EUA vs China e as estratégias para o topo

Nos últimos anos, ganhou força a ideia de que estamos entrando no “século chinês”. Para muitos analistas, o avanço tecnológico e militar da China já sinalizaria um deslocamento definitivo da liderança global. O argumento é conhecido: a hegemonia americana teria atingido seu limite, enquanto o modelo chinês cresce em escala e ambição.

Essa leitura tem elementos consistentes, mas também merece ser vista com cautela. Mesmo diante das fragilidades dos Estados Unidos, não está claro que essa transição já esteja definida. Há forças, contradições e riscos estruturais nos dois lados — o que torna essa disputa muito menos linear do que costuma parecer.

O objetivo aqui não é fazer uma análise geopolítica ou prever cenários internacionais. O ponto é outro: usar essa competição como um caso extremo para observar como estratégias são formuladas, como diferentes modelos de poder se sustentam ao longo do tempo e como cada jogador tenta construir vantagem. Em outras palavras, olhar para EUA e China como se olhássemos para duas organizações em setores distintos, obrigadas a lidar com rivais fortes, incerteza, mudanças tecnológicas e decisões de longo prazo.

Este texto se apoia nas ideias de Dan Wang, autor de Breakneck: China’s Quest to Engineer the Future e entrevistado no podcast do New York Times Interesting Times. A partir da sua análise, vamos tratar essa rivalidade como um laboratório de estratégia: o que está realmente em disputa, como cada lado tenta vencer e o que essa dinâmica pode ensinar sobre competição duradoura — seja entre países ou entre empresas.

Nesse sentido, o “século chinês” não é um destino garantido, e tampouco o modelo americano está fora do jogo. O que vemos é uma disputa aberta, que ainda tem muito a ensinar sobre como vantagem competitiva é construída, perdida e recuperada.

O que está em disputa

Quando observamos a disputa entre Estados Unidos e China por uma posição de liderança global, a primeira pergunta não é quem está vencendo, mas qual é o jogo em questão. A análise de Dan Wang ajuda a deslocar a discussão do curto prazo e a olhar para o que realmente define vitória nesse tipo de competição. Não se trata apenas de crescimento econômico ou de quem anuncia mais avanços tecnológicos. Também não é, necessariamente, uma guerra fria clássica em que um lado precisa destruir o outro para triunfar.

Wang descreve essa disputa como um jogo mais complexo, que envolve diferentes formas de poder acumuladas ao longo de décadas. Um primeiro componente é material: capacidade de produzir em escala, controlar cadeias produtivas essenciais, investir em infraestrutura e sustentar uma base tecnológica e militar robusta. Um segundo fator é a capacidade de influenciar o sistema internacional — moldando padrões, regras, dependências e fluxos de inovação. Um terceiro elemento é interno: entregar bem-estar suficiente para manter legitimidade política e coesão social. Em outras palavras, não basta ser forte para fora; é preciso sustentar um modelo que faça sentido para dentro.

Quando colocamos esses elementos juntos, percebemos que o critério de vitória não é simples. Há, pelo menos, duas formas diferentes de sucesso possíveis. Uma mais ambiciosa, na qual um país substitui o outro como superpotência dominante e redefine as bases da ordem internacional. E outra mais limitada, porém ainda relevante, em que o objetivo é garantir hegemonia regional e controle sobre setores e cadeias produtivas estratégicas, mesmo que o rival continue existindo como potência global.

Essa distinção importa porque ela muda o que cada lado precisa atingir para considerar que venceu. E, na leitura de Wang, a China não necessariamente parece perseguir uma substituição total dos Estados Unidos como potência global, mas sim consolidar uma posição dominante na Ásia e em setores-chave da economia mundial. Isso cria um cenário em que vitória não é um conceito único e absoluto, mas algo que pode assumir diferentes formas — um ponto que vai influenciar todas as análises a seguir.

O modelo chinês: o “estado engenheiro”

Dan Wang descreve a China como um país cuja elite política é formada majoritariamente por engenheiros e tecnocratas. Esse traço não é apenas um detalhe biográfico dos líderes. Ele molda a forma como o país pensa desenvolvimento, coordena recursos e enxerga a economia. Desde Deng Xiaoping, houve uma decisão deliberada de promover engenheiros ao topo do Partido Comunista como resposta aos excessos políticos do período Mao. O auge desse processo ocorreu em 2002, quando todos os nove membros do Comitê Permanente do Politburo tinham formação em engenharia. Essa origem técnica influenciou a visão de que o país pode ajustar sua economia e infraestrutura como quem opera um grande sistema hidráulico, abrindo e fechando válvulas conforme necessário — seja para conter o setor imobiliário, reorganizar empresas de tecnologia ou reformar setores inteiros de uma só vez.

Esse modelo produziu resultados visíveis. Um dos pontos mais fortes da análise de Wang é que a China desenvolveu uma capacidade incomum de construir. Shanghai é o exemplo mais citado: uma cidade altamente funcional, com rede de metrô extensa, infraestrutura moderna e padrões urbanos que, na percepção do próprio Wang, superam os de Nova York. Esse padrão não se limita às metrópoles mais ricas. Mesmo províncias pobres, como Guizhou, exibem um nível de infraestrutura difícil de encontrar em estados ricos dos EUA: 11 aeroportos, dezenas de pontes de grande porte e estradas recém-construídas. A construção civil e a engenharia pesada não são apenas políticas públicas, mas uma capacidade instalada que se espalhou pelo país.

A força mais profunda, porém, está no avanço industrial. A China não é apenas uma grande fábrica global; ela se tornou líder em setores estratégicos. O plano Made in China 2025 marcou uma ambição clara de dominar indústrias de futuro — veículos elétricos, robótica, painéis solares, energia eólica e terras raras. Hoje, os resultados são palpáveis: o país controla cerca de 90% do processamento de materiais essenciais e ocupa posições dominantes em cadeias de produção importantes. Uma parte significativa desse avanço vem do que Wang chama de “process knowledge”: o conhecimento tácito acumulado ao longo de décadas. É a evolução de quem começou fabricando têxteis e eletrônicos simples e chegou à produção de iPhones, drones e baterias avançadas. Esse domínio não é resultado apenas de planejamento estatal, mas também de uma competição interna intensa, que força empresas a se especializarem e a reduzir custos de forma agressiva. O caso do Meituan, que venceu mais de 5.000 imitadores do modelo do Groupon, ilustra o nível de rivalidade e de experimentação que o país consegue sustentar.

Ao lado dessas conquistas materiais, há também uma dinâmica de poder que parece favorecer o modelo chinês em algumas circunstâncias. A capacidade de direcionar capital e trabalho para setores estratégicos permite ao país avançar rapidamente quando identifica prioridades nacionais. Há menos barreiras institucionais para construir obras de grande escala, testar soluções e reformar setores da economia de forma coordenada. A combinação entre escala populacional, engenharia e ambição industrial dá à China uma vantagem competitiva relevante nesse tipo de disputa de longo prazo.

Mas esse modelo também carrega tensões significativas. A mesma lógica de engenharia que impulsiona a infraestrutura e a indústria tende a se estender para a sociedade. O exemplo mais conhecido é a política do filho único. Ela resolveu um problema demográfico de curto prazo, mas gerou efeitos de longo prazo difíceis de reverter: envelhecimento acelerado, retração da força de trabalho e um problema estrutural de natalidade. A gestão da pandemia mostrou outra face dessa tendência. Em Shanghai, uma cidade com reputação de sofisticação e autonomia, o lockdown extremo deixou um trauma coletivo e colocou em questão a confiança nas decisões centrais.

Há uma fragilidade adicional que Wang destaca: o comportamento das elites. Muitos empresários e profissionais de alta qualificação buscam alternativas fora do país. Alguns movem negócios e patrimônio para lugares como Canadá e Singapura; outros migram de forma individual para centros criativos internacionais. Esse movimento não derruba o regime, mas revela uma tensão interna entre a ambição estatal e os incentivos dos indivíduos que produzem inovação.

O excesso de construção também tem custos. Há casos de infraestrutura sobredimensionada, endividamento de governos locais e impactos ambientais relevantes. Embora a capacidade de construir seja um dos maiores ativos do país, o risco de superinvestimento e de baixa eficiência é um efeito recorrente desse modelo.

Em conjunto, esses elementos formam o retrato de um player poderoso e com vantagens claras em setores decisivos para a disputa com os Estados Unidos. Mas também mostram um modelo que não está livre de contradições. A força da China não nasce apenas do planejamento estatal ou da competição corporativa. Ela vem justamente da combinação entre os dois — e das tensões que essa combinação produz.

O modelo americano: a “sociedade de advogados”

Se a China é apresentada por Dan Wang como um estado que pensa a economia como um engenheiro, os Estados Unidos aparecem como seu contraponto: uma sociedade moldada pela lógica jurídica. A elite política americana é formada majoritariamente por advogados, não por engenheiros. Esse dado também não é apenas um detalhe de biografia. Ele ajuda a explicar como o país organiza seu sistema econômico, sua burocracia e sua estrutura de incentivos. A tendência dos EUA é construir instituições baseadas em regras, contratos, checks and balances e restrições ao poder — muito mais do que em planos de engenharia ou projetos centralizados.

Esse modelo produz algumas vantagens importantes. A primeira é a estabilidade institucional. Os EUA desenvolveram um arcabouço jurídico que limita abusos, protege propriedade e cria previsibilidade. Isso reduz riscos e permite que empresas e indivíduos inovem sem depender de arbitragem política. Outra força é o ecossistema de inovação. Universidades, centros de pesquisa, venture capital e grandes empresas de tecnologia formam um ambiente que incentiva o surgimento de ideias novas. Mesmo quando não detém mais a manufatura — como no caso das células solares — os EUA continuam sendo um dos principais polos de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de ponta.

Outra característica central são os incentivos individuais. Os EUA atraem talentos não apenas pelo salário ou pelas empresas, mas pela ideia de que é possível construir uma vida com mais autonomia e mais oportunidades. A análise de Wang chama atenção para esse ponto: muitos dos melhores profissionais chineses preferem viver nos Estados Unidos, mesmo em momentos de maior tensão na relação entre os países. É um tipo de vantagem difícil de quantificar, mas relevante quando pensamos em inovação e desenvolvimento de longo prazo. Ao mesmo tempo, o poder cultural americano — representado por Hollywood, pela cultura pop e pelas universidades — reforça essa atração e projeta influência global.

Mas essa estrutura também tem fragilidades. A primeira delas é a dificuldade de construir. Enquanto a China demonstra capacidade para erguer infraestrutura em escala, os EUA enfrentam uma burocracia e um ambiente regulatório que retardam projetos e encarecem obras públicas. Wang usa exemplos concretos: o Port Authority Bus Terminal como símbolo de decadência, as reformas lentas nos sistemas de transporte e uma sensação de deterioração urbana. Não se trata apenas de estética ou conforto. É um indicador de perda de capacidade de execução física em larga escala, algo que foi um dos motores do crescimento americano no século XX.

A desindustrialização é outra vulnerabilidade destacada por Wang. A terceirização da manufatura para outros países fez os EUA perderem conhecimento prático acumulado nas fábricas — o mesmo “process knowledge” que hoje dá vantagem à China. Em setores como defesa, essa fragilidade é ainda mais sensível. O país tem enfrentado dificuldades para repor estoques de munição enviados à Ucrânia e atrasos na construção de navios militares. Essas limitações não derrubam o poder americano, mas criam uma distância entre sua capacidade financeira e sua capacidade produtiva.

Por fim, há o sistema político. Ele foi desenhado para limitar poder e evitar decisões rápidas. Isso produz estabilidade em alguns contextos, mas pode dificultar a formulação de estratégias industriais e tecnológicas de longo prazo. A polarização, os ciclos de mudança regulatória e a tendência a recorrer a tarifas e medidas comerciais para responder a desafios estruturais mostram um país que continua extremamente poderoso, mas que nem sempre encontra instrumentos eficientes para coordenar sua própria transformação.

O resultado é um modelo que combina inovação, atração de talentos e força institucional com limitações claras na execução material e na capacidade de coordenar grandes projetos. É um player com vantagens decisivas em algumas dimensões e vulnerabilidades evidentes em outras — e essas características vão influenciar a forma como os EUA formulam sua estratégia diante da China.

As estratégias chinesas e americanas: como cada um está jogando?

Se até aqui o foco foi entender as capacidades de cada modelo, agora a questão passa a ser outra: como esses recursos estão sendo empregados. A análise de Dan Wang sugere que China e Estados Unidos fizeram escolhas diferentes sobre onde jogar, o que priorizar e que tipo de vantagem procuram acumular. Não é apenas uma diferença de estrutura, mas de aposta estratégica.

A aposta chinesa: construir poder material e avançar em setores críticos

A estratégia da China começa pela escolha do campo de batalha. O país direciona sua energia para indústrias físicas e estratégicas: energia renovável, veículos elétricos, robótica, semicondutores, infraestruturas elétricas e cadeias de suprimento de materiais essenciais. Esses setores não são apenas rentáveis. Eles formam a base de poder de longo prazo. Quem domina energia, materiais e manufatura controla boa parte da produção global e consegue projetar influência.

Wang observa que o Estado chinês usa essa lógica para guiar sua ação. Há coordenação para canalizar capital, mão de obra e conhecimento para áreas consideradas estratégicas. Empresas privadas e estrangeiras entram nessa equação. Fabricantes como Apple e Tesla acabam treinando mão de obra local e transferindo práticas, acelerando o aprendizado coletivo. A competição interna ajuda a completar o ciclo: empresas são forçadas a reduzir custos, inovar em processos e ganhar escala rapidamente. O resultado é uma estratégia em que a manufatura não é resíduo de um passado industrial, mas a base para conquistar o futuro.

Há também uma dimensão geopolítica clara. A China parece mirar hegemonia regional, especialmente no entorno do Mar do Sul da China e em torno de Taiwan. Não é um projeto idêntico ao expansionismo americano do século XX. É uma construção de influência por meio de poder industrial, infraestrutura e, quando necessário, coerção econômica. A narrativa interna acompanha isso: a busca de uma China suficientemente forte para resistir a pressões externas e suportar crises prolongadas — inclusive a possibilidade de que o Ocidente sofra com seus próprios desequilíbrios políticos e sociais.

Essa estratégia se apoia em instrumentos que não estão disponíveis em democracias liberais. O governo pode disciplinar setores e reorientar talentos em escala. Um exemplo citado por Wang é a realocação da energia empreendedora antes voltada a fintechs e redes sociais para áreas como semicondutores, aviação e química. Da mesma forma, quando o país considera que uma empresa ou setor ameaça sua agenda nacional, o Estado pode intervir diretamente, como ocorreu com Alibaba, Didi e o setor de educação privada. Esses movimentos não deixam de gerar tensões internas, mas fazem parte do desenho estratégico: reorganizar a economia em torno de atividades consideradas críticas para a próxima fase do desenvolvimento.

A aposta americana: inovação e talento como motor da liderança

A estratégia dos Estados Unidos segue outro caminho. O foco está na fronteira do conhecimento, nas indústrias de serviços e na economia digital: inteligência artificial, universidades, biotecnologia, big tech, finanças. Em vez de tentar competir diretamente com a China na manufatura pesada, os EUA continuam investindo no que conseguiram manter como vantagem competitiva: pesquisa de ponta, empreendedorismo e atração de talentos internacionais. É uma lógica que confia na capacidade das instituições e do mercado americano de gerar as próximas grandes empresas e tecnologias, mesmo que a fábrica física esteja em outro lugar.

Há sinais recentes de tentativa de reverter parte da desindustrialização, como o CHIPS Act e o Inflation Reduction Act. Esses programas mostram que existe a percepção de que a falta de capacidade produtiva se tornou um risco. Mas, na visão de Wang, esse movimento ainda não se transformou em uma estratégia industrial coerente. Ele aparece mais como reação do que como plano sustentado.

No campo geopolítico e tecnológico, os EUA recorreram a instrumentos como tarifas, restrições de exportação e listas de sanções para limitar o avanço chinês em áreas sensíveis, como semicondutores. Esses mecanismos podem atrasar o progresso de um rival, mas não necessariamente garantem a reconstrução de capacidades internas. Ao mesmo tempo, a estratégia americana continua a se apoiar na força de seu ecossistema: a ideia de que os melhores pesquisadores, empreendedores e empresas continuarão preferindo operar nos Estados Unidos. A inovação distribuída substitui a coordenação centralizada como caminho para o futuro.

Embora os modelos sejam diferentes, ambos apostam em uma dimensão de espera. A China aposta que o Ocidente será prejudicado pelos seus próprios desequilíbrios. Os Estados Unidos apostam que a rigidez e os limites do modelo autoritário chinês vão aparecer com mais força ao longo do tempo. O que muda é a forma como cada um tenta construir vantagem enquanto espera que o rival tropece.

Se quisermos simplificar, é possível dizer que a China aposta que o século XXI será decidido na capacidade de construir coisas em escala e dominar indústrias estratégicas. Os Estados Unidos apostam que ele será decidido na capacidade de atrair talentos e produzir as inovações que definem a próxima onda tecnológica. É um jogo de longo prazo em que cada lado está escolhendo um terreno diferente para tentar vencer.

Como cada um está se saindo e possíveis cenários

Depois de entender os modelos e as escolhas estratégicas de cada lado, a pergunta passa a ser: como essas apostas estão se comportando na prática? A análise de Dan Wang sugere que tanto China quanto Estados Unidos apresentam avanços relevantes dentro de suas próprias estratégias, ao mesmo tempo em que acumulam tensões que podem limitar sua trajetória de longo prazo. Não há uma resposta clara sobre quem está “vencendo”. Há, sim, movimentos consistentes e contradições importantes dos dois lados.

A performance chinesa na estratégia que escolheu

Dentro da lógica de construir poder material, a China tem entregado resultados expressivos. A infraestrutura continua sendo um diferencial: estradas, ferrovias, redes de metrô e portos seguem em expansão e, em muitos casos, já superam os padrões de países desenvolvidos. Na indústria, o país consolidou posições dominantes em setores que definem a economia global de hoje — como solar, veículos elétricos, baterias e robótica industrial. É um desempenho alinhado ao plano de se tornar a manufatura mais diversificada e eficiente do planeta.

Wang também destaca a capacidade chinesa de traduzir essa força econômica em poder regional. O avanço sobre cadeias críticas, a projeção militar no entorno de Taiwan e a combinação de investimentos, pressão econômica e diplomacia mostram um país que, dentro da sua estratégia, conseguiu acumular alavancas reais de influência.

Mas esse progresso convive com tensões estruturais. O crescimento desacelerou, a bolha imobiliária continua pressionando governos locais e a dívida se tornou um desafio persistente. A demografia é talvez o ponto mais sensível: menos jovens, força de trabalho encolhendo e custos de longo prazo que ainda não são totalmente conhecidos. A isso se soma a saída de talentos e a cautela crescente entre empreendedores, que passaram a enxergar riscos na relação com o Estado. Nada disso inviabiliza a estratégia, mas introduz incertezas sobre sua sustentação nas próximas décadas.

A performance americana dentro de sua própria lógica

Os Estados Unidos continuam sendo uma economia extraordinariamente rica, com um ecossistema de inovação que permanece vibrante. Universidades, big techs, venture capital e pesquisa básica continuam gerando novas fronteiras tecnológicas, especialmente em inteligência artificial e biotecnologia. Esse dinamismo é reforçado pela capacidade de atrair talentos e capital do mundo inteiro. A moeda forte e o sistema financeiro americano seguem funcionando como pilar do sistema global.

Ao mesmo tempo, a estratégia americana convive com fragilidades que Dan Wang destaca de forma insistente. A capacidade industrial foi corroída por décadas de desindustrialização, e a tentativa recente de reconstruí-la ainda está no início. A base industrial de defesa é um exemplo claro dessa vulnerabilidade: atrasos na produção de navios, dificuldades para repor estoques e gargalos que expõem a distância entre recursos financeiros e capacidade de produzir material bélico em escala.

O sistema político amplia essa incerteza. Polarização, ciclos regulatórios curtos e dificuldades para sustentar políticas de longo prazo criam um ambiente pouco propício para projetos industriais e infraestruturais mais ambiciosos. Os EUA continuam fortes dentro da sua estratégia — inovar, atrair talento e financiar o mundo —, mas enfrentam o risco crescente de depender demais dessas forças sem conseguir recompor suas capacidades materiais.

Possíveis caminhos para as próximas décadas

Diante desses avanços e limitações, é possível imaginar alguns cenários, sem a pretensão de prever o futuro.

1. Um cenário em que a China domina o campo material e os EUA mantêm o campo simbólico: a China consolida-se como centro global de manufatura e tecnologia aplicada, com liderança em energia, transporte, eletrificação e indústrias estratégicas. Os EUA continuam sendo o polo de inovação, cultura, finanças e talento científico, mas convivem com vulnerabilidades materiais mais visíveis.

2. Um cenário de equilíbrio competitivo prolongado: a China esbarra em demografia, desaceleração e rigidez institucional; os EUA esbarram em polarização e falta de capacidade de execução física. Nenhum colapsa, nenhum dispara. O resultado é uma disputa longa, com avanços alternados e períodos de tensão.

3. Um cenário de ajuste estrutural em que os EUA recuperam capacidades produtivas e a China reduz seu ímpeto: os EUA conseguem combinar inovação com uma reindustrialização mais consistente, enquanto a China passa por um período de acomodação, lidando com superendividamento, envelhecimento e reorganização interna. Nesse cenário, a competição continua, mas em um patamar menos assimétrico.

Esses cenários mostram o quanto essa disputa depende menos do que cada país já tem e mais de como cada um lida com suas próprias limitações. Do ponto de vista estratégico, a questão não é apenas quem acumula mais vantagens, mas quem consegue reconhecer onde está se sabotando — e corrigir o curso.

A China talvez precise moderar sua tendência de aplicar lógica de engenharia a problemas sociais e políticos. Os Estados Unidos talvez precisem reaprender a construir, literalmente. É possível que a diferença decisiva não esteja em quem acerta mais, e sim em quem erra menos ao longo do tempo.

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