Quando pensamos que estratégia tem tudo a haver com traçar caminhos através da incerteza, fica fácil entender o porquê de ser um exercício tão abstrato: pensar em estratégia é pensar em cenários e alternativas num ambiente controlado antes de os trazer para o mundo real.
Todas as estratégias nascem no abstrato. Muitas acabam também morrendo por lá.
Não é raro ouvirmos dizer que bons estrategistas escrevem bem. A escrita é uma das rotas de fuga para boas ideias e uma ferramenta essencial.
Sobre este tema, tem circulado um artigo, do Martin Weigel, Head of Planning da W+K Amsterdan, entitulado “Strategy Needs Good Words”. O artigo começa assim:
No final de contas, estratégia é a arte de conseguir que outras pessoas façam algo
Evidentemente que para fazer outras pessoas fazerem o que queremos, precisamos ser capazes de as convencer. Boas palavras são uma ponte possível. A outra são imagens.
Visualizar estratégia é um super-poder
“If your ideas can’t be drawn, they can’t be done”. Quem disse isso foi o pessoal da Xplane, uma empresa que tem um negócio tão sensacional quanto o nome: eles ajudam empresas a navegar os seus momentos e projetos mais importantes através de desenhos e pensamento visual. Os truques não são ilustração ou infográficos. O que a Xplane faz é utilizar desenhos para tornar óbvio o que era invisível. O resultado final pode até ser retocado, mas a centelha nasce de rabiscos exploratórios, toscos e bastante democráticos.
A estratégia mais incrível, completa e razoável não tem qualquer chance de existir se não for comunicada da forma correta. A forma correta quase sempre tem um componente visual. Sabemos disto quando criamos decks, transformamos tabelas em gráficos e montamos storyboards.
Para um estrategista saber rabiscar pode ser uma ferramenta tão poderosa quanto a capacidade de escrever bem.
Rabiscar tem duas vantagens aparentemente contrárias:
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Rabiscos sintonizam cérebros em torno de uma ideia e;
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Rabiscos estimulam diversidade de perspectivas.
No fundo é evidente: quando Dani explica uma ideia para Cris, essa ideia vive em ambas as mentes. Se a explicação for linear, como um texto ou apresentação, há um caminho para a compreensão. Mas quando a explicação é visual, os trilhos da interpretação são arrancados e Cris pode explorar a ideia a partir de qualquer ponto. E assim, a partir de algumas premissas compartilhadas são geradas inúmeras novas interpretações. O desenho criou um ponto de partida comum, mas não limitou os destinos possíveis.
Dave Gray é um expert desta fronteira entre criatividade, estratégia e inovação. Já escreveu alguns livros interessantes sobre esse universo dz que:
Informação verbal é abstração, é vaga and emocional. Reforça as perspectivas já presentes e é explorada de forma individual. Informação visual é concreta e interpretada numa lógica de reconhecimento de padrões. A exploração é em grupo e a colaboração mais natural.
Linguagem visual é o Esperanto das organizações
Uma das vantagens do perfil generalista de muitos estrategistas é conseguir integrar diversos pontos de vista em uma estratégia comum. Essa capacidade nunca sairá de moda para a nossa área. Mas ela encontra limites em projetos complexos, onde os saberes necessários são tão especializados que trabalhar em grupos diversos passa a ser fundamental.
Explorar ideias por escrito, juntamente com outras pessoas, ao mesmo tempo é praticamente impossível. A limitação não é de tecnologia, mas da própria lógica linear do texto ( ou mesmo da apresentação ). Desenhar junto, no entanto, é a coisa mais antiga do mundo.
Na prática isto pode acontecer de muitas formas, desde o desenho no guardanapo (um clássico da mitologia da criatividade em negócios) ao quadro branco na sala de reuniões ou algum template como um canvas específico. O mais importante é encontrar uma forma de dar forma a ideias incompletas, mas que podem ser melhoradas por outra pessoa.
“Bacana, mas eu não sei desenhar.”
Não importa. É verdade. Não é sobre desenhar, é sobre pensar com uma caneta na mão.
Na nossa cultura visual nos habituamos a consumir imagens altamente polidas e acabamos não percebendo que todas elas começam com traços imperfeitos. Também nos habituamos a associar expressão visual com arte e não sendo artistas, não nos sentimos confortáveis desenhando. Reconhecendo isto, podemos avançar e aproveitar as vantagens de desenhar nossas ideias.
Existem 3 ideias básicas para perder o medo:
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Confiança é um músculo que pode ser desenvolvido. Não é uma boa começar já atacando o flipchart na frente de todo o mundo na primeira reunião de briefing. Mas aquelas anotações com uns esquemas tortinhos mas honestos, lá no caderno? Faz mais disso. Vai mostrando a alguns colegas durante as discussões.
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Pode usar o caderno, mas se está com peninha de estragar o moleskine, usa folhas sulfite. Podem ser mesmo as de rascunho. Como o mais importante é a forma como o rabisco melhora a cognição coletiva, até usar um pau para riscar na areia do chão funciona. As ferramentas querem-se usadas, sujas e com histórias para contar.
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É possível criar infinitas possibilidades a partir de um número limitado de ingredientes. O mesmo acontece com o rabisco de ideias: algumas noções básicas, uns círculos que se intersetam, umas pirâmides e matrizes e já temos o começo para ajudar com uma grande variedade de ideias e briefings.
Desenhar estratégia é o que fazemos há mais tempo
Muito frequentemente a ideia de criatividade aplicada às organizações é apresentada como algo diferente do habitual, algo supostamente novo (apesar de se falar disto há décadas ). Na verdade, historicamente a direção é a oposta: primeiro veio a capacidade de visualizar ideias, depois passamos a conseguir trabalhar e caçar em grupos maiores. O natural é desenhar junto, não fazer .PPTs.
Um artigo fascinante da Quartz nos oferece esse trecho:
“[…] alguns dos primeiros Homo sapiens foram os pioneiros na utilização do poder da visualização para o sucesso. Essa é uma técnica utilizada hoje em dia por atletas de topo e outros profissionais para tangibilizar resultados desejados. A capacidade de desenhar e de caçar à distância separaram os Homo sapiens dos seus predecessores, os Neandertal, que habitaram a Eurásia e caçavam mas não desenhavam.”
Conseguimos um salto evolutivo há milhões de anos atrás quando começamos a pensar e colaborar visualmente e não podemos parar de continuar evoluindo nesse sentido. Nossas estratégias agradecem.