As estratégias no xadrez dos streamings

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Streaming hoje é um dos segmentos mais quentes do mercado de entretenimento. Ou do mercado de forma geral. Há cada vez mais players entrando, cada vez mais dinheiro sendo investido em produção original, cada vez mais spin-offs de grandes franquias e IPs [Senhor dos Anéis pela Amazon, Star Wars pela Disney, Watchmen pela HBO] e cada vez mais big shots da indústria fazendo parte, vide a carteirada recente da Netflix com um longa dirigido por Martin Scorcese e estrelado por Al Pacino e Robert De Niro, que nem foi lançado e já é falado como um candidato ao Oscar. Quente é pouco, esse caldo está fervendo.

E nesse agito todo, do ponto de vista de negócios, a grande guerra é pelo espaço no bolso das pessoas. Não é claro ainda o quanto esse bolso é elástico para streamings, mas é fato que ele tem um limite e ele não vai chegar nem perto de abarcar todas as opções do mercado. Sobrarão poucos e bons que se consolidarão como aqueles que ninguém pode deixar de ter, porque produzem um conteúdo que além de excelente e diverso é popular, está na boca do povo.

E aí essa guerra toma muitas proporções, em muitas frentes, com muitas movimentações. Para quem gosta de estratégia, é um prato cheio de acompanhar. Quase tão bom quanto os próprios conteúdos que eles produzem. Até porque ler e entender esse cenário tem muito a nos ensinar. Vamos olhar aqui para 4 players para tentar montar esse tabuleiro.


NETFLIX: O REI

A Netflix é indiscutivelmente a dona do jogo hoje. Tem uma penetração de mais de 80% entre os consumidores de streaming. É a vantagem de ter sido a pioneira e entendido rapidamente que o nome do jogo era conteúdo original. Hoje ela sozinha produz mais de 60% de toda produção de conteúdo original para streaming.

E, além disso, do ponto de vista de tecnologia, também está bem à frente dos seus concorrentes. Nenhum streaming tem uma plataforma tão bem feita, com um sistema de compressão de vídeo tão bom, que resiste às piores redes, com um sistema de recomendação tão certeiro e uma experiência tão smooth.

Além do pioneirismo, que também ajuda a garantir isso, a Netflix tem outra vantagem competitiva, que é o foco. Nenhum dos outros grandes concorrentes como Amazon e HBO tem seu foco completo no business de streaming. Até o Hulu, que é mais “puro sangue” em streaming tinha outro modelo, outros focos.

O resultado de tudo isso é o maior NPS da categoria disparado e, especialmente, um número valiosíssimo nessa guerra: enquanto pelo menos 60% das pessoas que tem um dos concorrentes da Netflix possuem também outro streaming, 80% das pessoas que tem Netflix tem apenas ele como assinatura.

É isso que permite com que a marca possa subir consistentemente seus preços, ano a ano, perdendo muito pouco de seu share por conta disso. A realidade é que está bem complicado de derrubar o rei nesse tabuleiro.

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AMAZON E APPLE: OS BISPOS

Amazon talvez seja a concorrente de maior peso hoje para a Netflix, em muitos aspectos. E a Apple está chegando agora na festa, mas já com um bom cartão de visitas. Apesar de só a cronologia as fazerem parecer diferente, elas estão juntas aqui na nossa organização porque sua estratégia é basicamente a mesma.

São duas empresas que não tem seu core-business no entretenimento ou na produção de conteúdo. Apesar das duas terem diversas linhas de faturamento, a Apple em essência é uma empresa de hardware e a Amazon é um e-commerce. E isso muda tudo em relação à motivação delas para estarem nesse jogo.

Muito mais do que ser um negócio lucrativo que vale a pena entrar, o streaming para Apple e Amazon funciona como uma espécie de “proteção” dos seus core-business.

Para a Apple, o próprio CEO Tim Cook afirmou no lançamento da Apple TV Plus que o serviço era um presente para os seus consumidores de iPhones, MacBooks, iPads etc. E é mais um presente, na verdade, de uma série que já contava com Apple Arcade, para games, Apple News Plus, para informação e Apple Music, competindo com Spotify, Deezer etc.

Só que a intenção por trás desse presente é bem clara: criar uma avenida dentro de todo o ecossistema da maçã. Isso vem desde o iPod, quando a Apple percebeu a importância de não só oferecer o hardware, mas as próprias músicas, criando uma grande loja virtual como o hoje já falecido iTunes.

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A estratégia fica bem clara quando se olha para o preço do serviço. Por U$5 por mês [menos de um terço do preço da versão premium da Netflix] você tem acesso ao streaming da Apple. E se você comprar um gadget ainda tem um ano grátis. Pensando no alto investimento de produção contido nesse jogo de streaming, se fosse só isso, a conta não fecharia.

E a Amazon segue na mesmíssima toada, na verdade até antes da Apple. Para vender seu Amazon Prime, assinatura do e-commerce que dá frete grátis e mais rápido em muita coisa da loja, a Amazon “dá” para as pessoas a assinatura não só do seu já famoso streaming de vídeo, como também um serviço de música e um de livros. Com isso, cada vez mais gente está dentro da Amazon, cada vez mais amarrado a comprar lá, já que há um benefício que não existe em nenhum outro e-commerce.

Agora, claro que essas coisas podem vir a representar business auto sustentáveis e sejam parte do futuro dessas companhias. A Apple vem perdendo faturamento em sua linha de hardware e a soma de todos os seus serviços [que aí incluem iCloud, Apple Pay, App Store etc.] já representam 20% do faturamento de uma das empresas mais valiosas do mundo.

A Amazon vem tendo um sucesso real com seu streaming, inclusive do ponto de vista artístico. Já teve filme indicado ao Oscar como Manchester By The Sea, vencedor e Emmy como Fleabag e The Marvelous Mrs. Maisel. E agora, como já citamos, se prepara para lançar um spin-off de Senhor dos Anéis em série. Virou uma competidora de respeito e não só um negócio paralelo do e-commerce.

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Além disso, o fato de hoje custar muito barato não significa que será sempre assim. Hoje Amazon e Apple estão claramente rasgando preço para conquistar uma base grande de assinantes. Mas na medida em que os serviços forem se tornando relevantes, podem se arriscar em um aumento de preço gradual, para criar um business mais sustentável e bater mais de frente com a Netflix. Não vai acontecer tão já, mas é um caminho bem possível e até natural. Ninguém entra com tantos milhões para perder.

Em um tabuleiro complexo como esse, os bispos vem comendo pelos lados e toda atenção a eles é pouca.

DISNEY, A [POTENCIAL] RAINHA

A mais nova, badalada e aguardada peça nesse xadrez certamente é a Disney, com seu Disney+. Um serviço anunciado oficialmente há cerca de um ano e que está para ser lançado nesse novembro, mas que faz parte de um movimento que começou lá em 2016 com a compra de uma porção minoritária, que um ano depois se tornou majoritária, da BAMTech, de olho em se apropriar de alguma tecnologia de streaming.

A Disney, ao contrário da Amazon e da Apple tem no seu core business o entretenimento. E mais especificamente ainda, a produção de conteúdo em audiovisual, notadamente o cinema. Para ela, é um passo muito mais natural entrar em streaming, apenas como mais uma forma de distribuição de seu conteúdo.

E, claro, como um movimento que antecipa e se protege de uma eventual derrocada do cinema, que já vem acontecendo e talvez se aprofunde nos próximos anos. O que mais espanta na verdade é o longo tempo de reação sobre um movimento que é quase óbvio para a firma do Mickey.

O trunfo da Disney nesse mercado é tão óbvio quanto suas motivações para a entrada. Ela tem uma infinidade de catálogo e IPs valiosíssimas acumuladas ao longo de quase 100 anos e, recentemente, de muitas aquisições como a Pixar, a Marvel Studios, a Lucas Films e a gigante Fox. Soma-se tudo isso e a Disney tem nas mãos dois terços dos blockbusters da cultura pop mundial.

Isso é muita, muita coisa para um serviço de streaming. Porque você não só larga com um catálogo que ninguém mais tem como tem um mar de oportunidades de criar conteúdos originais em cima de IPs que as pessoas amam e não podem deixar de acompanhar. Imagine você fã de cultura pop vendo sair uma série de Star Wars ou de personagens major da Marvel. É praticamente impossível não tirar uns dólares do bolso mensalmente para dar para a Disney e poder assistir. É uma bala na agulha para poucos.

Em termos de negócio, as movimentações no tabuleiro também são claras. Vai começar com um preço também mais baixo, de U$7 [quase metade do plano básico da Netflix], como um sinal de respeito ao rei e para acumular base. Recentemente, fez um movimento inteligente, associando-se a um adversário para ferir o outro. Enquanto a Disney+ não chega na América Latina, o catálogo em streaming das propriedades da Disney será exibido na, vejam vocês, Amazon. É um jeito das pessoas poderem ter um gostinho do catálogo monstro da Disney e da Amazon ter mais um motivo para conquistar clientes. Todos tentando tirar um pouco de sangue da Netflix.

A Disney tem tudo para ser a rainha desse tabuleiro. É um conhecido rolo compressor desse mercado de entretenimento e com armas e possibilidades de jogadas que poucos poderão ter.

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A guerra está aberta, está rolando e os próximos capítulos prometem demais. Porque além desses todos ainda temos gente graúda como a HBO e o Youtube. Opções interessantes como o Hulu [também da Disney]. E uma pulverização entre outros tantos canais que produzem seus próprios conteúdos e já disponibilizam em streaming, como Showtime ou Paramount.

Vamos continuar acompanhando para ver onde essa treta vai dar. A única certeza é que vai demandar muita sabedoria e capacidade estratégica dos jogadores. Como já disse uma outra rainha, no jogo dos tronos, ou você ganha, ou você morre.

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