Geração Alpha e as ficções (pseudo) científicas do marketing

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O marketing é realmente algo singular. Sua capacidade de inventar moda é irrefreável. É praticamente um vício por novos conceitos, nomes, tendências. E uma das bolas da vez é a tal da Geração Alpha.

Talvez você já tenha ouvido falar dela, talvez não, mas provavelmente irá de alguma forma, em algum tablóide da vida. Afinal, se tem alguém que é se alimenta da fúria dos modismos de marketing [e também o retroalimenta] é a imprensa.

Bom, antes de mais nada, vamos estabelecer aqui o conceito [?] de Geração Alpha. Segundo Mark McCrindle, da consultoria australiana homônima, são as pessoas nascidas entre 2010 e 2025.

Pelo discurso do próprio pai da criança, o que temos sobre a Geração Alpha por enquanto é que ela será a geração mais tecnológica, educada e rica até agora. Além de ter a maior expectativa de vida e com tendência a famílias cada vez menores. E é isso.

Tentando esticar um pouco mais a corda, Dan Schawbel, autor bestseller, pesquisador colunista da Forbes, arriscou 5 previsões:

1.  Essa será a geração mais empreendedora de todas
2. Eles serão vorazes por tecnologia e não conhecerão o mundo sem rede social
3. Eles comprarão primariamente online e terão menos contatos humanos que as gerações anteriores
4. Eles serão extremamente mimados e influenciados pelos pais
5. Eles serão mais auto suficientes, bem educados e preparados para grandes desafios

Diante do evidente fato de que há apenas obviedades e/ou especulaões em toda essa descrição, dois pesquisadores húngaros tiveram a pachorra de escrever um paper descrevendo a lógica científica por trás das gerações e tentando analisar a tal geração alpha a luz disso.

E o resultado, claro, é que nada disso faz o menor sentido.

Primeiro porque, evocando Mannheim [1969], um grupo etário só pode ser considerado uma geração se ele compartilha atributos característicos, uma consciência própria. Para isso, há três condições: experiências compartilhadas, coesão e atitudes / comportamentos em comum.

Parece uma definição razoável, certo? Agora, pense, como pessoas QUE AINDA NÃO NASCERAM podem ter atributos e consciência própria, poder ter partilhado experiências, serem coesas, com atitudes e comportamentos semelhantes? É, para falar o mínimo, um contrassenso.

Tudo o que foi levantado na descrição [que é quase nada na verdade] é uma pura projeção que extrapola o presente, imaginando que as coisas seguirão na mesma toada, só que com mais intensidade. E, no fundo, toda geração futura é mais tecnológica que a passada. Há muito tempo que o pib per capta global só cresce, então também parece óbvio que eles serão mais ricos. Vale o mesmo para o nível educacional. E assim por diante.

Aliás, uma trivia que diz muito: essa história começou em 2005, com uma pesquisa da McCrindle. Mas a pesquisa não era para identificar características de uma nova geração. Não. Era apenas para ver o que as pessoas achavam que seria o nome mais legal para uma próxima geração. Pois é.

Enfim, mais uma grande espuma do marketing [mais uma!], sem valor científico algum, que não deveria ser comentada como algo sério de forma alguma, como fizeram veículos sérios como a Forbes ou o Business Insider.

Um dos únicos veículos que acertaram foram o NYT, que questionou [médio] essa precocidade de uma nova geração, a Wired, que usou a baboseira para discutir os limites da propaganda infantil. E o Ad Age, mostrando que a ironia às vezes é a melhor resposta.