Desconstruindo a transformação digital

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Muito se fala sobre a tal Transformação Digital. O próprio nome do termo sugere que seja autoexplicativo e essencial para as empresas no mundo atual. Porém, vamos parar a bola e entender o que de fato o conceito significa e os caminhos para fazê-la do melhor jeito.

A visão dos especialistas

Em geral, a transformação digital significa usar a tecnologia para criar vantagens competitivas que impulsionem o crescimento de negócios em mercados novos ou já existentes. Isso de forma geral. Mas, claro que a definição aplicada de transformação digital pode ser diferente para cada organização porque cada empresa é única.

Falando de maneira mais abrangente, Brian Solis entende que transformação digital “implica no realinhamento ou novo investimento em tecnologia, modelos de negócios e processos para gerar novo valor para clientes e funcionários, ajudando as empresas a competir com eficácia em uma economia digital em constante mudança”. 

Um pouco na mesma pegada, Paige O’Neill, CMO da Sitecore, diz que “é importante ter em mente que a transformação digital não é um único projeto ou mudança, mas uma reestruturação de toda a organização que se estende às pessoas, às operações e à tecnologia.”

Já em uma abordagem mais no cliente final, Peggy Chen, CMO da SDL, afirma que “no fundo, a transformação digital trata de se conectar melhor com os clientes digitais”.

Mas, seja para um lado ou para o outro, Pete Peranzo relembra que “a transformação digital não é um conceito de plug-in de curto prazo. É uma abordagem profundamente enraizada que pode desafiar a mentalidade, as metas e os KPIs”.

A origem da transformação

A história da transformação digital tem suas raízes em 1948, quando o matemático e engenheiro americano Dr. Claude Shannon publicou A Mathematical Theory of Communication – um artigo que mais tarde lhe valeu o apelido de pai das comunicações digitais modernas e da teoria da informação, sobre a qual toda a internet foi desenvolvida.

No final dos anos 1950, a invenção do microchip e do transistor semicondutor permitiu que a computação analógica se tornasse digital. Então a partir daí tudo é história moderna. Veio a Arpanet e a Lei de Moore nos anos 60, os computadores domésticos nos anos 70 e a World Wide Web na década de 80. A invenção e popularização dessas tecnologias impactaram de forma gigantesca os negócios, a cultura, a vida das pessoas e transformou a organização da sociedade em múltiplos aspectos.

Pode ser que compreendemos melhor a transformação digital desde meados da década de 2000 com o início de uma ampla difusão de produtos, serviços e mídias digitais. Entram nessa conta os smartphones, as compras online, as redes sociais, a automação e robótica das fábricas, etc. E quando parece que a digitalização dos dispositivos manuais e analógicos vai atingir a saturação completa, tudo se transforma – de novo.

Com a pandemia de Covid-19 que eclodiu em 2020, as pessoas tiveram a necessidade de adotar medidas como o distanciamento social como prevenção, o que acelerou ainda mais a necessidade dessa transformação digital. Inúmeras atividades do cotidiano passaram a ser feitas com intermédio da tecnologia, das compras no mercado aos eventos e até o trabalho sem a necessidade de interações presenciais.

 

Onde a transformação digital impacta

Uma ampla pesquisa do MIT com 1.300 executivos em mais de 750 organizações globais mostra que as empresas que alcançam melhores resultados de negócios combinam atividade digital, forte liderança e tecnologia como ferramentas promover para a transformação digital. São três os aspectos principais das empresas que estão sendo transformados nos últimos 5 anos: experiência do cliente, processos operacionais e modelos de negócios.

Experiência do cliente

A experiência do cliente se tornou o campo de batalha definitivo para muitas empresas e marcas. Criar uma boa jornada de experiência requer ferramentas como mapeamento de jornada, estudos com inspiração etnográfica de imersão na vida dos clientes, criação de personas, além de práticas como design thinking, para fornecer uma compreensão íntima dos comportamentos humanos e a capacidade de revelar insights por meio de observação, escuta e experimentação constante. 

Um exemplo é a Sephora, que transformou os problemas indicados pelos clientes na compra de cosméticos em uma experiência digitalmente atraente. Usando inteligência artificial para combinar os tons de pele de um cliente aos produtos mais apropriados e realidade virtual para testar os cosméticos, a empresa criou uma experiência de compra conveniente sem que as pessoas saiam de cada, rivalizando com a personalização de uma experiência na loja. A abordagem da Sephora, incorporada em um aplicativo, atraiu 8,5 milhões de visitas de usuários entre 2016 e 2018 e ajudou a empresa quando a pandemia interrompeu a experiência física.

Transformando processos operacionais

Operações bem gerenciadas são essenciais para converter receita em lucro, mas está ocorrendo uma mudança no foco da transformação digital nessa área. Os avanços em sensores, nuvem, aprendizado de máquina e IoT estão permitindo que empresas de todos os setores transformem seus recursos operacionais.  Essa transformação operacional está ocorrendo em três elementos: automação do processo central, operações conectadas e dinâmicas e tomada de decisão baseada em dados.

A base para decisões operacionais muda cada vez mais de relatórios retrospectivos para dados em tempo real. Dispositivos conectados, novos algoritmos de aprendizado de máquina, experimentação mais inteligente e dados abundantes permitem decisões mais informadas.

A Rio Tinto, por exemplo, uma empresa de mineração australiana, usa caminhões, trens e máquinas de perfuração autônomos para que possa transferir os trabalhadores para tarefas menos perigosas, levando a maior produtividade e melhor segurança.

A Asian Paints passou de fabricante de revestimentos em 13 regiões da Índia a fornecedora de revestimentos, serviços de pintura, serviços de design e reformas residenciais em 17 países, estabelecendo primeiro um núcleo comum de processos digitalizados sob um sistema ERP. Isso forneceu uma base para construir e uma fonte limpa de dados para gerar insights. Mais tarde, a empresa incorporou aprendizado de máquina, robótica, realidade aumentada e outras tecnologias para permitir sua expansão digitalmente.

E, com tudo isso, as empresas estão percebendo como a excelência operacional pode ir além da eficiência de back-office e impactar também na experiência do cliente.

 

Transformando modelos de negócios

Cada vez mais as empresas estão encontrando maneiras de aprimorar digitalmente seus modelos de negócios existentes, sem exigir grandes mudanças nos negócios. Por exemplo, quase 80% dos varejistas tradicionais no Reino Unido estão agora mesclando canais digitais e físicos por meio de serviços de clicar e coletar.

Outros estão transformando as vendas de produtos em ofertas de serviços. A Hilti, uma fornecedora de ferramentas e produtos de construção, criou um programa de ferramentas sob demanda para seus clientes de construção. Em vez de vender ferramentas, ela disponibiliza uma variedade de ferramentas por meio de um serviço de assinatura que inclui reparos e serviços personalizados.

A fabricante global de pneus Michelin conectou seus produtos usando sensores integrados que coletam e transmitem dados valiosos sobre o uso, distância e necessidades de manutenção. Seu negócio Fleet Solutions agora oferece aos clientes serviços de gerenciamento de pneus abrangentes e convenientes que oferecem melhor controle de custos, menos avarias e menos trabalho administrativo. Essencialmente, a empresa mudou para um modelo de negócios baseado em resultados, vendendo quilômetros sem problemas em vez de pneus.

Essas ofertas como serviço estão aparecendo em todos os setores e são particularmente atraentes para itens grandes e caros, como turbinas de energia e motores de aeronaves.

 

Na prática

Dra. Jeanne W. Ross, cientista pesquisadora principal do Centro de Pesquisa de Sistemas de Informação da MIT Sloan School of Management, escreveu o livro Projetado para digital: Como arquitetar seu negócio para o sucesso sustentado, junto com Cynthia M. Beath e Martin Mocker. A obra traz 5 orientações a serem observadas para fazer a Transformação Digital acontecer em uma organização:

1) Design digital de negócios

Em vez de tentar seguir os passos de grandes players, a organização deve descobrir como continuar a fazer o que faz bem e adicionar produtos digitais que aprimoram seus produtos e serviços atuais. É importante descobrir a melhor forma de explorar as redes sociais, dispositivos móveis, analytics, nuvem e IoT. É preciso pensar nisso de forma ampla, construindo um pensamento de design para o negócio como um todo.

2) A arquitetura de TI é importante, mas não é o ponto central

A questão essencial não é projetar um sistema digital elegante que impressionará outros arquitetos de TI, mas usar a tecnologia para criar oportunidades de negócios. Da mesma forma que reorganizações não produzem necessariamente uma empresa melhor, reorganizar (ou integrar) sistemas de dados não necessariamente alcançará resultados, a menos que façam parte de um projeto mais amplo.

 

3) Uma plataforma operacional robusta é necessária, mas não suficiente

Ao esboçar as bases tecnológicas para a transformação, os autores distinguem entre a plataformas operacional e a plataforma digital.

A operacional consiste em sistemas centrais para eficiência de processos, incluindo ERP, cadeia de suprimentos e sistemas de CRM, bem como sistemas básicos específicos da indústria, como registros médicos eletrônicos de hospitais. Se a organização já existe há algumas décadas, a plataforma operacional inclui todas as coisas que deveriam ser integradas e otimizadas o tempo todo.

plataforma digital, por outro lado, inclui a nova tecnologia necessária para criar produtos digitais. Mas a plataforma digital será mais de sua própria criação, refletindo o design de seu negócio.

As empresas que são nativas digitais às vezes criam uma plataforma digital forte, mas negligenciam o operacional, o que é um erro tão grande quanto não alcançar muita inovação digital. Ambos são necessários. No entanto, um dos maiores motivos que as empresas estabelecidas dão para não alcançar uma maior inovação digital é que seus sistemas operacionais seguram o avanço.

 

4) Pivotar para digital o mais rápido possível

Um dos estudos de caso que Ross cita é a Schneider Electric, companhia multinacional fundada em1836 com sede na França. A empresa faz um ampla variedade de distribuição elétrica e produtos de gerenciamento para serviços públicos e indústria.

Já em 2012, a unidade de negócios que fabrica equipamentos para data centers criou sistemas sofisticados de monitoramento e regulação de energia e refrigeração. Outros produtos mais tradicionais também estavam gerando recursos de monitoramento e gerenciamento de IoT, mas todos eram diferentes – sensores, protocolos, parcerias em nuvem e assim por diante.

O que torna a Schneider uma história de sucesso em design digital é que a administração reconheceu o potencial desperdiçado desses esforços divergentes e os reuniu em uma plataforma de nuvem coerente. Surgiu então problema de plataformas operacionais para resolver: um legado de crescimento por meio de aquisições que a deixou com 150 ERPs e 300 sistemas de CRM, todos suportando processos de negócios personalizados. A implementação do Salesforce em toda a empresa produziu uma grande vitória, permitindo uma maior venda cruzada de produtos. Por outro lado, com o ERP a empresa teve que decidir onde traçar os limites:

“Quando atingiu os 12 ERPs restantes, os líderes reconheceram que os restantes seriam caros e demorados para substituir. A empresa queria se concentrar novamente no fornecimento de ofertas digitais, então, em vez de continuar a investir pesadamente na digitalização de sistemas centrais, a Schneider decidiu vincular suas novas ofertas a cada um desses 12 sistemas ERP”, observa o livro.

Ideal?&nbsp ;Talvez não. Mas se contentar com 12 ERPs em vez de 150 foi um meio-termo sensato.

5) Criar uma plataforma digital, não um aplicativo isolado

Criar um aplicativo digital incrível, ou mesmo uma série de aplicativos interessantes, não é o mesmo que criar uma plataforma digital. Uma plataforma digital é um conjunto de componentes reutilizáveis – componentes de dados, componentes de lógica de negócios e componentes de infraestrutura – projetados para oferecer suporte a todos os seus produtos digitais, agora e no futuro.

Embora não seja possível criar a plataforma perfeita, escalonável e infinitamente flexível desde o início, a orientação é começar e, em seguida, desenvolver seu design.