Entendendo a Miopia de Marketing

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Theodore Levitt é um dos nomes no “panteão” da disciplina de marketing. Tendo feito sua carreira acadêmica na Harvard Business School, editou a HBR durante boa parte dos anos 80 e é tido por muitos como o responsável pela popularização do termo “globalização”, que dos artigos de business começou a se expandir e ganhar toda a sociedade.

Mas talvez sua maior contribuição no sentido de influência do pensamento de marketing e business foi bem antes disso, lá no ano de 1960, quando publicou um dos mais clássicos papers da área, entitulado “Miopia em Marketing”.

Nesse paper, ele faz uma leitura muito perspicaz sobre como as empresas e seus executivos percebem seus próprios negócios de forma estreita e como isso pode ser literalmente fatal no longo prazo. Empresas que não conseguem perceber o mundo mudando à sua volta, a sua posição no mundo, no ambiente competitivo e, especialmente, que não conseguem perceber as necessidades dos seus consumidores e as suas mudanças ao longo do tempo.

Em essência, é um artigo que clama para um olhar cosumer-centric, que defende a ideia de que o único jeito de continuar tendo um negócio saudável e longevo é não parar de se perguntar “o que o meu consumidor PRECISA?”.

No fundo, é um grande embate – dos mais antigos possíveis em business – entre vendas e marketing. Vendas está sempre preocupado com o “mais”. Mais produção, mais ofertas, mais clientes, mais faturamento, mais lucro. E não tem nada de errado com isso. Desde que esse ímpeto não nuble a sua visão e não tire seu foco do que realmente importa, que são as pessoas do outro lado, que fazem tudo isso acontecer, colocando seus recursos no valor que a empresa tem para lhe oferecer.

Por isso, a defesa de Levitt é que uma empresa precisa encontrar o seu propósito no mercado de maneira mais ampla, entendendo como ela pode atender a uma necessidade das pessoas. Mas não uma necessidade específica e circunstancial, mas sim algo maior, mais perene, mais fundamental.

Ele usa muito o exemplo do mercado de trens, nos anos 60, dizendo como companhias faliram ou estavam a beira da falência por ter uma visão estreita. As pessoas nunca precisaram especificamente de trens. Elas sempre precisaram se deslocar.

Um dia não houve trem e elas se deslocavam. Em certo momento, o trem era a melhor coisa possível para alguns tipos de deslocamento e essa indústria crescia muito. A ponto de deixar seus executivos míopes para o fato de que a maneira de se deslocar, via trem, poderia passar. Como passou, pelo menos em termos de ser o meio de transporte majoritário.

Se esses executivos conseguissem não pensar tanto em vendas de passagens de trem e olhassem de forma mais ampla para a necessidade de deslocamento e mobilidade das pessoas, poderiam ter liderado a inovação por novas formas de deslocamento, entendendo-se como empresas de mobilidade e entregando sempre as maneiras mais eficientes das pessoas se locomoverem, de acordo com a evolução da sociedade e da tecnologia. Mas, não, elas continuaram vendendo passagens de trem. E faliram.

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Esse é um exemplo significativo no artigo de Levitt, porque o que ele pontua muito é que talvez o ambiente mais fértil para a miopia seja o de indústrias em crescimento. Quando o mercado delas está bombando, crescendo a duplo dígito etc., perde-se a necessidade de pensar no negócio de maneira mais ampla. Ninguém para para questionar algo que está tendo tanto sucesso. E isso é meio caminho andado para o fracasso no longo prazo.

Empresas nesses setores de crescimento não conseguem perceber muitas vezes que elas estão tendo sucesso ao atender um desejo das pessoas com uma solução que certamente é momentânea. Então, como o trem é a melhor maneira vigente de se locomover, a ideia é produzir trens cada vez mais rápidos, mais confortáveis, com mais autonomia etc. É uma corrida por P&D para melhorar o produto e atender melhor a necessidade do cliente dentro daquela solução específica.

Porém, é fato que as coisas mudam, a tecnologia avança, a sociedade questiona alguns paradigmas, as próprias necessidades se transformam. E de repente trem não é a melhor maneira de atender a necessidade de deslocamento das pessoas. Mas sua empresa só sabe fazer trens, porque se especializou gigantescamente nisso. E agora não tem mais volta.

Você deve estar pensando em exemplos que ficaram clássicos nesse tipo de perspectiva, como Kodak e Blockbuster. E você está pensando certo. São dois exemplos muito contemporâneos de empresas que não conseguiram perceber a tempo em que business estavam, que propósito mais amplo deveriam ter e que necessidade fundamenta dos clientes elas atendiam.

Uma se especializou largamente no serviço de locação, apostando todas as fichas em conveniência e serviço. Não entendeu que estava atendentendo a necessidade de entretenimento das pessoas. Com a evolução da tecnologia, chegou alguém com uma forma muito mais interessante – e conveniente, veja só – de atender essa demanda. E ela sumiu do mapa.

A outra se especializou totalmente em suprimento para fotografia, produzindo os melhores componentes, entre eles o motor de qualquer câmera, que eram os filmes. Ela não percebeu que estava no business do registro visual, ou até do registro, ponto. De repente, o mundo mudou e alguém atendeu muito melhor a necessidade das pessoas registrarem visualmente seus momentos, documentos ou o que quer que seja. E a Kodak só sabia fazer filmes para câmeras. E sumiu do mapa também.

O paper de Theodore Levitt está fazendo quase 60 anos e conseguiu ter impacto à época em muitos negócios, como o de petróleo. Muitas companhias começaram a se enxergar como negócios de energia e não só de uma maneira [finita, aliás] de gerá-la.

E mesmo 60 anos depois, esse pensamento não poderia ser mais atual, em um momento em que mudança é o nome do jogo. Porque a mudança é a regra, numa velocidade maior do que nunca. Hoje, não tem nenhuma chance a empresa que não conseguir entender seu propósito existencial de forma ampla na perspectiva das necessidades fundamentais das pessoas. E ela vai acabar muito mais cedo do que Kodak ou Blockbuster, que agonizaram por um longo período. Agora a mudança é da noite para o dia, assim como a falência também será.