A arte de falar em público de Dale Carnegie

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Você provavelmente já ouviu falar do livro “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, certo? Por ainda ser tão falado, talvez o que você não saiba é que ele é de 1936. Tem mais de 80 anos. E talvez você não lembre o nome do autor, que é Dale Carnegie.

Ele não é daqueles que a gente vive trazendo por aqui, formado na Ivy League ou em Oxford, professor, PhD etc. Na verdade é quase o oposto. É daqueles “self-made-men” americanos do meio oeste, que teve uma infância muito pobre, mas foi dando um jeito de fazer seu high school, depois se formar, sempre na maior luta. Começou cedo na área de vendas [coisas simples, porta a porta] e foi se interessando cada vez mais pela habilidade de comunicação e como falar em público.

Até que, sem nenhum tipo de background ou fama, lançou seu primeiro livro em 1915: The Art of Public Speaking. Assim como o seu famoso “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, esse é um livro de referência para muita coisa, até hoje. Na simplicidade de um conteúdo praticamente intuitivo e empírico, cheio de metáforas e ilustrações bem “mundanas”, Carnegie trouxe valiosos aprendizados. Resolvemos resgatar alguns deles aqui.

 

UMA QUESTÃO DE PRÁTICA

Carnegie dá um exemplo fácil de entender, nos lembrando de quando começamos a nadar. E lembrando que o único jeito de aprender foi dentro da água, nadando. Nas primeiras vezes pode dar medo e parecer que você está fazendo tudo errado. Mas com a prática isso vai passando e logo você está ali, nadando.

 Falar em público lhe parece a mesma coisa. A grande dica é se expor a isso, não fugir. E fazer basicamente três coisas: focar-se no assunto que se tem pra falar e nada mais, ter algo que você considere útil e importante ara dizer e projetar o sucesso da sua apresentação, para que você ganhe confiança.

 

ÊNFASE PARA DERROTAR MONOTONIA

Em outro exemplo simples, aqui a metáfora é com a música, primeiro comparando as diferentes formas possíveis de interpretar a mesma canção e depois trazendo o grande inimigo do palco: a monotonia. Assim como a audiência não pode ficar entediada em um concerto, ela não pode ficar entediada em uma apresentação.

Para Carnegie, a grande arma contra a monotonia é a ênfase. Temos que saber como dar ênfase nas partes mais importantes da nossa fala, não só para sublinhar o que as pessoas deveriam entender, mas também para dar variação de ritmo a nossa fala.

Como em um refrão de uma música, tendemos a achar que os momentos principais devem ter a ênfase posta de uma maneira energética, subindo o tom e tudo mais. Mas não é exatamente esse o ponto. A ênfase pode ser dada em qualquer tom. Pode até ser falado ainda mais baixo que o normal, mas acertando nas pausas e criando um momento diferente do padrão da maior parte da sua fala. A questão no fundo é muito mais usar a ênfase para modular o ritmo do que qualquer coisa.

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UMA AUDIÊNCIA UNIFICADA REFORÇA O EFEITO DO DISCURSO

Carnegie tem uma ideia sobre a audiência, ou a plateia, que é bem interessante. Ele entende que quanto mais ela for “unificada”, mais chance sua apresentação tem de criar impacto. Isso significa de alguma forma tentar uni-los, em torno de uma causa, de um assunto, de um dor. Até fisicamente, quanto mais perto as pessoas estiverem umas das outras, mais passam a sensação de serem um corpo único e cria-se um ambiente mais fértil para a proliferação.

Aqui ele dá o exemplo de uma fogueira e como o arranjo dos elementos [gravetos, folhas etc] faz toda a diferença na forma com que o fogo espalha [serve para carvão também].

Na sua plenitude, isso é mais aplicável em ambientes menores como uma sala de aula, em que se tem mais abertura para criar tanto o espaço físico quanto momentos para essa busca de integração. Mas mesmo em ambientes maiores como auditórios, é possível criar pequenos truques para melhorar a unidade do público e potencializar o efeito de sua fala.


PROVOCAR EMOÇÃO NA AUDIÊNCIA É A CHAVE

Imagine duas pessoas que vão fazer um discurso sobre o mesmo assunto: escravidão, na época que acontecia. Um é um político branco, que tem um histórico muito competente na luta contra a escravidão. A outra é uma mulher negra, que está em um leilão de escravos e acabou de ver seu filho sendo vendido.

É meio intuitivo que o interesse de quase todo mundo estaria mais inclinado para a mulher do que para o homem. Porque aquela mulher pode não ter tanto conteúdo teórico sobre o assunto, mas vai falar com uma propriedade e uma emoção que encanta qualquer audiência.

É com esse exemplo [meio pesado] que Carnegie tenta nos trazer para a necessidade da emoção. Um discurso puramente cerebral não vai ganhar o jogo. Storytelling, no limite, é sobre dar significado sobre fatos e ideias. E, como diz o mestre Robert McKee, se ele pudesse enviar um telegrama para todos os roteiristas do mundo, ele diria “significado produz emoção”.

E na visão de Carnegie, isso não é uma questão de criar dramas e histórias comoventes porque sim. A ideia aqui é que de alguma forma você precisa “encarnar” o seu assunto e torna-lo seu a ponto de poder causar esse tipo de emoção.

 

GESTOS PRECISAM VIR DE UM SENTIMENTO GENUINO

 Com uma metáfora meio maluca sobre plantas, Carnegie faz um contraponto interessante sobre linguagem gestual.

De um lado, fala sobre como os gestos que você faz com seu corpo durante uma apresentação precisam ser naturais e vir diretamente das ênfases e da emoção que você está trazendo para o assunto. Por outro lado, fala também como isso precisa ser treinado e ajustado. Muitos dos nossos gestos acabam sendo manias, vícios, tiques. E isso pode trazer muita distração para a audiência.

Aqui, novamente, temos uma questão de prática. Carnegie sugere que nos olhemos no espelho apresentando [hoje em dia eu diria que assistir a uma filmagem faz mais sentido] e buscar reforçar aquilo que parece um gestual que ajuda a transmitir a mensagem e corrigir todos aqueles que parecem manias esquisitas.

Em um primeiro momento, pode parecer uma preocupação que divide seu espaço com o próprio conteúdo em si e as ênfases que são necessárias. Mas com o tempo e a prática, vai ficando cada vez mais natural.

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REFORÇE A FORÇA DO SEU ARGUMENTO COLOCANDO-O A PROVA

Em um dos momentos mais cerebrais do livro, Dale Carnegie foca bastante no pilar fundamental da argumentação. Como ele entende que muito do sucesso de uma apresentação vem da confiança em estar falando algo que faça sentido, há que se ter um cuidado grande sobre os possíveis buracos e furos do seu discurso. Porque esse é o tipo de coisa que a audiência percebe e desmonta o orador.

Então, ele divide o discurso em 4 partes: a questão em pauta, as evidências, a discussão e as inferências. E para cada uma delas, se faz uma série de perguntas que funcionam como testes para ele mesmo entender se há buracos e onde eles estão.

Alguns exemplos. Para o momento das evidências, normalmente são apresentados experts ou estudos. Carnegie nos faz questionar sobre qual a validade dessas fontes? Quem são, por que são boas? E sobre os fatos que elas revelam, são conclusivos ou abertos a debate? Eles suportam ou desafiam uns aos outros?

Tudo isso para você ter segurança do que está falando e de quais as limitações e brechas para aquilo que está tentando construir. Se não sua apresentação vira um castelo de cartas.

Parte da mesma preocupação vem no momento final de inferências. Há que se tomar um cuidado especial para não cair em um no sequitur [conclusões que não se seguem a partir das premissas]. Aqui é ainda pior, porque o final não tem solução: é a última impressão que você vai deixar e não tem volta.

 

USE IMAGINAÇÃO A SEU FAVOR

Por fim, o contraponto à lógica cerebral de seu argumento é a imaginação. Carnegie argumenta que um discurso puramente racional sobre qualquer assunto, ainda que à prova de bala do ponto de vista retórico, não será capaz de capturar a audiência.

O discurso, sim, deve ser sólido, mas ao mesmo tempo precisa conversar com as pessoas de um jeito mais leve, criando imagens na cabeça delas sobre as questões da sua apresentação. E essas imagens mentais vem muito da linguagem figurada, das ilustrações, exemplos, metáforas. Tudo aquilo que pode dar uma concretude mais humana para o que quer que estejamos falando.

As pessoas se entendem muito na base de comparação de situações e um orador habilidoso sabe encontrar as melhores formas de fazer isso. O cuidado aqui é ferir o ponto anterior e começar a virar o rei das anedotas, trazendo conclusões que não se suportam em evidências, mas são plausíveis e fazem sentido. Isso, no decorrer da apresentação, não se sustenta.

Nem 8, nem 80. É preciso achar um “sweet spot” entre a lógica e a imaginação, para entregar um grande discurso ou apresentação.


 Surpreendentemente, mais de 80 anos depois, estão absolutamente atuais as dicas de Carnegie Dale, que podem ser usadas facilmente na nossa próxima apresentação e provavelmente farão grande diferença. As mídias podem mudar, os formatos podem mudar, mas no fim das contas, o ser humano é o mesmo. E o que faz uma boa história dificilmente vai mudar tanto assim. Que aprendamos com os antigos e os novos sobre a arte das boas histórias.