Ken Robinson e a origem da nossa caretice

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Sir Ken Robinson é daquelas admiráveis pessoas que têm uma bandeira e a defendem. E a dele é das mais relevantes possíveis: educação. Mas não a necessidade de levar educação a todas as pessoas. Mas a noção de que a forma como se educa precisa mudar radicalmente. Estruturalmente. Filosoficamente. E sob uma perspectiva que nos interessa demais por aqui: a criatividade.

Com uma longa carreira em educação, foi feito cavaleiro pela rainha da Inglaterra, por seus enormes serviços prestados ao reino dentro dessa temática.  

Resgatamos aqui sua famosa palestra de 2006 no TED Talks, a primeira disponibilizada em vídeo, aliás. Ali em menos de 20 minutos ele expõe de maneira clara e bem-humorada muitas das suas ideias sobre como a educação deveria favorecer a criatividade e não a cercear.

Hoje temos dificuldade para encontrar gente efetivamente criativa, especialmente no mundo corporativo. E isso, segundo Robinson, tem um motivo estrutural na forma como fomos educados.

Picasso dizia que toda criança nasce artista. E que o grande problema é continuar sendo artista quando se vira adulto. As crianças têm capacidade natural para a inovação, porque, em dado momento, ainda não sofreram toda doutrinação cartesiana da educação.

As crianças não têm medo de estarem erradas, por isso conseguem enxergar aquilo que ninguém consegue. Na palestra, Robinson conta uma história maravilhosa de uma menina que estava desenhando no fundo da sala o que, segundo ela, seria a “imagem de Deus”. Quando a professora, careta como todos nós, interpelou-a dizendo que ninguém sabe qual é a imagem de Deus, ela respondeu: “ah, vocês saberão em um minuto”.  

Claro que Robinson pontua que estar errado não é a mesma coisa de ser criativo. Mas todo o ponto é que se não estivermos preparados para estar errar, nunca inventaremos nada original. O novo é um tiro no escuro e está sim sujeito a erros. E tudo bem.

Mas nós adultos temos medo de errar. As empresas são conduzidas dessa maneira, punindo erros com broncas, restrições e, no limite, demissões. Na própria escola, na educação básica, um erro é quase a pior coisa que você pode cometer. É preciso acertar. E tudo isso vai roubando o olhar criativo das crianças, que se moldam em torno daquilo que elas precisam saber, precisam acertar.

Robinson é preciso ao dizer que nós não crescemos para a criatividade, mas sim para fora dela. Pior ainda: somos educados para fora dela. 

E o pior é que isso é algo estrutural. Segundo ele, todo lugar no mundo tem a mesma estrutura hierárquica de educação: primeiro, matemática e linguagem. Depois, humanidades. E, lá embaixo, artes. Mesmo dentro das artes, música e artes plásticas são mais importantes do que teatro e dança. É como se fosse um grande ranqueamento dos conhecimentos universalmente mais importantes. Para todo mundo.

Mas, Robinson nos faz pensar: por que não se ensina dança da mesma maneira que se ensina matemática? Com a mesma importância, o mesmo método, o mesmo rigor, o mesmo espaço? Na visão do educador, todos nós temos um corpo, mas o foco da educação é o cérebro. E praticamente só um lado dele. 

Mas ele explica que a estrutura do sistema de educação pública nasceu no século XIX, para atender às necessidades da industrialização, com base na ideia de que os temas principais que estão no topo [matemática e linguagem] são os mais úteis para se arrumar um emprego na indústria. E é para isso que a educação serve no fim das contas.

E nessa esteira, o que Robinson chama de “habilidade acadêmica” acabou moldando o nosso conceito de inteligência. Quem sabe a matéria é inteligente. Quem decora as fórmulas, lembra das datas. A capacidade de compreensão e memorização de um determinado conjunto de informações acabou sendo definida como inteligência.

Mas, na prática, e por maluco que pareça, isso só serve para alimentar uma lógica acadêmica. Tudo gira em torno de como se entra em uma universidade, do tipo de conhecimento necessário para se passar em um vestibular.

A consequência é que muita gente brilhante e inteligente acha que não é, por não ter esse tipo de habilidade acadêmica. Ou porque as coisas que elas gostavam na infância não eram valorizadas ou eram até estigmatizadas. E porque não vão gerar um bom emprego. Aí não são nem ensinadas.

Porém, pensando na realidade de hoje, essa habilidade acadêmica já não está fazendo lá muita diferença nem no mercado de trabalho. Robinson conta como no seu tempo, uma pessoa que tivesse uma formação teria um emprego. Se não tivesse era porque não queria.

Hoje, segundo a UNESCO, até 2036 mais pessoas serão graduadas do que em toda a história. E se todo mundo tem graduação, o que fica importante é a pós-graduação, os MBAs, doutorados etc. Em uma lógica de inflação acadêmica sem fim, como se isso fosse o mais importante que alguém pudesse fazer pela sua inteligência.

Um dos momentos mais marcantes da palestra é quando ele conta do almoço que teve com a dançarina Gillian Lynne, questionando-a como ela descobriu seu talento para dança. E ela conta a história de como ela era uma criança considerada problemática na infância, que estava com as lições sempre atrasadas, não conseguia se concentrar nas aulas, tirava notas baixas. Eis que sua mãe a levou a um psiquiatra e ela ficou ali parada ouvindo a mãe contar de todos os seus problemas ao médico. Quando terminou, o médico pediu licença para falar a sós com a garota. Ligou o rádio da sua sala e saiu para encontrar a mãe. E os dois ficaram observando a menina, com seus pés acompanhando todo o ritmo da música, dançando sem parar. Eis que o médico vira para a mãe e fala: sua filha não está doente, ela é uma dançarina. Coloque-a em uma escola de dança.  

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Corta a cena, a menina estudou dança, se formou na Royal Ballet School em Londres, criou as coreografias de algumas das maiores produções musicais da história como Cats e Fantasma da Ópera e hoje é multimilionária. Por praticamente um golpe de sorte de alguém que teve sensibilidade para a sua educação. Quando ali na posição do médico não teriam simplesmente dado um remédio para ela se acalmar?

Estamos vivendo em um mundo que muda super rapidamente, que é muito difícil saber como as coisas vão ser nos próximos 5 anos. Mas o que dá para continuar tendo certeza é que a nossa capacidade criativa e imaginativa que vai trazer as soluções para o que quer que aconteça.  

Robinson encerra a palestra dizendo que a nossa única esperança para o futuro é adotar um novo conceito de “ecologia humana”, em que redefinimos nossa noção da riqueza da nossa própria capacidade. O sistema de educação precisa parar de nos prepara como se estivéssemos atrás de uma única commodity, do conhecimento acadêmico padronizado. No futuro, isso não vai nos servir para lidar com um mundo cada vez mais complexo.

Nosso papel é educar as crianças para não só verem o futuro – porque isso elas já talvez façam melhor do que nós – mas para saber lidar com ele de uma maneira que explore todo seu potencial.

E, para nós mesmos, já como adultos, é urgente que tentemos nos reprogramar, para termos uma cabeça que se emancipa dessas estruturas da habilidade acadêmica. Que ressignifique nossa noção de inteligência e nos forçando a conhecer coisas novas, explorar nossas habilidades naquilo que realmente gostamos. E que aposte em uma criatividade mais inocente, que nos permita errar para aprender.