Faz sentido o Balanced Score Card?

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Como não acontece poucas vezes por aqui, a resposta é dupla e ambigua: faz sentido e não faz sentido. Ou melhor, tem alguns grandes valores e alguns grandes problemas – como quase todo framework que se propõe a “resolver a vida”. Mas vamos lá.

Foi em 1992 que o professor de Harvard Robert Kaplan e o executivo David Norton escreveram o artigo chamado “The Balanced Scorecard—Measures that Drive Performance”, o texto original que introduziu o popular Balanced Scorecard. E foi daqueles artigo que “mudam tudo”. Hoje, 50% das 1000 princpais empresas da Fortune declaram usar o BSC.

É uma ferramenta largamente implementada para guiar a gestão estratégica das empresas, de forma mais concreta, baseada em métricas ao melhor estilo “if you can’t measure, you can’t manage” de Peter Drucker.

Apesar de haver muita teorização sobre o conceito, não é muito complexo entender do que se trata o Balanced Scorecard. Ele é um composto de 4 áreas [ou perspectivas, nos termos originais] fundamentais pelas quais uma empresa deveria se orientar estrategicamente. Cada uma delas acompanha uma pergunta que deve ser respondida pelos executivos:

Perspectiva Financeira: como nós estamos ao olhar dos shareholders?

Perspectiva do Consumidor: como os clientes nos enxergam?

Pespectiva Interna do Negócio: no que nós devemos nos destacar?

Perspectiva de Inovação e Aprendizagem: nós conseguimos continuar crescendo e gerando valor?

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Como mostrado no diagrama orignal do artigo, a ideia do Balance Scorecard é transformar essas perspectivas em objetivos específicos e em indicadores mensuráveis a partir deles. No final das contas é para ser um “scorecard” mesmo, repleto de métricas que devem ser acompanhadas para entender o sucesso [ou não] de uma empresa no tempo.

Na visão de Kaplan e Norton, a boa gestão e a boa condução de um processo estratégico partiria desse olhar ampliado para diferentes perspectivas, mas específico dentro de cada uma delas em termos de objetivos e indicadores. Medidos com rigor e consistência, traria padrões de ação acionáveis para as equipes, que evoluiriam naturalmente suas empresas.

Tem um vídeo da série “The Explainer” na Harvard Business Reveiw que conta essa história rapidinho, aplicando um exemplo de uma empresa fictícia de semi condutores, que foi utilizada como ilustração no artigo de 1992 também.

Bom, tudo isso posto, o que faz e o que não faz tanto sentido sobre o Balanced Score Card, aos nossos olhos?


FAZ SENTIDO: AMPLIAR A VISÃO

Talvez o principal valor de todo o Balanced Scorecard seja a motivação inicial de Kaplan e Norton. Na visão deles, as empresas eram excessivamente geridas a partir de dados financeiros, do ponto de vista dos indicadores que geram mais valor para os acionistas.

Apesar de eles reconhecerem a importância vital desses indicadores, se incomodavam com o fato de serem o guia majoritário – e muitas vezes o único mesmo. No artigo de 1992 eles fazem uma ilustração interessante:

For the complex task of navigating and flying an airplane, pilots need detailed information about many aspects of the flight. They need information on fuel, air speed, altitude, bearing, destination, and other indicators that summarize the current and predicted environment. Reliance on one instrument can be fatal. Similarly, the complexity of managing an organization today requires that managers be able to view performance in several areas simultaneously.

E realmente faz sentido: não há como olhar uma organização de um ponto de vista, confiando apenas dele para dizer o que é sucesso ou fracasso. Até porque, em especial, as métricas financeiras precisam de explicações para terem determinado comportamento e é nessas exlicações que é possível tomar uma ação concreta de mudança. O padrão de ação raramente vai estar em algo puramente financeiro.

E é daí que vem o termo “Balanced”. É a ideia de equilibrar a perspectiva financeira com outras 3 no mínimo, para que se entenda a gestão e a estrategia da empresa de uma maneira mais “holística”, para usar a palavra da moda.


NÃO FAZ SENTIDO: VISÃO FRAGMENTADA SOBRE ESTRATÉGIA

Há uma noção – infelizmente bem estabelecida – de que estratégia se dá no emaranhado de objetivos, metas e ações. Como se a arte de fazer estratégia estivesse na complexidade de como se organiza esses diversos aspectos diferentes de um negócio.

E essa é uma visão que refutamos muito na Sandbox. Na nossa concepção, estratégia não é sobre nenhum tipo de organização ou sistematização. Estratégia é sobre fazer escolhas e apostas, mediante um conjunto de recursos, sobre como ganhar um jogo.

E esse visão é apoiada por muitos teóricos da própria Harvard Business School, como o professor Roger Martin, autor de grandes livros coo Playing To Win: How Strategy Really Works e Creating Great Choices.

Então, no fim das contas estratégia é sobre oferecer uma visão clara e unificada sobre como ter sucesso em um mercado. E isso requer não fragmentação, mas unidade.

E o Balanced Scorecard de alguma maneira vai na exata contramão disso. No exemplo fictício usado no artigo de Kaplan e Norton, conta-se 15 objetivos e 17 métricas espalhados pelas 4 dimensões que a metodologia traz.

De nenhuma forma isso consegue oferecer uma visão clara sobre onde a empresa está indo e que aposta ela está fazendo para vencer o jogo dos seus concorrentes.

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FAZ SENTIDO: ÍMPETO POR MENSURAÇÃO

Além da intenção de ampliar a visão, o segundo grande mérito do Balanced Scorecard é que ele traz à tona nas empresas a necessidade de implementar sistemas de mensuração, criando e alimentando constantemente indicadores de performance, nas perspectiva que já comentamos de ser um “scorecard” de fato.

Isso é realmente louvável. E não só pelo óbvio de que é importante avaliar a performance das empresas para entender como elas estão indo, o que precisam mudar e como vão fazer isso. Mas sobretudo pela lógica de que os indicadores não são colocados à priori. Primeiro entende-se quais objetivos são importantes, para depois definir quais métricas serão acompanhadas a partir disso.

Nesse sentido, o Balanced Scorecard evita que caiamos no famoso “Streetlight effect”, ou seja, medir a performance a partir dos dados que já temos disponíveis e não dos necessários. Como um sujeito que está procurando suas chaves do carro bem debaixo de um poste com luz. Não necessariamente porque ali que ele perdeu as chaves, mas porque ali está iluminado e ele consegue enxergar.

NÃO FAZ SENTIDO: DIMENSÕES ARBITRÁRIAS

Como dito no começo, as perspectivas do Balanced Scorecard são a financeira, a do consumdor, a interna de negócios e a de inovação e aprendizagem. Muito bem. A pergunta que fica é: por que essas? Por que não há uma dimensão de fornecedores / cadeia? Por que não há uma perspectiva mais específica de Recursos Humanos? Por que não uma perspectiva de cultura? Por que não uma perspectiva de canais?

Não que essas perspectivas listadas sejam necessariamente importantes, melhores ou piores do que as escolhidas pelo BSC, mas a questão que se impõe é uma certa arbitrariedade em considerar que nessas quatro perspectivas você irá necessariamente cobrir todas as questões relevantes para o seu negócio e sua estratégia

Do ponto de vista acadêmico, há sérios questionamentos tanto sobre a validade teórica dessas dimensões quanto da falta de aplicação empírica. Claro que hoje muitas empresas usam e há cases à beça. Mas em 1992 quando o artigo foi publicado, era em cima de um exemplo fictício, de um exercício [apesar deles mencionarem que usaram em 12 empresas, mas sem citar nada mais concreto do que isso].

No fim, esse é o mal de todo framework sobre estratégia, que tenta sistematizar questões muito complexas e muito particulares em poucas caixinhas que dão a sensação de conforto sobre estar cobrindo todas as bases, não deixando pontos cegos ou seguindo algo consagrado que te dá a segurança de estar fazendo a coisa certa.

Mas a realidade é que definição de estratégia, objetivos, métricas etc. deveria ser algo completamente personalizado, caso a caso, considerando o que é importante em determinado contexto específico. Mas isso não é interessante para as consultorias, que só ganham escala quando colocam frameworks para rodar.


Por mais que o Balanced Scorecard tenha boas virtudes – especialmente nas suas intenções de ampliar o campo de visão e mensurar sistematicamente, a priori – ele leva a erros bastante críticos do ponto de vista do desenvolvimento de uma estratégia.

A verdade é que estratégia é algo muito complexo para ser enquadrado em tão pouca coisa e raramente qualquer esquema de caixinhas esquematizadas vai dar conta de guiar as pessoas para o caminho de definir uma visão clara e uma aposta do que vai ganhar o jogo para suas empresas.

O BSC pode funcionar cComo uma ferramenta de gestão, que cria um card único com poucos e bons indicadores que devem guiar a empresa. Agora, como ferramenta de desenvolvimento de estratégia, nos parece bastante frágil, para dizer o mínimo.