Os novos movimentos nos tabuleiros de xadrez dos streamings

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Em 2019 escrevemos este post mostrando o cenário dos serviços de streaming. Dois anos e uma pandemia depois, voltamos ao tema para atualizar esse cenário. Identificamos os novos movimentos nos tabuleiros de xadrez dos streamings e podemos adiantar que bastante coisa mudou neste período e que ainda tem muitas jogadas para acontecer nessa partida. [Aliás, se gosta de xadrez e ainda não assistiu o Gambito da Rainha, fica a dica].

O fato é que essa indústria continua quentíssima – são 1,1 bilhão de assinantes no mundo – com novos players se consolidando e os que já estavam no game precisando ficar de olho na concorrência ao mesmo tempo em que preparam novos passos que os mantenham relevantes no mercado.

Se você curte estratégias de negócios, puxa a cadeira, pega a pipoca e vem com a gente. Vamos ver quais peças estão se movendo no tabuleiro dos streamings e quais as próximas jogadas que podemos prever.

Ficar em casa impulsionou os streamings

Os streamings ganharam ainda mais audiência durante a pandemia, que manteve as pessoas amarradas aos sofás, e à crescente desordem de programas de TV e filmes para escolher. Por exemplo, as visitas únicas ao site Rotten Tomatoes aumentaram 147% no primeiro trimestre de 2021 em comparação ao mesmo período de 2020. Por lá existe o tal do “Tomatometer”, que calcula a média das avaliações de críticos profissionais e classifica um filme ou programa de TV.

Outros dados comprovam a força desses serviços: segundo estudo da Kantar Ibope Media de agosto de 2020, 98% dos usuários de internet no Brasil consomem algum tipo de conteúdo via streaming de áudio ou vídeo. Destes, 73% deles afirmam que esse consumo aumentou durante a crise sanitária. E a gente sabe que isso não é só por aqui, que transcende as nossas fronteiras.

Outro estudo, da Sherlock Communications, intitulado “Mercado, Consumo e Diversidade em Serviços de Streaming de Vídeo na América Latina”, foi realizado em seis países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Os resultados apontam que mais de 92% dos entrevistados assinaram uma plataforma de streaming desde 2019, com 70% tendo assinado pelo menos uma em 2020. No México, 39% assinaram serviços para acessar conteúdo que estava disponível apenas na plataforma escolhida. No Brasil, esse número é de 37%.

Bem, vamos dar nome aos bois e mostrar quem é quem no xadrez dos streamings.

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O REI NETFLIX

Netflix segue seu reinado soberano, com números inquestionáveis: no 1º trimestre de 2021 aumentou a sua receita em 24% e seu lucro líquido foi de US$ 1,7 bilhão, um aumento de 140% em relação ao primeiro trimestre de 2020. São 208 milhões de assinantes no mundo todo e cerca de 18 milhões no Brasil – a segunda maior praça. Se fosse um país e seus assinantes fossem população, estaria em 8º lugar na lista dos mais populosos, atrás da Nigéria e muito perto do Brasil. 

Sendo a mais madura entre as peças desse tabuleiro, a Netflix segue firme na sua estratégia de produção de conteúdos originais e investir na experiência do usuário, com uma das plataformas tecnológicas mais fáceis de usar, intuitivas e com o destaque para o seu celebrado sistema de recomendação de filmes e séries hiper personalizado via Inteligência Artificial.

AMAZON E APPLE: OS BISPOS

A Amazon Prime, que chegou ao Brasil em 2020, possui mais de 150 milhões de assinantes no mundo e é o competidor mais próximo do Rei Netflix em audiência. Embora a Amazon seja uma potência em tudo o que faz, a diferença aqui é que ela é, essencialmente, focada em e-commerce, assim como a Apple que é uma empresa, antes de tudo, de hardware e software, mas também tem um streaming para chamar de seu com o Apple TV.

Embora sejam promissores e só um doido subestimaria essas duas potências no tabuleiro, Amazon e Apple estão para o segmento como os bispos estão para o xadrez e buscam as diagonais do jogo do streaming para surpreender.

A RAINHA DISNEY

A Disney criou em 2019 o Disney+ e, diferente de Amazon e Apple, tem o entretenimento no seu core business, especificamente com a produção de conteúdo audiovisual. Assim, o streaming é um passo mais natural como mais uma forma de distribuição do seu conteúdo, o que a alça a status da Rainha do jogo, já nascendo global e totalmente independente de outros serviços ou de assinatura de TV a cabo.

Em pouco mais de um ano, conquistou 103,6 milhões de assinantes enquanto o número total de usuários em sua plataforma é de 159 milhões, mostrando que pode fazer frente à Netflix. Se por um lado a Disney cresce mais hoje, ganhando 15 milhões de novos assinantes no último trimestre de 2020, contra 3,8 milhões da rival, por outro, a Netflix obtém mais receita de cada cliente, em média – US$ 10 contra US$ 4. 

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O CAVALO DA HBO MAX

O cavalo da HBO Max está se movimentando rumo ao Brasil. O serviço de streaming da Warner foi lançada nos EUA em 2020 e tem previsão de chegar a América Latina, incluindo o Brasil, em junho de 2021. A expectativa é grande, pois reúne conteúdo das emissoras HBO, TNT, TBS, Turner Classic Movies (TCM) e CW, dos canais de animação Cartoon Network, Rooster Teeth, Adult Swim e Crunchyroll, e todo o catálogo da Warner Bros, isso quer dizer que a plataforma reunirá algumas produções clássicas e favoritas, desde Game of Thrones a Sex and the City, Friends, Sopranos além de longas como O Senhor dos Anéis e todos os filmes de heróis da DC.

Inclusive, a HBO MAX investirá em mais de 100 produções originais locais na América Latina nos próximos dois anos, com 33 delas já em andamento. Entre os projetos, a brasileira Os Ausentes, sobre uma agência que busca por pessoas desaparecidas.

O preço das assinaturas da HBO Max no Brasil ainda não foi revelado, mas nos EUA o valor mensal é de US$ 14,99. Atualmente, a plataforma de streaming dos conteúdos da HBO no Brasil – HBO Go – custa RS$ 34,90.

AS TORRES HULU E PEACOCK

Hulu e Peacock podem ser considerados as torres do tabuleiro, atuando com mais força nos Estados Unidos. Inicialmente com alcance limitado por conta de outras peças à sua frente, possuem um potencial promissor se ganharem espaço para se movimentar.

O Peacock é a novidade mais recente. De propriedade da NBC, tem toneladas de programas e filmes familiares, incluindo todas as sete temporadas de 30 Rock e Parks and Recreation, e séries originais como Admirável Mundo Novo. Há, inclusive, uma opção de plano gratuito, que oferece mais de 13.000 horas de programas de TV, notícias e filmes, da NBC e Universal Studios, ViacomCBS e Paramount. É possível pagar US$ 4,99 por mês por ainda mais conteúdo – no valor de 20.000 horas, incluindo acesso total a séries originais – ou US$ 9,99 por uma versão sem anúncios.

O Hulu é um popular serviço de streaming de TV e filmes nos EUA, chegando a ser considerado um complemento (ou contraponto) para a Netflix, possuindo grande variedade de programas familiares de redes como ABC, Fox e NBC, que ficam disponíveis logo depois de irem ao ar ao vivo. O Hulu, inclusive, transmite alguns dos mesmos programas que há no Peacock agora. Também exibem anúncios e oferece atualizações para versões sem anúncios por uma taxa mensal adicional de US$ 5,99 por mês.

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As estratégias do tabuleiro

A pergunta que o ronda o tabuleiro atualmente é: quem vai dar o xeque-mate na guerra do streaming? A questão é que, diferentemente de outras competições na internet e no mundo da tecnologia, essa guerra pode ter múltiplos vencedores. Não é uma guerra do tipo winner takes all, como os analistas da Faria Lima gostam de dizer, e também não chega ao ponto dos extremismos de Machado de Assis como “ao vencedor as batatas”.

Porém, é fato que o bolso de cada consumidor é único e é dali que sai o dinheiro para pagar as assinaturas desses streamings. E com tantas opções, vai ser preciso escolher em qual ou quais peças colocar essa verba. Então a briga, mais do que por aquisição da audiência, vai ser por retenção de clientes. Ninguém vai querer ficar de fora da cesta que este consumidor vai montar.

Por isso, cada uma das marcas está se mexendo e aperfeiçoando suas estratégias, que vão deixando o jogo ainda mais competitivo. Mais madura no jogo, a Netflix leva vantagem aqui. Inclusive, o preço é uma jogada mestre. No Brasil, as assinaturas custam R$ 21,90, R$ 32,90 e R$ 45,90 por mês, mas podem ser divididas em até 4 pessoas. Outro ponto, durante 2021 serão lançados 70 títulos novos, com média superior a filme ou série por semana – todos com o selo “Original Netflix“. Além disso, outros estúdios próprios, que também são donos de serviços de streaming concorrentes como a Disney+ e HBO Max precisaram vender alguns de seus filmes para a própria rival, para fazer caixa.

A Disney, por exemplo, teve de vender The Woman in the Window, com Amy Adams, Gary Oldman e dirigido por Joe Wright, para a Netflix. O mesmo aconteceu com a MGM, com a comédia Bad Trip e a animação Wish Dragon, da Sony Pictures. Sem contar Os 7 de Chicago, que a Netflix comprou da Paramount e foi indicado a 5 Oscars.

Já a HBO Max adotou uma estratégia mais polêmica para conseguir crescer a sua base de assinantes. No começo de dezembro do ano passado, ela anunciou que todos os seus lançamentos de 2021 – incluindo blockbusters gigantescos como Matrix 4Esquadrão SuicidaDuna, entre outros – seriam lançados tanto nos cinemas, quanto em seu serviço de streaming. A ação impactará, ao total, 17 filmes do estúdio.

A medida enfureceu as redes de cinema, que viram suas chances de faturar com a bilheteria cair mais e mais. No entanto, a Warner espera que a estratégia impulsione o número de assinantes do HBO Max ao longo de 2021. E ela prometeu “voltar ao normal” em 2022. Algo que muita gente duvida que aconteça se essa manobra der certo.

A Disney já parte para outra espécie de movimento: vai inserir mais um peão no jogo. Trata-se do Star+, serviço de streaming que deve chegar ao Brasil a partir de 31 de agosto. A plataforma será um serviço complementar ao Disney+ onde será possível assistir aos conteúdos da The Walt Disney Company voltados para o público adulto. Isso inclui séries como The Walking Dead, Grey’s Anatomy, Outlander e Os Simpsons; filmes das franquias Deadpool, Busca Implacável e Alien, além da gama da ESPN.

Para a Apple TV Plus, o próprio CEO Tim Cook já afirmou que o serviço fica como um presente para os seus consumidores de iPhones, MacBooks, iPads, etc., se unindo a outros benefícios como Apple Arcade para games, Apple News Plus para informação e Apple Music que bate de frente com Spotify e Deezer. O movimento, no entanto, cria um jogo próprio e de fidelização para os fãs do ecossistema da maçã.

Já a Amazon entra em campo com um pelotão inteiro como reforço. Além da Amazon Prime competir forte em preço no Brasil – são 30 dias grátis e R$ 9,90 para continuar com o acesso ilimitado à plataforma – o assinante ganha frete grátis no site da Amazon.com; assinatura Prime Gaming na Twitch; assinatura da Amazon Music; assinatura do Prime Reading (que concede acesso a um amplo acervo de e-books para ler no Kindle ou em aplicativos da empresa). E ainda a assinatura anual vem com 25% de desconto e sai por R$ 89,00. E ainda cada assinatura permite o uso em até três dispositivos para exibição simultânea, além da possibilidade de criar até seis perfis.

Em tempo: a disputa dos streamings promete ficar ainda mais acirrada. No dia 17 de maio, AT&T e Discovery anunciaram um acordo que prevê que a WarnerMedia da AT&T será desmembrada e combinada com o Discovery em uma nova empresa de mídia independente. O negócio, sujeito à aprovação regulatória, combinará a HBO Max e os serviços do Discovery +. Por um lado, a junção é uma maneira lógica de competir com a Netflix e a Disney. As empresas disseram que esperam que o acordo entre em vigor em meados de 2022.

Globoplay correndo por fora no Brasil

Bem, um ponto que nos chamou a atenção neste xadrez foi a Globoplay, avançando a galope como um cavalo no cenário nacional. Com cerca de 30 milhões de assinantes (número um tanto misterioso, na verdade), o streaming da Rede Globo já chegou aos EUA e pretende estar disponível na Europa até o final de 2021. Além disso, negocia uma extensa parceria com a HBO+. A intenção vai muito além de apenas coproduzir produções nacionais e poderá fazer com que os Estúdios Globo sejam utilizados para utilizados para produções internacionais da empresa, desde que o selo do streaming apareça em todos os países em que a produção for exibida.

A intenção também é permitir que atores e atrizes brasileiros façam parte do casting de séries da HBO+ nos EUA e que as produções entrem no catálogo do Globoplay, tanto no Brasil quanto nos EUA, na segunda janela, ou seja, depois de estrear na própria plataforma da Warner.

Bem, como aos bons enxadristas nenhum movimento passa despercebido, por mais simples que possa parecer, a Netflix está de olho e confirmou que pretende entrar nos próximos anos no principal segmento da Globo no Brasil: as novelas.

O mercado de streaming seguirá evoluindo e, naturalmente, a concorrência aumentará. A tendência é que as plataformas tornem seus conteúdos cada vez mais customizados e segmentados a fatias de públicos, como conteúdos para crianças, esportes, turismo, natureza, documentários… É preciso entender qual parte o cinema fará em tudo isso e como os modelos de negócio vão evoluir – a Disney, por exemplo, tem um sistema de VOD dentro da própria Disney+, cobrando para que o usuário de streaming assista um lançamento no cinema.

Mas tudo isso são cenas dos próximos capítulos dessa guerra sangrenta que assistiremos confortavelment e nos sofás das nossas casas.


A guerra dos streamings será o tema do DECODE, nosso laboratório de Data Analysis em forma de sprint. A ideia é a de um curso 100% mão na massa, em que você chega na primeira noite com um desafio e sai na 4ª noite com ele resolvido, guiado pelos nossos professores e seus frameworks. É uma baita experiência e começa já na próxima segunda-feira, 24/05.