Militarismo e o berço do pensamento estratégico

Apesar de não termos nenhum gosto particular por militarismo – muito pelo contrário – há um fato inescapável: a fundação da ideia de estratégia se dá exatamente no campo de batalha. Muito do que se fala hoje em dia sobre estratégia de negócios – disciplina sistematizada e aplicada para negócios na década de 1960, nos EUA – derivou de estratégias militares, utilizadas por generais e soldados de diversos exércitos e nações para derrotas inimigos nos campos de batalha.

E para fins didáticos o militarismo acaba sendo uma área muito fértil para entender estratégia aplicada a qualquer outra área, especialmente negócios. Portanto, vamos mostrar aqui a relação entre esses dois mundos, qual paralelo podemos fazer entre eles e também abordar exemplos famosos de estratégias bélicas.

 

AS ESTRATÉGIAS: MILITAR E DE NEGÓCIOS

Professor, consultor, estrategista conceituado e queridinho dessa Sandbox, Roger Martin nos mostra lições preciosas sobre o paralelo dessas estratégias.

Primeiramente, é bom tirar da frente três estereótipos de estratégia militar, que dificultam o paralelo com negócios. O primeiro é que a estratégia militar é um exercício de ganha-perde. O segundo é que os soldados são dispensáveis, cuja morte serve a um propósito. O terceiro é que, no ambiente de comando e controle, não é preciso raciocinar, e sim fazer ou morrer.

Esses estereótipos nos fazem questionar se a associação entre o campo militar e de negócios é válida de alguma forma. Mas a questão aqui é captar o pensamento estratégico por trás dos movimentos orquestrados pelos comandantes, e não pela execução em sim das ações que levam à carnificina. E muito menos da legitimidade disso.

 

Estratégia militar: lições do que não fazer na estratégia de negócios

O fato é que, na visão de Martin, os grandes pensadores militares não amam a guerra. Inclusive, ele prestou consultoria às Forças Armadas dos EUA em 2010, com o intuito de incorporar o Design Thinking à estratégia da corporação. Como reflete o autor, assim como não gostamos de corpos feridos/mortos, na estratégia de negócios também não se deve “bater” em um oponente. No fundo, o essencial é descobrir como não precisar nem chegar a lutar. Claro, às vezes podemos fazer isso – mas só devemos nos envolver em uma batalha quando somos provocados de fato e não há outra maneira de avançar. A arte da estratégia de negócios é encontrar uma maneira de obter o posicionamento desejado e deixar seus concorrentes satisfeitos com os deles – criando um jogo de soma tão positiva quanto às circunstâncias permitirem.

Martin também destaca que a estratégia militar não é sobre comando e controle. Há um reconhecimento de que escolhas reais precisam ser feitas no campo durante a batalha, ou seja: haver uma declaração de intenção do comandante. Porém há um entendimento explícito de que muitas outras escolhas reais devem ser feitas de forma consistente, mas não pré-determinada por essa intenção.

Na estratégia de negócios, o que consideramos domina a visão de que o equivalente comercial do comandante do campo de batalha define a estratégia e, em seguida, a base executa. No Exército dos EUA, os comandantes do campo de batalha estabelecem uma intenção e uma abordagem para alcançá-la. Mas eles esperam que os oficiais e soldados que servem sob seu comando tenham que tomar decisões críticas à medida que seu trabalho prossegue. Não se espera que eles simplesmente executem – porque isso, na realidade, seria algo estúpido de se fazer me meio ao fogo cruzado de um campo de batalhas.

Aprendizados positivos: estratégia militar no âmbito de negócios

Nas forças armadas, estratégia é algo muito sério. No mundo dos negócios, uma visão saliente sustenta que uma estratégia medíocre bem executada prevalece sobre uma ótima estratégia mal executada, sugerindo que uma estratégia medíocre está bem desde que executada. Os militares não acreditam, nem ensinam isso, porque muitos soldados morrem desnecessariamente seguindo estratégias medíocres. Em vez disso, afirmam que você precisa de uma ótima estratégia e, em seguida, de um sistema operacional que incentive os melhores ajustes. Nesse sentido, talvez pela falta de uma noção mais palpável de risco, os líderes empresariais levam estratégia muito menos a sério que os militares.

Além disso, há um entendimento de que a estratégia militar requer uma visão holística, enfatizada por Clausewitz:

“Na guerra, mais do que em outro assunto, devemos começar olhando para a natureza do todo; pois, mais do que em qualquer lugar, a parte e o todo devem ser pensados juntos”.

Essa é uma reflexão fundamental para empresas que passaram o último século criando verdadeiros silos na sua lógica departamental, compostas por especialistas limitados, gente que não sabe como o outro trabalha, não consegue ter empatia por ele e perde de perspectiva a função das partes no todo.

 

APRENDIZADOS DE LÁ PRA CÁ

Indo mais para o concreto, podemos compilar alguns aprendizados a partir do paralelo entre a estratégia militar e a de negócios., que fazem bastante sentido e colocam nossa cabeça pra funcionar.

Conhecimento é poder: conhecer o oponente e a si mesmo é a chave de tudo. Se você ignora o seu inimigo como a si mesmo, com certeza será derrotado. Isso significa que antes de tudo, os exércitos e as empresas precisam saber quem são: suas forças, fraquezas, missão, visão. Depois, precisam ter o mesmo conhecimento a respeito do outro com quem estão disputando território. Quem tem mais conhecimento que o outro está muito mais perto da vitória.

O valor do recurso humano: assim como o draft do serviço militar é puxado e a carreira nessa área precisa cumprir uma série de requisitos, no mercado não é diferente. É de extrema importância contratar pessoas que se adequam ao seu negócio e que podem se alinhar aos seus objetivos e propósitos. Além disso, é fundamental dar um senso de propósito e coletividade para todos que lá estão. Um soldado que não confia no outro ou um executivo que não está na mesma página que o outro vão chegar no mesmo lugar: derrota.

Planejamento sólido, porém, flexível: o planejamento é essencial para o sucesso nos campos de batalha ou nos negócios. Mas é importante lembrar que as coisas mudam. O adversário faz um movimento imprevisível, o ambiente se transforma, as circunstâncias viram de cabeça pra baixo. E nessa hora, você precisa olhar para o seu plano e encontrar ali maleabilidade de movimentação. Ficar preso ao que foi definido e não conseguir se adaptar é caminho certo para a derrota.

A força da sua rede: assim como os espiões podem ajudar a vencer guerras, o tamanho e a força da sua rede pode ser a chave do sucesso de uma empresa. Sabemos que o networking requer um investimento de tempo e energia, mas no fundo é gente lidando com gente Então é importante escolher sua rede com sabedoria e cercar-se daqueles que podem ser ativos para o seu crescimento e vitória.

Evitar o evitável: levar em conta antecipadamente fatores desfavoráveis à sua estratégia é uma ótima receita para evitar desastres. Combatendo o viés de otimismo, é importante considerar fatores que podem causar problemas antes de avançar em qualquer direção. Como os militares que avaliam muito bem o campo de batalha antes de colocar os pés lá. É função do líder estrategista antecipar os problemas antes que surjam e se esforçar para evitar erros desse tipo.

Timing, timing, timing: quem sabe a hora de atirar costuma levar a melhor em batalhas. E, evidentemente, nos negócios o timing também é crucial para aproveitar ao máximo as oportunidades. Por um lado, quanto mais tempo se demora para agir, mais longa é a recuperação depois. Por outro lado, às vezes, é bom esperar e agir apenas no momento oportuno. Muitas vezes pode ser benéfico dar um passo para trás, desacelerar e aprender com erros de concorrentes. Lembre-se, mesmo que sua concorrência pareça ter vantagens, um ataque oportuno pode revelar pontos fracos.

Talvez para sua surpresa, esses aprendizados foram extraídos do surradíssimo Arte da Guerra, escrito pelo general chinês Sun Tzu. Embora a obra tenha caído no mar profundo do clichê e hoje sobreviva de quotes em palestras duvidosas, tem muita sabedoria prática ali e vale a pena a revisita sem o peso do senso comum.

Leia mais em: O que temos a aprender com o US Army

EXEMPLOS DE GRANDES ESTRATÉGIAS MILITARES AO LONGO DA HISTÓRIA

Para nos conceder repertório de grandes manobras de guerra conhecidas na história, trouxemos alguns episódios para ajudar na reflexão:

Anibal Barca

Aníbal Barca é considerado um dos maiores gênios militares da história: ele eliminou 80.000 mil soldados romanos com seu exército de 50.000 mil cartagineses, tendo apenas 6.000 perdas, utilizando o Movimento da Pinça, uma formação em “V” onde o exército inimigo fica preso no fundo da formação. Essa tática reduz a mobilidade e causa caos e descontrole. Quando o exército romano caiu nessa armadilha, eles já haviam perdido a batalha.

 

Ponto de estrangulamento

A batalha de Termopilas, retratada no filme 300 de Esparta, aconteceu na vida real e, como no filme, contou com uma manobra militar genial: utilizando do terreno estreito, espremido entre duas colunas de pedra, os espartanos limitaram o alcance e a mobilidade do exército persa de Xerxes. O conhecimento do exército oposto garantiu que suas habilidades e a quantidade de soldados fossem superiores, dando abertura para suportarem horas de batalha e entrarem para a história por sua heroica resistência mesmo com grande desvantagem numérica.

 

Ataque surpresa

Em 9 d.C., Varo, governador romano da Germânia, foi atraído para uma emboscada por Armínio, alemão romanizado e oficial de uma unidade de cavalaria. Varus liderou três legiões através da Floresta de Teutoburgo para reprimir uma revolta germânica, e quando seus 20.000 homens foram colocados na linha de marcha, Armínio atacou com a força de seu exército. A derrota romana não foi apenas física, mas psicológica, já que a emboscada exigia paciência e coordenação precisa. Os germânicos conseguiram vencer por causa de sua autodisciplina em esperar o momento certo para atacar.

 

Ação de choque

Muitas vezes, no momento crítico de uma batalha, a ação de choque ou um breve aumento na intensidade é suficiente para quebrar a força inimiga. Este foi o caso na Batalha de Arsuf, durante a Terceira Cruzada (1189-92). Os europeus, sob o comando de Ricardo Coração de Leão, marcharam sob uma chuva de flechas durante horas, enquanto os sarracenos tentavam incitá-los para fora de sua formação. Quando menos esperavam, os cavaleiros cristãos atacaram a cavalaria leve de Saladino de surpresa. O efeito foi dramático – os sarracenos, pegos de surpresa, quebraram e fugiram.


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