Em seu texto “Roman Manliness: Virtus and the Roman Republic”, Myles McDonnell conta que no dia cinco de dezembro de 63 a.C., o senado romano se reuniu para discutir uma crise grave. Senadores e um pretor em exercício foram acusados de conspirar para assassinar os principais magistrados e derrubar o estado. Nos setenta anos anteriores, a velha e sofrida República havia sofrido terríveis violências, mas raramente homens dos círculos de poder foram acusados de tais crimes. No debate para decidir o destino dos senadores acusados, três das principais figuras de Roma proferiram discursos que se tornaram famosos: Cícero, César e do jovem Catão, imortalizados pelo historiador Salústio, escrevendo cerca de vinte anos após o evento.
Uma preocupação central no discurso de Cícero, e nas palavras que Salústio colocou nas bocas de César e Catão, era o declínio dos padrões ancestrais de “masculinidade”. A palavra latina para masculinidade é virtus, derivada de vir, que significa homem, e virtus designa a atividade e a qualidade associadas ao substantivo do qual é derivada; virtus caracteriza o comportamento ideal de um homem. Em todas as narrativas dos valores romanos antigos, virtus ocupa um lugar de destaque como uma qualidade tradicional que desempenhava um papel central na guerra, política e religião.
Claro que, mais de dois mil anos atrás, com uma sociedade ainda mais patriarcal do que a nossa, esse tipo de discussão era completamente associada a homens [apesar da curiosa contradição de que, em Roma, quando virtus foi honrada com um culto estatal, a imagem escolhida para a estátua do culto era a mesma da deusa Roma: uma mulher, amazona armada]. Mas, com o passar da história, a ideia de virtude foi sendo cada vez mais compreendida como valores humanos de forma geral e é assim que entendemos o conceito atualmente.
Essa noção de virtus atravessa milênios de discussões filosóficas, ressoando não apenas no contexto romano, mas também na tradição ocidental que herdou e adaptou esses ideais. Filósofos ao longo dos séculos têm debatido sobre o verdadeiro significado da virtude, sua relevância na construção do caráter humano e sua importância na formação de sociedades justas e equilibradas. Desde os tempos antigos até os dias de hoje, a ideia de virtus continua a inspirar reflexões profundas sobre o que significa ser verdadeiramente humano e a natureza das qualidades que devemos cultivar em nossas vidas.
Algumas das principais virtudes romanas as ideias de pietas, que representava o dever e a lealdade para com os deuses, a pátria e a família; gravitas, que era a seriedade e o senso de responsabilidade e propósito; dignitas, que se referia ao senso de dignidade e reputação pessoal, obtido por meio de feitos honrosos; fides, que significava confiança e lealdade, especialmente no cumprimento de promessas e deveres; e iustitia, que era a justiça e a equidade no trato com os outros. Essas virtudes eram centrais para a identidade romana e eram cultivadas como parte do caráter ideal de um cidadão romano.
Voltando ao nosso mundo e ao nosso objeto de estudo por aqui, tudo isso nos trouxe à reflexão de imaginar quais são as principais virtudes de estrategistas ao desenvolverem seu trabalho? Quais são as virtudes que, se cultivadas por homens e mulheres, ajudam a desenvolver uma mente mais estratégica e um trabalho de estratégia que se aproxima ao máximo possível da excelência?
PRUDENTIA
A prudência (do latim: prudentia, contraído de providentia, que significa “ver à frente, sagacidade”) é frequentemente entendida apenas como “cautela”. No entanto, a tradição de interpretação dessa virtude ao longo da história revela que seu significado vai muito além. Prudência é a habilidade de governar e disciplinar a si mesmo através do uso da razão. É classicamente considerada uma virtude, em particular uma das quatro virtudes cardinais (que, junto com as três virtudes teologais, compõem as sete virtudes).
Na tradição filosófica e ética, a prudência não se limita a uma atitude defensiva ou cuidadosa. Ela engloba a sabedoria prática, a capacidade de julgar corretamente entre o que é certo e errado, e de tomar decisões que não apenas evitam perigos, mas também promovem o bem-estar e o sucesso a longo prazo. Aristóteles, por exemplo, via a prudência como a virtude que permite escolher o meio termo entre os extremos do comportamento humano, levando em consideração as circunstâncias específicas de cada situação.
A importância da ideia de prudentia no pensamento estratégico reside na sua capacidade de proporcionar uma visão clara e realista do ambiente de negócios. Um estrategista prudente é capaz de identificar riscos e oportunidades, evitando decisões precipitadas que possam comprometer a estabilidade e o sucesso da organização. A prudência permite uma avaliação equilibrada das situações, promovendo uma abordagem proativa e reflexiva na tomada de decisões. Em um mundo empresarial marcado por mudanças rápidas e constantes, a prudência oferece uma base sólida para a adaptação e a resiliência, permitindo que a organização navegue por tempos de incerteza com confiança e clareza.
No trabalho prático de um estrategista envolve várias ações concretas como realizar análises minuciosa dos riscos e oportunidades antes de qualquer decisão importante. Isso inclui o estudo detalhado de dados de mercado, tendências econômicas e o comportamento dos concorrentes. Por exemplo, ao considerar a expansão para um novo mercado, um estrategista prudente examinará a viabilidade econômica, as condições regulatórias e as possíveis barreiras culturais, garantindo que a decisão seja bem fundamentada.
Além disso, a criação de planos de contingência é uma manifestação clara da ideia de prudentia. Ter estratégias alternativas prontas permite que a organização responda rapidamente a imprevistos, minimizando o impacto de eventuais contratempos. Isso é crucial em um ambiente de negócios dinâmico, onde mudanças inesperadas podem ocorrer a qualquer momento.
CONSTANTIA
Constantia, ou constância, é a virtude da firmeza e persistência nas ações e decisões, mantendo-se resoluto diante de desafios e adversidades. É a virtude que implica em uma fidelidade inabalável aos princípios e objetivos, sem ceder a pressões externas ou internas. Além disso, a ideia de constantia também é frequentemente interpretada como coragem, refletindo a firmeza necessária para enfrentar o que é preciso, mesmo quando as circunstâncias são difíceis. Esta virtude é fundamental para o pensamento estratégico, pois permite a continuidade e a sustentabilidade das iniciativas e projetos, mesmo quando enfrentam obstáculos significativos.
A importância da constância no contexto estratégico reside na sua capacidade de promover uma abordagem consistente e dedicada. Em um ambiente de negócios onde mudanças rápidas e incertezas são comuns, a constância garante que a organização permaneça firme em sua missão e visão, mantendo o curso mesmo em tempos difíceis. A constância é a virtude que sustenta o compromisso de longo prazo, permitindo que os estrategistas mantenham o foco em seus objetivos e não se desviem por modismos ou crises passageiras.
No trabalho prático de um estrategista, isso envolve uma série de ações concretas que reforçam essa virtude. Primeiramente, a constância se manifesta na adesão aos valores e princípios fundamentais da organização, independentemente das pressões externas. Isso significa que, mesmo diante de desafios como concorrência acirrada, crises econômicas ou mudanças regulatórias, a organização permanece fiel aos seus ideais e estratégias de base.
Além disso, a constância se reflete na capacidade de manter o curso das ações planejadas, ajustando-se conforme necessário, mas sem abandonar os objetivos estratégicos de longo prazo. Por exemplo, um estrategista que cultiva a constância desenvolverá e seguirá um plano estratégico robusto, realizando ajustes táticos quando necessário, mas sem perder de vista a meta final. Isso inclui perseverar com iniciativas que podem não mostrar resultados imediatos, mas que são essenciais para o sucesso futuro da organização.
A constância também é crucial na gestão de relacionamentos internos e externos. Manter uma comunicação clara e consistente com todas as partes interessadas, incluindo funcionários, clientes e parceiros, ajuda a construir confiança e credibilidade. Um estrategista constante garante que as mensagens transmitidas sejam coerentes e que as ações da organização reflitam suas palavras, fortalecendo a reputação e a lealdade a longo prazo.
FRUGALITAS
Derivada do latim, frugalitas, ou frugalidade, implica em utilizar os recursos disponíveis da melhor maneira possível, garantindo que cada investimento e gasto contribua significativamente para os objetivos da organização. No contexto estratégico, a ideia de frugalitas é crucial para maximizar o valor gerado pelos recursos escassos, promovendo a sustentabilidade e a eficiência operacional. É importante deixar claro que essa virtude não tem a ver necessariamente com um princípio de austeridade econômica, mas sim da habilidade de discernir e otimizar o uso de recursos de forma eficiente e estratégica.
A importância da frugalidade no pensamento estratégico reside na sua capacidade de promover uma abordagem disciplinada e focada na otimização de recursos. Em um ambiente empresarial onde a competição é acirrada e os recursos são limitados, ser frugal garante que cada decisão de investimento seja cuidadosamente avaliada quanto ao seu impacto potencial e alinhamento com os objetivos estratégicos de longo prazo. Essa virtude não se trata apenas de cortar custos, mas sim de investir de forma inteligente e estratégica para maximizar os retornos e minimizar desperdícios.
No trabalho prático de um estrategista isso envolve diversas práticas que destacam essa virtude. Primeiramente, a frugalidade se manifesta na análise criteriosa de oportunidades de investimento e no planejamento cuidadoso de gastos. Um estrategista frugal não apenas busca reduzir despesas indiscriminadamente, mas sim prioriza investimentos que ofereçam o maior retorno sobre o investimento (ROI) e que estejam alinhados com a estratégia geral da organização. Isso inclui avaliar alternativas, considerar custos e benefícios, e escolher as opções mais eficazes para alcançar os objetivos estabelecidos.
Além disso, a ideia de frugalitas se reflete na promoção de uma cultura organizacional que valoriza a eficiência e a responsabilidade no uso dos recursos. Isso inclui incentivar práticas como a inovação frugal, onde soluções criativas são desenvolvidas para resolver problemas com recursos limitados. Organizações que cultivam a virtude da frugalidade frequentemente encontram maneiras inovadoras de alcançar eficiência operacional, utilizando tecnologias emergentes, processos simplificados e colaboração estratégica.
A frugalidade também é crucial na gestão de crises e na adaptação a mudanças no mercado. Durante períodos de incerteza econômica ou transições disruptivas, essa virtude permite que os líderes tomem decisões rápidas e informadas sobre alocação de recursos, preservando a estabilidade financeira da organização e preparando-a para o crescimento futuro. Isso pode envolver reavaliação de prioridades, ajustes de estratégia e implementação ágil de soluções que garantam a continuidade dos negócios.
Em suma, frugalitas é uma virtude essencial para o sucesso estratégico nos negócios. Ela vai além da simples economia de recursos; é a capacidade de discernir e otimizar o uso de recursos escassos para maximizar o valor gerado pela organização. Ao cultivar essa virtude, um estrategista não apenas promove a eficiência operacional e a sustentabilidade financeira, mas também constrói uma cultura organizacional resiliente e inovadora. A frugalidade permite que a organização opere com inteligência e estratégia, garantindo que cada decisão e investimento contribua significativamente para o crescimento e sucesso a longo prazo.
VERITAS
Veritas, ou verdade, é a virtude que representa a honestidade, transparência e integridade. Porém, essa virtude vai muito além do que a simples ideia de honestidade. Ela é a virtude que bem fundamenta todo tipo de tomada de decisão de uma pessoa sábia, ancorada em informações precisas e verificáveis. No contexto empresarial, a ideia de veritas não apenas fortalece a credibilidade da organização, mas também protege suas estratégias de investimentos e direcionamentos, garantindo que sejam guiados por uma compreensão clara, factual e, portanto, realista do ambiente externo e interno.
A importância da verdade reside na sua capacidade de proporcionar uma base sólida e confiável para todas as ações estratégicas. Em um mundo onde a incerteza e a complexidade são constantes, a verdade permite que os líderes e estrategistas avaliem com precisão os desafios, oportunidades e possíveis consequências de suas decisões. Isso não se limita apenas à comunicação honesta, mas envolve o compromisso com a investigação cuidadosa dos fatos, a análise imparcial das informações e a tomada de decisões informadas.
No trabalho prático de um estrategista, isso significa adotar uma abordagem rigorosa na pesquisa e na validação de dados. Isso inclui o uso de análises de mercado, pesquisas de consumidores e avaliações de desempenho internas para embasar cada estratégia e iniciativa. Um estrategista que valoriza a verdade protege suas decisões contra distorções e interpretações equivocadas, assegurando que todos os envolvidos compreendam os fundamentos objetivos por trás de cada direcionamento estratégico.
Além disso, a verdade promove uma cultura organizacional onde a integridade e a transparência são fundamentais. Isso não apenas fortalece a confiança dos stakeholders, mas também cria um ambiente de trabalho onde os colaboradores se sentem seguros para questionar, contribuir com ideias e colaborar com base em informações confiáveis. Ao defender a verdade como um valor central, as organizações fortalecem sua resiliência e capacidade de adaptação às mudanças do mercado e às crises imprevistas.
O professor Roger Martin tem um conceito interessante sobre a relação entre estratégia e verdade, que é explorada através da pergunta fundamental “What Would Have to be True?” (WWHTBT). Em contraste com a busca pela verdade factual, frequentemente divisiva e difícil de consensuar, WWHTBT propõe uma abordagem mais construtiva na formulação estratégica. Em vez de focar exclusivamente no que é factualmente verdadeiro no presente, essa abordagem orienta líderes a considerar quais condições precisariam ser verdadeiras para garantir o sucesso de uma estratégia específica. Isso desagrega a análise em componentes lógicos e preliminares de dados, permitindo um entendimento compartilhado antes mesmo da coleta de informações detalhadas. Além disso, ao aplicar continuamente WWHTBT, equipes podem monitorar a validade contínua de sua estratégia, adaptando-a conforme necessário com base nas mudanças nas condições críticas para seu sucesso futuro.
Em resumo, Veritas é uma virtude fundamental para o sucesso estratégico nos negócios, pois garante que todas as decisões sejam baseadas em fundamentos sólidos e verdadeiros. Ao ter a verdade como princípio, um estrategista não apenas fortalece a credibilidade da organização, mas também promove uma cultura de excelência, responsabilidade e confiança mútua. Esta virtude não só sustenta o crescimento sustentável, mas também prepara a organização para enfrentar desafios futuros com clareza e determinação fundamentadas na verdade dos fatos e na integridade de propósito.
Um estrategista virtuoso não apenas incorpora as qualidades clássicas da prudentia, constantia, frugalitas e veritas em seu trabalho, mas as transcende, aplicando-as de maneira integrada e holística. Essas virtudes não são apenas um conjunto de diretrizes éticas, mas fundamentos essenciais para orientar a tomada de decisões estratégicas que promovam não apenas o sucesso imediato, mas também a sustentabilidade a longo prazo da organização. Ao cultivar a prudência na avaliação de riscos, a constância na execução das estratégias, a frugalidade na gestão de recursos e a verdade na fundamentação de suas ações, o estrategista não apenas alcança resultados tangíveis, mas constrói uma base sólida para a confiança, resiliência e crescimento contínuo da organização.
Um estrategista virtuoso não apenas enfrenta os desafios do presente com coragem e sabedoria, mas também se prepara para o futuro, moldando estratégias que não apenas respondam às necessidades atuais, mas também antecipem e preparem a organização para os desafios que ainda virão.