evoluir, personalizar e crescer junto são formas de construir lealdade, reduzir atrito, aumentar relevância e, sobretudo, ocupar um espaço emocional e funcional na vida das pessoas que os concorrentes não conseguem acessar. Colocar o cliente no centro, de verdade, é sair do lugar-comum e entrar no jogo com mais inteligência. Não como quem segue uma tendência — mas como quem entende que é ali que mora o diferencial competitivo mais difícil de copiar.