Demarketing: estratégias reversas

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Não é simples viver na era em que tudo é instantâneo e quem não estiver acompanhando o mercado fica rapidamente para trás. Num ambiente cada vez mais competitivo, superar o concorrente por meio de estratégias de marketing efetivas é questão de vida ou morte.

E marketing, por excelência é sempre algo que mexe com a demanda por produtos e serviços. As empresas constroem propostas de valor pensando em como conseguir mais clientes ou que os clientes consumam mais vezes ou que paguem mais caro pelos mesmos produtos.

E isso tem nome: é o chamado demarketing. O conceito não é novo. Está comemorando seus 50 anos em 2021 e agora faz mais sentido do que nunca. Por um lado, do ponto de vista socioambiental, com todo o debate de sustentabilidade e consumo consciente. Por outro, de estratégias de marketing contra intuitivas, que fazem movimentos de freio na demanda de um lado, para acelerar de outro.

O que é demarketing?

Fonte: https://www.mckinsey.com/industries/consumer-packaged-goods/our-insights/true-gen-generation-z-and-its-implications-for-companies          

Philip Kotler apresentou o termo pela primeira vez em um artigo escrito em 1971 para a Harvard Business Review, em coautoria com Sidney Levy. Era um momento em que o próprio Kotler estava buscando repensar o marketing que ele próprio ajudou a consolidar no mundo inteiro.

Afinal, a disciplina de alguma forma começou a virar sinônimo de manipulação de mentes para estimular o consumo desenfreado de coisas que possivelmente as pessoas não precisam. Até hoje ouvimos coisas como “ah, isso é só marketing”, se referindo àquilo que só é bom no discurso, mas na prática é outra coisa.

Nesse contexto, o já conhecido como guru do marketing Phillip Kotler começa a desenvolver conceitos como o marketing societal, que mostrava como a disciplina poderia e deveria servir para o bem da sociedade ao conceber propostas de valor saudáveis para a sociedade. E nessa esteira é que vem o também o demarketing, como um contrabalanço às forças que pressionam a demanda. 

Em 2011, nos 40 anos do conceito, Kotler se juntou a R. Craig Lefebvre para escrever o livro “Design Thinking, Demarketing and Behavioral Economics: Fostering Interdisciplinary Growth in Social Marketing”, onde escreve que:

“à medida que o número crescente de governos, empresas e fontes de financiamento privado se concentram nas condições de excesso do consumidor, vemos o paradigma do marketing social se expandindo para acomodar essa mudança cultural para uma Era de Demarketing. […] o desmarketing pode ser visto como uma combinação de todos os 4Ps do mix de marketing e também visando mudanças nas políticas para estimular e sustentar escolhas comportamentais mais saudáveis e socialmente responsáveis”.


Outros autores também se debruçaram sobre o assunto, de uma forma mais comercial. Miklos-Thal e Juanjuan (Strategic Demarketing, 2011) propuseram que os vendedores usem o demarketing para gerenciar estrategicamente as percepções de qualidade dos compradores. Eles observaram que há uma tendência psicológica das pessoas quererem coisas que estão menos disponíveis. Já Amaldoss e Jain mostram que a disponibilidade limitada satisfaz a necessidade dos consumidores por exclusividade, e Stock e Balachander (2005) demonstram que a escassez pode passar sinalizar alta qualidade.

Escolhas comportamentais. Causas ambientais e sociais. Percepção dos consumidores. Escassez. Limitação. Exclusividade. Tudo i sso de alguma forma compõe o conceito de demarketing.

Demarketing social

Um dos lados do demarketing aborda um aspecto mais social, humano e ambiental, buscando gerar freios para o consumo daquilo que prejudica a sociedade de forma geral. Pode ser utilizado tanto para incentivar a preservação dos recursos naturais, como a água, por exemplo, ou para diminuir a demanda de produtos nocivos, que prejudicam a saúde das pessoas.

O conceito pode ser utilizado tanto para preservar os recursos naturais, como água, por exemplo, ou para diminuir a demanda de produtos nocivos, que prejudicam a saúde das pessoas. Um exemplo é o anúncio “Pais são monstros”, da CNN, caracterizando pais como monstros, demonstrando o que o álcool pode fazer com a vida de um pai e de um filho.

Outro jeito de fazer demarketing é a criação de barreiras ao consumo, buscando uma certa redução na demanda. Um exemplo pode ser o setor de turismo, que em diversas cidades cobra uma taxa aos visitantes para a preservação do espaço. Fernando de Noronha ou a cidade de Jericoacoara, no Ceará, são algumas cidades que praticam essa cobrança, com objetivo de controlar as visitas e de garantir a preservação do lugar e o desenvolvimento de um turismo mais sustentável.

Demarketing mercadológico 

Claro que, em se tratando de marketing, o conceito não se resumiria a CSR. O demarketing também ocorre em um contexto mercadológico, com o objetivo de alavancar vendas e lucros ou atender a outros requisitos, como experiência do consumidor ou controle de estoque.

Um exemplo são os esforços feitos pelo grupo automobilístico indiano Tata para desencorajar os consumidores a comprar o Nano, um carro utilitário considerado barato, compacto, fácil de dirigir e super econômico. Já que a demanda pelo produto superava a oferta, a lista de espera aumentou muito, causando um efeito negativo nos consumidores. O que levou a marca a adotar uma estratégia de demarketing, interrompendo a promoção do veículo e passando a promover outros carros do grupo.

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Outro exemplo nesse contexto é o demarketing seletivo. Quando as empresas selecionam a classe de consumidores, direcionando suas estratégias exclusivamente para eles, como forma de “proteger” os compradores mais fiéis e essenciais da marca.

Um bom caso deste tipo é a Apple, que faz sempre campanhas que visam a segmentação do público, utilizando o preço como estratégia para manter produtos em uma área alta e específica de mercado, diferenciando-se da concorrência. Aqui, o objetivo não é acabar com a procura, mas posicionar a marca em determinado tempo e mercado, atingindo apenas os consumidores que realmente interessam à Apple. Por um lado, é o uso do preço para posicionar o produto, mas, por outro, é um freio de demanda para diversos segmentos.

Outro exemplo é o que se chama de demarketing ostensivo, criando uma escassez artificial para estimular os consumidores. Para isso, é necessário criar uma oferta limitada, visando que o consumidor estoque produtos que, posteriormente, serão difíceis de obter. Um caso disso ocorreu em 1997, quando a BMW restringiu seu fornecimento em todo o mercado do Reino Unido, gerando uma corrida pela aquisição do veículo.

Olhando de maneira mais sistemática, há pelo menos quatro grandes estratégias de demarketing mais populares:

Discriminador de preço

A lógica aqui é incentivar as compras em horários que geralmente são mais frios. Por exemplo, alguns varejistas realizam “vendas de 3 horas” das 8 às 11 da manhã de sábado. Os consumidores que chegam à loja antes das 11h pagam preços mais baixos, encarando o inconveniente de fazer compras no início da manhã. Os consumidores ocupados que desejam um produto conveniente no seu próprio tempo podem pagar um preço mais alto.

Isca e troca

Ocorre quando uma empresa anuncia um produto não para os consumidores O comprarem especificamente, mas sim um outro mais lucrativo em seu lugar. É como ver o cartaz de oferta de um produto no supermercado, mas ao chegar às prateleiras você percebe que há outro produto similar por um preço mais barato, mas que seja mais lucrativo para o estabelecimento. Essa é uma estratégia que pode facilmente cair em práticas antiéticas e até mesmo ilegais.

Interrupção

Outra estratégia conhecida é o demarketing de interrupção, em que uma empresa realmente planeja uma queda de estoque. Esse é um movimento que tende a frustrar os consumidores, mas as lojas geralmente oferecem vales ou cupons que garantem a entrega em uma data futura. Assim, os clientes podem visitar a lojas duas vezes e comprar produtos complementares em cada visita. Essas interrupções deliberadas de estoque ajudam as lojas a cobrar preços mais altos e obter lucros maiores. A possibilidade de falta de estoque em uma loja gera uma sensação de escassez, deixando o cliente mais ansioso para comprar.

Antecipação

Muito usada em datas como a Black Friday, onde os vendedores lançam anúncios nos dias anteriores da promoção ao estilo “não compre agora, espero para economizar na Black Friday”. Ou quando as concessionárias anunciam “não compre carro hoje, espere por amanhã”. Tem o objetivo de chamar a atenção da audiência para ofertas que vão ocorrer somente em um prazo determinado.

Seja para o bem ou para o mal, o demarketing é interessante para nos fazer pensar de forma contra intuitiva. Marketing não tem uma via só e pensar nele como um freio e não um impulsionador de demanda pode fazer toda diferença – para o bem ou para o mal.


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