As piores estratégias de 2023

Olhando para 2023, encontramos um palco onde diversos movimentos estratégicos foram ensaiados, porém, nem todos conseguiram brilhar na performance. Semana passada, falamos sobre aquelas estrelas que efetivamente brilharam, nos melhores movimentos estratégicos do ano.

Dessa vez, nossa análise se volta para aqueles que, em retrospectiva, mais se assemelham a uma coreografia fora de compasso. Entre decisões apressadas e tentativas de manobras ousadas, algumas empresas se viram diante de obstáculos que, convenhamos, poderiam ter sido evitados.

Este texto se propõe a desbravar os “micos” estratégicos de 2023, evidenciando a falta de visão de longo prazo, os tropeços na execução, crises mal gerenciadas e apostas que não vingaram. Em meio a essas histórias, buscamos extrair lições valiosas sobre como pensar melhor estrategicamente. 

 

WEWORK E O FIM DA ESPUMA 

A trajetória outrora ascendente da WeWork desabou, já que a gigante de espaços de trabalho flexíveis solicitou proteção contra falência nos Estados Unidos, citando desafios insuperáveis decorrentes de dívidas maciças e demanda em queda acentuada por espaços de escritório. Antes avaliada em US$ 47 bilhões, a ascensão meteórica da WeWork atraiu investimentos de grandes players como SoftBank e JPMorgan Chase. Fundada em 2010 por Adam Neumann, Rebekah Neumann e Miguel McKelvey, a WeWork buscava revolucionar os espaços de escritório com arranjos de locação flexíveis, expandindo rapidamente sua presença, mas incorrendo em perdas significativas.

A queda da empresa se acelerou após uma tentativa fracassada de IPO em 2019, marcada por preocupações com perdas substanciais, falhas de governança e o estilo de gestão de Neumann. A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais a situação da WeWork, à medida que o trabalho remoto se tornou prevalente, levando os clientes a cancelarem acordos. Apesar dos esforços para reestruturar dívidas e emendar contratos de locação, a falência tornou-se inevitável.

O pedido de falência da WeWork envolve a conversão de dívidas garantidas em patrimônio líquido, eliminando cerca de US$ 3 bilhões em dívidas. O futuro da empresa permanece incerto, com a possibilidade de alívio em relação a contratos de locação onerosos usando as disposições de falência dos EUA. Observadores especulam que o SoftBank busca salvar seu investimento à medida que o valor da WeWork continua a despencar, refletindo desafios mais amplos no mercado de empréstimos para propriedades comerciais, com o aumento das vacâncias e a diminuição dos valores imobiliários. 

 

BUD LIGHT E O POTENCIAL DESTRUTIVO DE UMA CRISE

Uma das maiores crises envolvendo marcas em 2023 aconteceu com a Bud Light. O problema começou quando a marca patrocinou um post da influenciadora transgênero Dylan Mulvaney, desencadeando uma reação negativa da mídia de direita e de comentaristas anti-trans em abril. O post de Mulvaney no Instagram gerou uma crise de relações públicas e vendas para a marca. Alguns críticos anti-trans boicotaram a cerveja, enquanto o governador da Flórida, Ron DeSantis, sugeriu a possibilidade de ação legal contra a AB InBev.

A AB InBev, que é a maior cervejaria do mundo, enfrentou a partir de então uma queda significativa nas receitas nos Estados Unidos devido à crise. No segundo trimestre, as vendas da principal marca despencaram, resultando em uma queda de 10% na receita nos EUA. A receita na América do Norte caiu $395 milhões em comparação com o mesmo período do ano anterior, sendo os Estados Unidos os mais afetados.

Apesar dos esforços da empresa para minimizar danos, oferecendo apoio financeiro aos distribuidores, as vendas e a participação de mercado nos EUA continuaram a diminuir. A AB InBev busca reconstruir a imagem da Bud Light, concentrando-se em campanhas publicitárias com músicos e jogadores da NFL. Embora as últimas estatísticas indiquem uma contenção da crise nos EUA, a empresa manteve as projeções de lucro global, impulsionada pelo desempenho sólido em outras regiões, como China, África do Sul e Colômbia.

Aqui é importante deixar claro que não estamos sugerindo de maneira nenhuma que patrocinar posts de pessoas trans é um erro de estratégia. Pelo contrário, fazemos coro aos que pedem mais diversidade na propaganda das marcas. Bud Light está aqui representando uma marca que teve sérios problemas devido a uma crise que entrou e não conseguiu controlar a escala que ela tomou.

 

JÁ DEU NÉ, MARVEL?

Em 2023, o outrora inabalável Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) enfrentou uma crise sem precedentes, sinalizando um possível declínio na supremacia cultural do gênero de super-heróis. O ano começou com “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania”, uma suposta pedra angular do MCU, sem conseguir ressoar com o público, estabelecendo o tom para uma série de lançamentos pouco impressionantes.

DC’s “Shazam! Fúria dos Deuses” e “The Flash” seguiram o mesmo caminho, marcando decepções financeiras significativas. “The Marvels” da Marvel encerrou o ano com a ignomínia de ser o filme de menor bilheteria no MCU, arrecadando meros US$ 197,2 milhões em todo o mundo. Essa forte discrepância em relação aos sucessos bilionários de anos anteriores levantou preocupações sobre o futuro do gênero.

Vários fatores contribuíram para essa queda. A oversaturação, com um influxo de conteúdo da Marvel no Disney+, deixou o público fatigado. A ascensão da era do streaming e a janela reduzida entre o lançamento nos cinemas e a disponibilidade em casa tornaram os espectadores mais exigentes, demandando eventos em vez de lançamentos rotineiros.

A falta de empolgação na promoção de “The Marvels”, agravada pela greve da SAG-AFTRA que impactou os esforços promocionais, também prejudicou o sucesso do filme. A queda geral na qualidade do MCU, conforme admitido pelo CEO da Disney, Bob Iger, também desempenhou um papel.

À medida que os filmes de super-heróis perdem relevância cultural, o cenário do entretenimento pode ver uma mudança em direção a gêneros alternativos, com as adaptações de jogos de vídeo surgindo como fortes concorrentes. A Disney, lidando com as repercussões do declínio da marca Marvel em meio a medidas de corte de custos, enfrenta o desafio de revitalizar um gênero antes dominante numa era em que o público busca novidade e diversidade em suas experiências cinematográficas.

 

BING TENTOU, MAS NÃO COLOU

A estratégia agressiva da Microsoft em promover a inteligência artificial (IA) do Bing como uma maneira inovadora e empolgante de aprimorar pesquisas não conseguiu impulsionar significativamente a participação de mercado do mecanismo de busca. Apesar do lançamento do Bing AI Chat em fevereiro de 2023 e da eliminação da lista de espera em maio, tornando-o acessível a todos, as novas capacidades do Bing não resultaram em um aumento substancial na participação de mercado, de acordo com as estatísticas mais recentes.

Dados da Statcounter mostram que a participação global de mercado do Bing foi de 2,99% em julho, ligeiramente abaixo dos 3,03% em janeiro e um aumento leve desde os 2,76% em abril. A Similarweb indicou 3,23% em junho, mantendo-se relativamente constante desde o início do ano. Métricas de tráfego da YipitData revelam flutuações no número de visitantes ao Bing, de 95,7 milhões em fevereiro a 97,7 milhões em junho.

Embora a Microsoft tenha afirmado o sucesso do novo Bing, contestando dados de análises de mercado, os números não refletem um impacto significativo na participação de mercado. A empresa alega que o Bing Chat não é totalmente considerado nas análises, enquanto empresas como Statcounter, Similarweb e YipitData afirmam que seus dados incluem o tráfego relacionado ao Bing Chat.

O Bing enfrenta uma concorrência constante do Google, que domina cerca de 90% do mercado global de mecanismos de busca. Apesar dos esforços da Microsoft em integrar IA generativa ao Bing, incluindo um chatbot e recursos de busca visual, a batalha pela preferência dos usuários continua. A incerteza persiste sobre se a IA pode atrair mais usuários para os mecanismos de busca tradicionais e qual motor de busca será mais bem-sucedido nesse contexto competitivo.

 

TWITTER, UM DESASTRE QUE NÃO TEM FIM

A recente mudança de Elon Musk para rebrandear o Twitter e substituir seu icônico logotipo de pássaro por um X marca um passo audacioso em seus esforços contínuos para remodelar a plataforma de mídia social. A visão de Musk para um aplicativo abrangente chamado X, onde os usuários podem se comunicar, fazer compras e consumir entretenimento, remonta à sua criação do X.com original em 1999, posteriormente tornando-se o PayPal. A transição para o X significa uma ruptura com a marca estabelecida do Twitter, um risco intensificado pelo investimento de $44 bilhões de Musk na plataforma.

A marca X rapidamente se espalhou pelo Twitter, com Musk redirecionando X.com para a plataforma e substituindo o logotipo de pássaro pelo estilizado X. Apesar das ambições de Musk, transformar o Twitter em um super aplicativo semelhante ao WeChat apresenta desafios, incluindo restrições financeiras e a concorrência do Threads da Meta. As decisões estratégicas de Musk, como demitir 80% da equipe e alterar o modelo de negócios do Twitter, alimentaram ainda mais as preocupações.

Enquanto Musk enxerga o X como um “aplicativo para tudo”, críticos argumentam que o rebranding sem novos recursos substanciais parece desesperado, especialmente após o lançamento do Threads da Meta. Os motivos de Musk permanecem especulativos, com teorias sugerindo um grande rebranding, um troll caro ou o estabelecimento de Musk como a própria marca. O risco de manchar a marca do Twitter e perder usuários é grande, tornando incerto o sucesso da ambiciosa transformação de Musk. À medida que Musk navega pelas complexidades de remodelar o Twitter, a plataforma enfrenta um momento crucial que pode determinar seu futuro no cenário em evolução das mídias sociais.

 

ALEXA E A PERDA DO BONDE DA HISTÓRIA

A ascensão do ChatGPT no cenário de inteligência artificial destaca de forma contundente as falhas da Alexa, marcando um ponto de virada na narrativa tecnológica. Enquanto a visão de Jeff Bezos para a Alexa como uma plataforma revolucionária de controle por voz se desvanece, o ChatGPT emerge como a próxima grande promessa, revelando as limitações das assistentes de voz tradicionais.

Do ponto de vista de negócio, a falta de monetização efetiva para a Alexa é evidente nas tentativas frustradas da Amazon em criar um ecossistema de aplicativos, os chamados “Skills”, que se assemelhavam à App Store da Apple. Embora tenha havido mais de 130.000 Skills disponíveis, a maioria é oferecida gratuitamente, e a dificuldade de descoberta limitou sua eficácia.

Outro revés para a Alexa foi a falta de uma plataforma própria, ao contrário de gigantes como Apple, Google e Microsoft. A dependência da voz como uma nova plataforma acabou sendo uma aposta equivocada, uma vez que os comandos de voz provaram ser eficazes apenas para tarefas limitadas, como definir temporizadores ou reproduzir música, sem gerar receitas significativas.

Enquanto a Alexa enfrenta desafios para se tornar uma plataforma lucrativa, o ChatGPT redefine as expectativas com sua capacidade de compreender instruções complexas, tornando as assistentes de voz convencionais, incluindo Siri, Alexa e Google Assistant, obsoletas em comparação. A “corrida” das grandes empresas de tecnologia para responder ao ChatGPT evidencia a urgência de inovação diante do fracasso das assistentes de voz anteriores.

 

VICE E O DECLÍNIO DA MÍDIA INDEPENDENTE?

A Vice Media, antes uma gigante da mídia digital avaliada em bilhões de dólares, enfrentou um declínio significativo ao longo de 2023, culminando em sua iminente aquisição por empresas de investimento, Fortress Investment Group, Soros Fund Management e Monroe Capital, por $350 milhões, fora da falência. Essa aquisição marca um ponto de virada para a Vice, que já foi considerada o futuro da mídia digital, ostentando uma avaliação que ultrapassava os $5 bilhões.

A espiral descendente da empresa é evidente em uma série de contratempos, incluindo a saída do co-fundador Shane Smith em 2018 e a recente renúncia da CEO Nancy Dubuc. As dificuldades da Vice se intensificaram à medida que enfrentou problemas comerciais, passou por reestruturação e reduziu sua força de trabalho, levando ao cancelamento de seu programa principal, “Vice News Tonight”.

O declínio da Vice reflete desafios mais amplos enfrentados por empresas de mídia digital em uma era dominada pela internet. O cenário de notícias digitais, que prometia muito, passou por grandes turbulências, com veículos como BuzzFeed News e Vox Media enfrentando demissões e tensões financeiras. A mudança na receita de publicidade para plataformas de mídia social, especialmente o Facebook, complicou ainda mais a sustentabilidade financeira dos empreendimentos de notícias digitais.

Enquanto a Vice enfrenta a falência e muda de mãos, a indústria de mídia lida com a paisagem em evolução do jornalismo na era digital. O destino das organizações de notícias depende de fluxos de receita diversificados, como evidenciado pelo sucesso de veículos como ProPublica e jornais tradicionais que se adaptam aos formatos digitais. No meio dessa incerteza, a importância duradoura do jornalismo de qualidade permanece como um farol, enfatizando a necessidade de apoio contínuo tanto de leitores quanto de filantropos para garantir sua sobrevivência.

 
 

Em retrospectiva, o ano de 2023 muita coisa legal e bem sucedida em termos de estratégia. Mas muita coisa também que não funcionou. Quase todas as empresas mencionadas enfrentaram obstáculos evitáveis, refletindo decisões apressadas e falta de visão de longo prazo. A WeWork, Bud Light, Marvel, Microsoft, Twitter, Alexa e Vice Media, cada uma à sua maneira, ilustraram a importância da adaptação estratégica diante de desafios econômicos, mudanças sociais e concorrência acirrada. Em um mundo empresarial dinâmico, a resiliência e a capacidade de aprender com os erros são elementos cruciais para o sucesso a longo prazo.