Nike x Adidas: uma rivalidade de mais de meio século

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Se você gosta de uma boa história de disputas entre marcas concorrentes, então vai gostar de descobrir mais entre as duas maiores empresas do mundo quando o assunto é esporte: Nike e Adidas. A disputa ultrapassa meio século de episódios marcantes, campanhas publicitárias arrojadas, astros do esporte e uma concorrência ferrenha pelos pés e corpos dos consumidores.

Esse duelo é contado em uma série de 6 episódios no Podcast Guerras Comerciais, produção impecável da Wondery.


O rap da vingança

Um dos episódios mais recentes da disputa entre Nike e Adidas aconteceu em 2015, durante a Semana da Moda de Nova York. O famoso rapper Kanye West aproveitou o megaevento para lançar sua nova linha de tênis chamada Yeezy Boost – o primeiro do novo contrato milionário com a Adidas, após uma parceria de anos com a Nike. Mas, mais do que isso, a Adidas permitiu a West se aventurar como estilista e promover suas próprias criações de roupas. Liberdade criativa essa que o rapper afirmou não possuir com a antiga parceira – além de não conseguir ter participação nas vendas. O episódio foi tema até mesmo de uma se suas músicas – Facts – onde canta coisas como “Nike trata os funcionários como escravos”.

“Cantem alto para a Adidas por me apoiar. Eles me permitem realizar meus sonhos, me deixaram fazer as coisas acontecerem para todos vocês. A Nike estava me sufocando”, disparou West no show de lançamento.

Foi guerra declarada e uma vingança em público. Este foi um dos diversos episódios envolvendo as marcas, além de outras disputas nos bastidores que não chegou ao conhecimento do grande público.

Adidas e Kenye West (Yeezy)

Adidas e Kenye West (Yeezy)

A ascensão do tênis

Mas por que Kenye West se ocuparia tanto em desabafar? E por que duas empresas gastariam tanto dinheiro e energia nessa guerra toda? A resposta é complicada, mas está principalmente no posicionamento exclusivo do tênis no centro de culturas como a música, o esporte e a alta moda. Nenhum outro item quanto o tênis é tão amado por atletas profissionais e amadores, sejam de basquete ou futebol, crianças ou adultos. Mas nem sempre foi assim.

Até os anos 70, os tênis eram considerados utilitários, em sua maioria projetados como botinas para construções, usados em tarefas específicas, como simples vestimentas para os pés. Ele também era usado por esportistas, mas com função bem utilitária, nas quadras, campos e ginásios. Mas a partir da década de 70 o tênis foi cada vez mais ganhando as ruas, como moda e expressão cultural, coisa que acontece firmemente até hoje. Em 2013, museus como o Bata Shoe Museum, de Toronto, receberam a mostra “Fora da Caixa: a ascensão da cultura do tênis”. O movimento deixou claro que, no lugar de esculturas e estátuas de artistas, os sapatos são arte e merecem ser tratados dessa maneira.

E quando multidões fazem filas para ver tênis que custam tanto ou mais que bolsas Gucci, sabemos que atravessamos uma linha cultural. E a rivalidade entre Nike e Adidas é um ingrediente importante dessa história. Afinal, nada impulsiona mais a inovação do que a concorrência.

Modelo criado entre 1860 e 1865 e que integrou a exposição “Fora da Caixa: a ascensão da cultura do tênis”.

Modelo criado entre 1860 e 1865 e que integrou a exposição “Fora da Caixa: a ascensão da cultura do tênis”.

Atualmente, o mercado global de tênis cresceu 40% na última década e está avaliado em cerca de US$ 55 bilhões. No mercado norte-americano, principal foco da disputa, a Nike tem vantagem sobre a Adidas. Ao todo são 60.000 funcionários e 650 designers, com valor de mercado de US$ 37 bilhões, segundo a Forbes. Hoje é a maior empresa de vestuário do mundo, abocanhando cerca de 45% do mercado de calçados dos EUA, com foco em esportes de diversos setores.

A Adidas está mais centrada no futebol, equipando alguns dos maiores clubes do mundo, com valor de mercado de US$ 11 bilhões e cerca de 11% do mercado de calçados dos EUA.


O início de tudo

A Adidas nasceu na Europa em 1947, fundada por Adi Dassler, cujas iniciais do nome e sobrenome foram inspiração para batizar a empresa. Ela surgiu da dissidência da Irmãos Dassler, antiga empresa de Adi com seu irmão, Rudi, que veio a fundar a Puma, outro grande player do mercado mundial. Ambas as fábricas floresceram na região da Bavária, na Alemanha, após o final da 2ª Guerra Mundial. A ascensão global veio quando a Adidas conseguiu fechar um contrato com a seleção alemã de futebol, campeã do mundo em 1954, ostentando nos uniformes e chuteiras dos jogadores as três listras da marca, que se tornaram sua marca registrada.

Quando a Nike chegou ao mercado, em 1972, a Adidas era a dona do jogo. A origem da Nike remonta a 1964, quando o ex-atleta e jornalista Phil Knight fez seu MBA em Stanford e decidiu importar tênis da japonesa Onitsuka Tiger (atual Asics) e revender em solo americano, em sociedade com seu ex-treinador Bill Bowerman. O nome da empresa até então era Blue Ribbon Sports. Após um sucesso inicial, os dois decidiram fabricar os próprios produtos e colocar sua marca própria na jogada. Foi então que nasceu a Nike, pegando emprestado o nome da deusa grega da velocidade e utilizando como símbolo o “swoosh”, que foi adquirido por US$ 35 de um jovem universitário. O objetivo inicial da nova empresa? Desbancar a líder Adidas.

Uma guerra de Marketing

O que se vê ao longo do embate de Nike e Adidas é uma concorrência ferrenha em movimentos de marketing, campanhas publicitárias e estratégias comerciais tanto para causar impacto por conta própria quanto para responder às jogadas do outro.

Para se ter uma ideia, em 1970 a Adidas fabricava 150 modelos distintos era utilizada por 85% dos jogadores da NBA. Alguns eram pagos pela própria empresa, como o astro Kareem Abdul Jabbar, que utilizava um tênis personalizado com as três faixas da fabricante por US$ 25 mil mensais. À época, a concorrência era com a Puma, que ganhava nos campos de futebol.

A Nike entrou no jogo dos patrocínios pelo tenista romeno Ilie Nastase, campeão mundial de então e que era patrocinado pela Adidas, fechando um primeiro contrato de US$ 10 mil. Nessa época, a televisão em cores despontava nos EUA e no mundo, tornando-se a grande potência em termos de mídia publicitária e concentrando os principais esforços de marketing das grandes empresas. Evidentemente, era grande a visibilidade que a TV dava aos esporte, com a transmissão aberta de modalidades como futebol, rugby, basquete e beisebol. Os maiores ‘cartazes’ do mundo eram os atletas, que iam para dentro da casa das pessoas e tanto Nike, quanto Adidas e a própria Puma foram muito beneficiadas por toda essa exposição.

Esse jogo de patrocínio de atletas e equipes surgiu nesse tempo e permanece até hoje, com cada vez mais força, saindo apenas do escopo dos atletas e indo para outros segmentos como a música. As empresas foram se dando conta que patrocinar as personalidades ‘certas’ e associar suas marcas a elas eram o grande fiel da balança para as vendas aumentarem. Logo, a estratégias das duas marcas se tornou mais consolidada.

Na década de 80, época de cabelos longos e ombreiras maiores ainda, o tênis assumiu um significado maior, de declaração de moda e símbolo de status. A Adidas, líder de mercado com vendas superando US$ 1,5 bilhão, representava a tendência urbana, da vida nos grandes centros. Astros da música começaram a entrar no contexto, como em 1986, quando fechou um contrato com o trio de Hip Hop Run-D.M.C., lançando tênis em formato de concha. O grupo até criou a música “My Adidas”, em ‘“homenagem” a essa parceria.

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O herói da Nike

Já a Nike – com vendas na casa dos US$ 850 milhões anuais – vinha ganhando força com uma série de patrocínios de atletas de ponta, associando sua marca a alta tecnologia e modernidade. Então veio a grande virada. A Nike entendeu que, mais do que equipes, precisava de um “herói”. E eis que descobriram, ainda muito jovem, um talento do basquete chamado Michael Jordan. Ele iria estrear na NBA pelo Chicago Bulls e já utilizava, ainda que sem patrocínio, tênis da Adidas. Convencidos de que Jordan faria sucesso, os executivos da Nike o chamaram até a sua sede em Beaverton, no Oregon, e lhe propuseram um contrato irrefutável de US$ 500 milhões anuais – lhe apresentando uma versão exclusiva de um certo tênis vermelho e preto brilhante, de cano alto – que ainda passou por modificações a pedido do próprio Jordan. O jovem talento veio a se tornar o maior jogador de basquete de todos os tempos e os tênis, batizados de Air Jordans, se tornaram uma lenda.

A Federação de Basquete chegou a se intrometer e proibir Jordan de utilizar a peça, alegando que os tênis precisavam seguir o padrão do uniforme da equipe e dos tênis dos companheiros. Então, a Nike foi a TV e lançou uma propaganda forte. Nela, Jordan aparecia com o uniforme do Bulls com seu Air Jordan nos pés falando: “A NBA os tirou do jogo. Felizmente, a NBA não pode impedir você de usá-los. Air Jordan, da Nike.” O impacto foi gigantesco e ajudou a Nike a enviar 1,5 milhão de exemplares pelo país, aumentando as vendas para 4 milhões de unidades, incluindo versões para mulheres e crianças. Em 1987, triplicou as vendas em relação a Adidas e passou a investir US$ 50 milhões em marketing para ficar a frente da concorrência.

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Montanha-russa

Na mesma época em que a Nike assumia a liderança do mercado e lançava seu novo slogan – Just do it – o atual comandante da Adidas e filho do fundador morreu fulminantemente aos 51 anos. A empresa definhava e outra marca, a Reebok, a ultrapassou também nos EUA.

A participação societária se diluiu entre os filhos e as irmãs do falecido Horst Dassler, culminando com a venda da empresa por US$ 295 milhões de dólares para o francês Bernard Tapie. Mas, numa guerra, a montanha-russa está sempre presente, em uma sucessão de altos e baixos. Na mesma época, o presidente da Nike, Phil Knight, se desentendeu com o seu Diretor Rob Strasser – o mesmo que havia descoberto Jordan – que acabou deixando a companhia junto com Peter Moore, o designer criador dos Air Jordans. No fim das contas, ambos foram parar na Adidas e pilotaram a operação da alemã na terra do Tio Sam.

Knight chegou a chamar o fato de “traição intolerável” e sequer foi ao velório de Strasser, anos mais tarde.

A dupla deu os seus toques a Adidas, buscando se reconectar com a pegada clássica e tradicional que a marca representava, remontando aos primórdios da fundação de Adi Dassler, limitando a paleta de cores das peças, parando de perseguir a Nike e a Reebok com elementos futuristas. A ideia era atualizar seus modelos ao mesmo tempo que apelava aos sentimentos e saudosismos dos antigos fãs. As medidas não surtiram efeito imediato, mas levaram a Adidas a sair do isolamento e se reinventar para continuar relevante.

Após esses episódios, em 1996, a Nike detinha 30% do mercado americano e a Adidas apenas 6%, o que já era um aumento marcante dos 4% de três anos atrás. A partir daí, a Adidas fechou novos acordos com grandes equipes, como o Notre Dame e o Yankees no futebol americano, além de garantir um longo contrato com um tal de Kobe Bryant, que viria a ser o maior jogador de basquete depois de Jordan. A receita da Adidas aumentou de US$ 250 mil dólares no início dos anos 90 para US$ 1,6 bilhão em 1997, uma ascensão gigantesca, ainda que permanecendo bastante atrás da Nike.

Mais tarde, Bryant viria a fechar com a Nike, que ainda contou com LeBron James. Em 2003, a empresa comprou a Converse e sua histórica linha de tênis All Star. Porém, também enfrentou períodos turbulentos nos bastidores recebendo críticas sobre o processo de produção dos calçados nas fábricas da Europa e, ainda hoje, pessoas veem a marca como sinônimo de trabalho escravo e produtos de menor qualidade em relação a marcas como Mizuno e Asics dentro de running.

A Adidas entrou forte nos negócios nos anos 2000, gastando US$ 1,35 bilhão para comprar a francesa Salomon em 2003, que tem uma linha de vestuário para golfe concorrente com a Nike; e em 2005, a Adidas ainda desembolsou US$ 3,8 bilhões para comprar a Reebok. A NBA, que usava Reebok no uniforme de todos os jogadores, agora passou a usar Adidas. Assim, a segunda e terceira maiores marcas do mercado eram de um grupo só, chegando a US$ 11 bilhões em valor de mercado, se aproximando dos US$ 16 bilhões da Nike.

Outros episódios se sucederam desde então, até o que ocorreu com Kanye West e, certamente, muitos outros ainda virão. A corrida aparentemente interminável que já dura mais de meio século, fez as marcas se reinventarem constantemente e entregar produtos cada vez mais inovadores para o mercado.

Em novembro de 2017, 16 dos melhores times de basquete universitários se reuniram em Portland em comemoração aos 80 anos do fundador da Nike, Phil Knight. Era uma homenagem para ele que havia se aposentado um ano antes, o único remanescente da rixa original com Adi Dassler.

“As crianças de hoje estão mais espertas do que nunca e tem certo medo de falhar. Meu conselho é: apenas não tenha medo de falhar”. Disse Knight, que ainda alegava caminhar 20 km por dia.

A corrida pela preferência dos pés americanos é longa e está longe de acabar.


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