Como lidar com decisões “impossíveis”?

 

Atualmente, estamos acompanhando um debate que ilustra bem a ideia de “situação impossível”, ou seja, aquelas que apresentam circunstâncias e caminhos em que todas as opções apresentam um nível enorme de risco e dá a sensação de que não tem o que fazer. E a situação impossível da vez é o dilema enfrentado pelo Partido Democrata em relação à candidatura de Joe Biden. Após uma performance preocupante no primeiro debate presidencial, surgiram dúvidas sobre sua capacidade de continuar na corrida eleitoral. A poucos meses das eleições, os democratas se veem diante de uma escolha quase impossível: manter Biden como candidato ou arriscar a escolha de um novo nome, com todos os riscos que isso implica.

Se, por um lado, seguir com Biden representa um risco devido às evidências de seu declínio, por outro, substituí-lo a essa altura também é extremamente arriscado. A retirada de Biden geraria um caos temporário no partido, exigindo uma rápida reorganização e a escolha de um novo candidato que pudesse unificar e energizar a base democrata. Além disso, essa substituição poderia ser vista como um sinal de fraqueza, algo que o ex-presidente Trump certamente exploraria em sua campanha.

Independentemente do caminho escolhido, o Partido Democrata enfrenta uma situação em que todas as opções são carregadas de incerteza e perigo. Essa encruzilhada exige uma decisão ponderada, considerando não apenas as implicações imediatas, mas também o impacto a longo prazo.

Levando para o lado empresarial, tivemos uma situação impossível recente com o já emblemático case de Bud Light, quando lançou uma campanha publicitária protagonizada por pessoas trans, que gerou ampla rejeição e boicotes por parte dos consumidores, a ponto de derrubar muito e muito rápido o market share da marca. Executivos da Anheuser-Busch, foram forçados a reconhecer publicamente o comercial como um erro e a pedir desculpas pelo conteúdo da campanha.

O dilema aqui era que, de um lado, a marca precisava buscar a reconstrução do relacionamento com o público conservador, para retomar suas vendas. Mas, de outro lado, qual vai ser o impacto disso no público progressista? Essa porção do público tem acompanhado com preocupação o medo, não só da Bud, mas de diversas outras empresas se posicionarem em causas justas, por medo do impacto que isso pode gerar em seus negócios. E esse também é um público grande, importante e representativo nas vendas de qualquer produto. Isso, claro, sem nem tocar na questão moral, que carrega seus próprios dilemas.

E é sobre esse tipo de decisão que refletiremos ao longo desse artigo.

   

Antes de tudo: não evite essa decisão

A primeira coisa que não podemos fazer diante de uma decisão difícil é tentar evitá-la, e isso é extremamente problemático por várias razões. Evitar uma decisão não elimina a necessidade de tomar uma decisão; apenas adia o inevitável e frequentemente aumenta a ansiedade e o estresse associados.

No seu artigo Why Do We Try to Dodge Difficult Decisions?, Vasundhara Sawhney aborda exemplos clássicos, como quando aceitamos convites para dois eventos no mesmo dia e não temos coragem de cancelar nenhum deles. Em vez de enfrentar a situação, esperamos que um dos amigos cancele ou que algum imprevisto ocorra, nos forçando a cancelar sem nos sentirmos culpados. Isso mostra uma tendência de evitar a responsabilidade pela escolha, esperando que as circunstâncias nos forcem a uma decisão. Ou quando temos que escolher entre duas ofertas de emprego. A incerteza sobre o futuro e o medo de perder oportunidades levam à paralisia decisional, onde a pessoa se vê incapaz de escolher, esperando que uma das opções se torne inviável para evitar o fardo de tomar a decisão.

Segundo Sawhney, pesquisas mostram que muitas pessoas preferem receber más notícias que eliminem a necessidade de escolher, ao invés de boas notícias que exigem uma decisão difícil. Isso ocorre porque a responsabilidade de uma escolha errada pode ser avassaladora, levando a sentimentos de arrependimento e dúvida sobre a própria capacidade de tomar boas decisões.

Não enfrentar decisões difíceis impede o desenvolvimento da autoconfiança e da habilidade de tomar decisões informadas. Quando evitamos tomar decisões, perdemos a oportunidade de aprender com nossas escolhas, sejam elas certas ou erradas. Além disso, a procrastinação em tomar decisões importantes pode resultar em consequências negativas a longo prazo, como perder oportunidades valiosas ou permanecer em situações insatisfatórias.

Portanto, a chave para lidar melhor com decisões difíceis é reconhecer e aceitar a responsabilidade da escolha. Devemos buscar clareza em nossas preferências, consultar especialistas e pessoas de confiança, e adotar estratégias que nos ajudem a encarar a decisão de frente, como fazer listas de prós e contras ou até mesmo recorrer a métodos simples como jogar uma moeda para revelar nossos verdadeiros desejos.

Enfrentar decisões difíceis de maneira proativa não apenas reduz a ansiedade, mas também fortalece nossa capacidade de tomar decisões futuras com mais confiança e clareza.

   

Lembre-se: a decisão “certa” não existe

Outra reflexão importante nesse contexto foi feita por Ed Batista, na Harvard Business Review. Ele argumenta que, diante de uma decisão muito difícil é essencial entender que a decisão “certa” não existe, e a busca incessante por essa decisão ideal pode tornar a situação ainda mais complicada. Decisões importantes, como escolher um caminho na carreira, aceitar uma oferta de emprego ou mudar de cidade, envolvem muitas incertezas e variáveis que tornam impossível prever a melhor escolha com antecedência.

No artigo, Batista traz o exemplo de Scott McNealy, cofundador da Sun Microsystems, destacou isso bem em uma palestra, quando afirmou que se preocupava menos em tomar a decisão “certa” e mais em garantir que qualquer decisão que ele tomasse se tornasse a certa. Essa perspectiva enfatiza que focar demais no momento da escolha pode nos fazer esquecer a importância do esforço contínuo que vem depois. A escolha em si não garante sucesso ou felicidade a longo prazo; é o trabalho e a dedicação após a decisão que realmente importam.

Buscar incessantemente a decisão perfeita frequentemente leva à paralisia decisional. Ficamos tão focados em encontrar a melhor opção que acabamos não escolhendo nenhuma. O desejo por uma solução objetiva que classifique nossas opções nos afasta dos fatores subjetivos — nossa intuição e emoções — que são essenciais para nos guiar. Dada a incapacidade de prever todos os resultados possíveis, a busca pela decisão perfeita se torna impossível.

Para superar essa paralisia, precisamos ajustar nossa mentalidade. Devemos nos concentrar menos na escolha em si e mais no esforço necessário para fazer qualquer escolha dar certo. Isso aumenta nosso senso de controle e nos lembra que, embora a sorte influencie os resultados, nossas ações diárias são mais determinantes do que decisões únicas.

O professor Baba Shiv, especialista em neurociência da tomada de decisão, reforça essa visão. Ele aponta que decisões bem-sucedidas são aquelas em que o tomador de decisão mantém seu compromisso com a escolha e que as emoções desempenham um papel crucial no sucesso. Shiv explica que as emoções funcionam como atalhos mentais que nos ajudam a resolver conflitos de trade-off e a nos comprometer com uma decisão.

Isso não significa que devemos deixar nossas emoções decidirem por nós. Todos já tomamos decisões baseadas em emoções das quais nos arrependemos depois. No entanto, a pesquisa em neurociência mostra que as emoções são importantes na tomada de decisões, pois nos ajudam a descartar opções que provavelmente levariam a resultados negativos e a focar naquelas com maior chance de sucesso. A pesquisa do professor Roy Baumeister sugere que boas decisões estão ligadas à nossa capacidade de antecipar estados emocionais futuros: “Não é o que a pessoa sente agora, mas o que ela antecipa sentir como resultado de um comportamento específico que pode ser um guia poderoso para escolher bem.”

Portanto, quando estamos paralisados por uma decisão, precisamos mais do que análise racional. Precisamos nos imaginar vividamente em um futuro cenário, nos conectar com as emoções que isso gera e avaliar como esses sentimentos influenciam nosso nível de compromisso com a escolha. Não podemos sempre tomar a decisão certa, mas podemos fazer com que qualquer decisão se torne a certa através de nosso empenho e dedicação.

   

O papel das emoções em decisões “impossíveis”

Aprofundando na questão do papel das emoções, é senso comum que ao enfrentar decisões muito difíceis nós entendamos que as emoções atrapalham a tomada de decisão e que precisamos ser frios e racionais. No entanto, Cheryl Strauss Einhorn, em seu artigo “Emotions Aren’t the Enemy of Good Decision-Making”, publicado na Harvard Business Review, desafia essa noção. Einhorn argumenta que as emoções não são inimigas da boa tomada de decisão; pelo contrário, elas desempenham um papel crucial e inevitável nesse processo.

Em uma palestra recente na Universidade de Cornell, Einhorn começou perguntando à audiência se eles se preocupavam em cometer erros ao tomar grandes decisões. A maioria esmagadora, 92% dos presentes, respondeu afirmativamente. Quando solicitados a descrever os tipos de erros que mais temiam, as respostas destacaram preocupações com decisões impulsivas e emocionais. Isso levanta a questão: se tantos de nós temem decisões emocionais e precipitadas, por que ainda caímos nessa armadilha?

Ao enfrentar decisões complexas, geralmente experimentamos emoções igualmente complexas. Muitos evitam essas emoções desconfortáveis, buscando resolver rapidamente a situação. No entanto, essa pressa frequentemente resulta em decisões mal tomadas, que não resolvem adequadamente o problema e nos deixam com sentimentos negativos, criando um ciclo improdutivo.

Einhorn sugere que esses sentimentos iniciais e finais podem ser uma ferramenta poderosa para melhorar nossas decisões. Ela propõe um exercício em quatro passos para integrar as emoções no processo de tomada de decisão.

Primeiro, é crucial definir claramente a decisão a ser tomada. Isso envolve separar a decisão central das informações e sentimentos conflitantes. Em seu texto, Einhorn toma como exemplo Charlie, CEO de uma startup de neurobiologia que desenvolveu uma tecnologia inovadora. Charlie enfrenta decisões importantes sobre o uso de recursos financeiros e a necessidade de um parceiro de negócios. Identificar a decisão central — contratar ou não um cofundador — é o primeiro passo para ele.

Depois, ao considerar uma grande decisão, é essencial reconhecer e nomear as emoções envolvidas. Isso cria um espaço entre a emoção e a ação, permitindo um exame mais racional. Charlie, ao sentir-se “preso”, percebe que seu verdadeiro sentimento é desconforto, gerado pela ideia de compartilhar o controle de sua visão com outra pessoa.

Avançando, a ideia é imaginar que a decisão foi bem-sucedida e identificar os sentimentos resultantes. Charlie percebe que, embora inicialmente pensasse que contratar um cofundador traria confiança, seu desconforto vinha da relutância em dividir a responsabilidade. Reconhecer essa fonte de desconforto foi um ponto crucial para ele.

Finalmente, é importante aplicar os “emotional bookends” — reconhecer as emoções no início e no final do processo de decisão. Isso ajuda a distinguir entre decisões de curto e longo prazo e suas implicações. Charlie percebe que sua verdadeira decisão era sobre a estrutura de controle da empresa, não apenas sobre a contratação imediata de um cofundador.

Este processo demonstra que as emoções, longe de serem obstáculos, são componentes essenciais da tomada de decisão. Elas nos forçam a confrontar e entender melhor nossos desejos e medos, levando a escolhas mais conscientes e informadas.

A tendência de evitar as emoções em decisões importantes pode parecer uma solução rápida, mas geralmente leva a escolhas precipitadas e insatisfatórias. Em vez disso, ao adotar uma abordagem que incorpora e respeita nossas emoções, podemos melhorar significativamente a qualidade de nossas decisões. O “wizard brain” — a parte racional e reflexiva de nossa mente — pode colaborar com o “lizard brain” — nossa resposta emocional primitiva — para formar uma parceria poderosa.

   

Como lidar com decisões “impossíveis” na prática

Baseado nas ideias apresentadas no artigo “How to Tackle Your Toughest Decisions”, escrito pelo professor de Ética Empresarial de Harvard, Joseph L. Badaracco, apresentamos um framework prático para lidar com decisões extremamente difíceis. Este framework, fundamentado em cinco questões-chave, visa orientar gestores e líderes a tomar decisões sólidas e refletidas, mesmo em situações complexas e incertas.

Entenda as consequências das decisões. A primeira questão a considerar envolve uma análise minuciosa e analítica de cada curso de ação disponível, juntamente com as consequências reais e humanas de cada um. É essencial afastar-se das suposições iniciais e reunir um grupo de conselheiros e especialistas confiáveis para explorar todas as opções possíveis. Pergunte-se e pergunte a eles: “O que poderíamos fazer? E quem será beneficiado ou prejudicado, a curto e longo prazo, por cada opção?” Não confunda isso com uma simples análise de custo-benefício. Embora os dados e as estruturas relevantes devam ser aplicados, os problemas em áreas cinzentas exigem uma reflexão mais ampla, profunda, concreta, imaginativa e objetiva sobre o impacto total de suas escolhas. Em um mundo complexo e interdependente, é crucial abrir a mente, reunir a equipe certa e analisar as opções através de uma lente humanista.

Quais são seus deveres? Todos temos deveres — como pais, filhos, cidadãos, empregados. Gestores também têm deveres para com acionistas e outros stakeholders. No entanto, a segunda questão vai mais fundo: os deveres de salvaguardar e respeitar a vida, os direitos e a dignidade de nossos semelhantes. Para determinar especificamente o que esses deveres nos obrigam a fazer em uma situação particular, deve-se confiar na “imaginação moral”. Isso envolve sair da sua zona de conforto, reconhecer seus preconceitos e pontos cegos, e colocar-se no lugar de todos os stakeholders chave, especialmente os mais vulneráveis. Como você se sentiria no lugar deles? O que mais o preocuparia ou amedrontaria? Como você gostaria de ser tratado? O que consideraria justo? É importante pensar além da economia e do treinamento em administração. Os gestores têm um dever legal de servir à corporação, mas isso inclui o bem-estar dos trabalhadores, clientes e da comunidade em que operam. Você tem sérias obrigações com todos, simplesmente por ser um ser humano. Portanto, ao enfrentar uma decisão em área cinzenta, pense longamente sobre qual desses deveres deve ser priorizado.

Aceite o mundo como ele é. A terceira questão obriga você a olhar para o problema de maneira pragmática e realista, vendo o mundo como ele é, e não como você gostaria que fosse. A frase “o mundo como ele é” remete ao pensamento de Nicolau Maquiavel, que descreve um ambiente imprevisível, difícil e moldado pelo interesse próprio. Planos sólidos podem fracassar, e planos ruins às vezes funcionam. Grande parte do que acontece está além do nosso controle. Portanto, após considerar as consequências e os deveres, é necessário pensar sobre as praticidades: Qual das soluções possíveis é a mais viável? Qual é a mais resiliente? E quão resiliente e flexível você é? Para responder a essas perguntas, mapeie o campo de força ao seu redor: quem quer o quê e com que intensidade e habilidade cada pessoa pode lutar por seus objetivos. Esteja preparado para ser ágil e oportunista, contornando obstáculos e surpresas, e, quando necessário, jogue duro, afirmando sua autoridade.

Quais são os seus valores. De acordo com um velho adágio africano, “Eu sou porque nós somos.” Nossos comportamentos e identidades são moldados pelos grupos em que trabalhamos e vivemos. Assim, esta questão pede que você reflita sobre sua decisão em termos de relacionamentos, valores e normas. O que realmente importa para sua equipe, empresa, comunidade, cultura? Como você pode agir de uma maneira que reflita e expresse esses sistemas de crenças? Se eles entrarem em conflito, qual deve ter prioridade? Para responder a essas perguntas, pense sobre as histórias definidoras de um grupo específico — as decisões e incidentes que todos citam ao explicar os ideais a que estão coletivamente comprometidos, o que lutaram para alcançar e quais resultados tentam evitar. Imagine que você está escrevendo uma sentença ou um capítulo na história da sua empresa. Qual dos caminhos disponíveis expressaria melhor o que sua organização representa?

Garanta que você pode viver com essa decisão. Bom julgamento depende de dois fatores: a melhor compreensão e análise possível da situação e os valores, ideais, vulnerabilidades e experiências de quem tomará a decisão. Em última análise, você deve escolher, comprometer-se, agir e viver com as consequências da sua escolha. Assim, a decisão deve refletir o que realmente importa para você como gestor e ser humano. Para descobrir com o que você pode viver, termine suas conversas com os outros, feche a porta, silencie os eletrônicos e reflita. Imagine-se explicando sua decisão a um amigo próximo ou mentor — alguém em quem você confia e respeita profundamente. Você se sentiria confortável? Como essa pessoa reagiria? Escrever sua decisão e as razões por trás dela também pode ser útil, pois escrever força um pensamento mais claro e serve como um compromisso pessoal.

Ao enfrentar decisões difíceis, especialmente nas áreas mais “cinzentas”, seguir este framework pode ajudar a garantir que você trabalhou o problema da maneira correta, não apenas como um bom gestor, mas como um ser humano reflexivo e compassivo. Este processo, baseado em cinco perguntas práticas e profundas, oferece uma abordagem equilibrada para navegar as incertezas e tomar decisões responsáveis e bem fundamentadas.

 
 

Diante das situações impossíveis, seja as enfrentadas pelo Partido Democrata, pela Bud Light ou tantas outras, é importante considerar diversas dessas ideias que trouxemos. Primeiro, evasão não é uma opção viável. Tanto na política quanto nos negócios, evitar decisões difíceis pode exacerbá-las, prolongando a incerteza e os danos potenciais. Aceitar a responsabilidade pela escolha é fundamental, pois apenas ao enfrentar as decisões de frente podemos aprender e crescer. Isso não implica buscar uma decisão “certa” absoluta, mas sim comprometer-se com uma escolha informada, ajustando e adaptando-se conforme necessário para transformá-la na decisão correta ao longo do tempo. Ao integrar emoções com análise racional, líderes políticos e empresariais podem guiar suas organizações com confiança e resiliência, navegando pelas complexidades de um mundo onde cada decisão importa.

Em suma, a verdadeira arte da decisão reside não na busca da perfeição, mas na coragem de agir com base em valores sólidos, empatia pelos diversos interesses em jogo e uma compreensão realista das consequências. Ao adotar essa abordagem, indivíduos e organizações não apenas enfrentam desafios complexos, mas também moldam um futuro mais consciente e sustentável, onde as decisões difíceis são oportunidades para crescimento e fortalecimento.

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