As lições das estratégias esportivas

Assim como a estratégia no âmbito militar teve muita influência na origem da estratégia de negócios, a estratégia no esporte também deixa muitas lições preciosas para empresas e profissionais.

Em qualquer jogo, seja ele futebol, futebol-americano, tênis, vôlei, beisebol, basquete, xadrez, ou o que mais existir, há muita estratégia envolvida para que a equipe possa vencer e se sobressair em relação aos oponentes – ou, no mundo das empresas, concorrentes.

Algumas estratégias têm lados mais técnicos e táticos, sendo bastante específicas para cada esporte. Mas, mesmo assim, podemos aproveitar o aprendizado geral para a vida e os negócios, fazendo analogias do campo de jogo com o mercado empresarial. Selecionamos aqui duas partidas icônicas de futebol e futebol-americano que possuem grandes marcos de estratégia e podem servir de inspiração.

 

SOBRE AS ESTRATÉGIAS NO MUNDO DO ESPORTE

Atletas de todos os esportes do mundo são considerados profissionais que mudam, de alguma forma, a história, sendo sempre muito admirados e respeitados. Para você ter uma ideia do impacto dos esportes no mundo, em 2017, dos 100 programas de televisão mais assistidos, 81 eram de transmissões esportivas.

Isso significa que, sai ano, entra ano, o esporte continua sendo um passatempo central, nacional e internacional. Mas, como todos os fãs sabem, esses atletas não conquistam seus resultados incríveis dentro, fora e durante as quadras, campos, salas ou onde for que o esporte seja jogado, sem uma estratégia bem desenhada. Há muitas lições a serem aprendidas com esses profissionais de alto desempenho.

 

O Milagre de Istambul

A final da Champions League – o campeonato de futebol que coroa o melhor time da Europa – em 2005 foi épico. A partida entre o italiano Milan e o britânico Liverpool, disputada na Turquia, ficou conhecida como O Milagre de Istambul. Serviu até como pano de fundo para filme. O enredo do jogo pareceu mesmo escrito para ser eternizado nos cinemas.

O Milan era o grande favorito. Possuía uma zaga impenetrável formada por Paolo Maldini, o brasileiro Cafu, Alessandro Nesta e Jaap Stam. Todos defensores de primeira classe, com o também brasileiro Dida como goleiro. Do meio para frente, todos jogadores titulares de suas seleções nacionais: Pirlo, Gattuso, Seedorf, Kaká – em uma de suas melhores fases – com o argentino Crespo na frente fazendo companhia ao centroavante ucraniano Shevchenko, um dos maiores goleadores da história do clube. Como se não bastasse, o técnico era Carlos Ancelotti, que ficou por 9 temporadas no comando do rossonero. O que poderia dar errado, não é mesmo?

Bem, nos primeiros 45 minutos de jogo, tudo deu certo. O Milan foi ao intervalo vencendo por 3 a 0. Uma vantagem gigantesca. Maldini marcou antes do primeiro minuto e Crespo ainda estufou as redes mais duas vezes. O Milan desceu ao vestiário com uma mão na taça. Restava apenas o segundo tempo para confirmar a vitória.

Do outro lado, a equipe dos Red Devils parecia não acreditar no que estava acontecendo. Ir ao intervalo com 3 a 0 numa final de Champions, com o adversário jogando um futebol de primeira, e o time praticamente sem saber como reagir… tudo parecia perdido. Em suas fileiras, não havia nomes tão badalados. O capitão Steven Gerrard era o grande expoente da equipe, mas era quase um oásis de habilidade em meio aos outros companheiros. No banco, o técnico era o espanhol Rafa Benítez, que ainda nem falava muito bem o inglês, estava em sua primeira temporada na sua maior experiência na carreira até então.

Mas o que aconteceu no vestiário inglês foi o começo da mudança, que se concretizou quando as equipes voltaram ao campo. Em uma sequência incrível de 6 minutos, o Liverpool empatou o jogo, com gols de Gerrard, do tcheco Smicer e do volante espanhol Xabi Alonso que, aos 14 minutos do segundo tempo, errou um pênalti, mas marcou o gol no rebote, para dar ainda mais contornos de emoção ao feito. Foi como um relâmpago. Agora, era os jogadores italianos que não conseguiam acreditar.

A partir daí, o Liverpool se segurou como pôde. O Milan atacou com tudo o que tinha. O tempo normal terminou empatado em 3 a 3. Na prorrogação, o goleiro Dudek fez um combo de duas defesas contra Shevchenko, em um cabeceio e, em seguida, em um chute à queima-roupa. Algo fenomenal. No fim, a decisão ocorreu nos pênaltis, onde o Liverpool venceu por 3 a 2 e conquistou um dos troféus mais cobiçados do futebol mundial. Um verdadeiro milagre, dadas às devidas circunstâncias do jogo.

 

As estratégias do milagre

Como o Liverpool conseguiu? O que aconteceu para esse milagre se tornar realidade? Estudando os relatos e as análises do jogo, elencamos alguns momentos-chave da estratégia que causou a reviravolta britânica.

O primeiro ponto que chama a atenção é a capacidade emocional dos jogadores. Mesmo perdendo de forma devastadora, a atitude não foi de jogar a toalha e nem de achar que era impossível. Mesmo que soubessem que vencer era improvável, conversas relatadas do vestiário mostram que os jogadores mantiveram a cabeça fria e sustentavam o pensamento de que se pudessem marcar um gol cedo na volta da segunda etapa, teriam alguma chance de surpreender.

Chama a atenção em especial a frieza de Rafa Benítez. O treinador, descrito como discreto, de fala tranquila e baixa, sem exaltações e grandes discursos, foi fiel ao seu perfil. Se manteve calmo, racional. Em 15 minutos, armou uma estratégia diferente para buscar o empate. Já havia perdido um jogador, Kewell, lesionado no primeiro tempo. Só lhe restavam duas substituições. Então ele tomou uma decisão que mudou totalmente a forma de jogar do time.

Ele colocou o volante Hamann no lugar do lateral-direito Finnan, mudando o esquema tático para o 3-5-2, posicionando o meia-atacante Smicer como ala direito e deslocando Steven Gerrard mais próximo ao ataque, para que pudesse chegar com mais força ao gol adversário. Algo totalmente inventivo e corajoso.

O esquema tático do Liverpool para o segundo tempo da partida contra o Milan, na final da Champions League de 2005

Com o time todo reformulado, o Liverpool voltou para o segundo tempo e colocou todo seu ímpeto para marcar os 3 gols. Aí, entra aquilo que não pode ser explicado e nem racionalizado no futebol, que é a variável humana. Os jogadores foram certeiros como nunca haviam sido. Um gol de cabeça de Gerrard – funcionou colocá-lo no ataque. Outro em um chute de fora da área de Smicer, que havia começado no banco. E o terceiro em uma cobrança de pênalti de Xabi Alonso, que Gerrard sofreu após ser derrubado dentro da área. E foi isso. Todas as alterações propostas surtiram efeito.

Depois, o Liverpool recuou e o Milan voltou a dominar o jogo. Ancelotti modificou o time para ficar todo voltado ao ataque. Benítez se defendeu, improvisando Hamann na direita para conter o avanço por aquele setor e recuou Gerrard para a zaga para montar um bloqueio. O Liverpool optou por defender e neutralizar as principais jogadas ofensivas do adversário, se abdicando de tentar marcar outro gol.

 

As lições

Neste jogo, olhamos pela ótica do vitorioso Liverpool e sua reviravolta épica. É como se o Milan fosse uma grande corporação, mais estruturada, com mais recursos, dominante do mercado. Mas em momentos de bobeira acabou dando brechas para que um player menor e mais inovador desafiasse sua hegemonia de tal forma que não foi possível reverter. Isso nos lembra casos como o da Blockbuster e a Netflix, ou da Nokia e da Apple, que acabaram sucumbindo às novidades e não conseguiram responder à altura, tal qual o Milan no segundo tempo.

Outra sacada de Estratégia é que o Liverpool foi fiel à sua força vital: o jogo coletivo. Se o Milan tinha talentos individuais em cada posição, o Liverpool apostou na força combinada de seus jogadores para encontrar o caminho da vitória. Pensaram de forma tática, utilizando os pontos fortes em conjunto para se sobressair.

E não dá para deixar de fora a mão do técnico. Rafa Benitez dá uma aula aqui de pensamento estratégico: cabeça fria mesmo na pressão para propor as mudanças no vestiário. A engenhosidade e inovação em colocar jogadores em posições diferentes do habitual. O conhecimento dos recursos que tinha à disposição para atingir seu objetivo. A leitura analítica do cenário e tomadas de decisões rápidas mesmo sob grandes riscos para armar o esquema tático e fazer as substituições no intervalo e no segundo tempo a ponto de dominar o Milan e depois suportar seu poderio ofensivo.

E nos jogadores, chama a atenção a disciplina tática para executar o que o seu líder pensou, além da forma como encararam a volta para o segundo tempo, sem esmorecer na adversidade e confiando em suas capacidades, sem se entregar ao óbvio ululante que era a condição de derrota. E, claro, a entrega dentro de campo, a vontade de vencer. Ao final do segundo tempo, muitos jogadores desabaram no gramado com cãibras, pequenas lesões, exaustos de tanto correr. Ao bater pênalti, Hamann cobrou com o pé quebrado – que só descobriria mais tarde. E, não podemos deixar de citar: 3 gols em 6 minutos é algo fora de qualquer padrão, um outlier tremendo. A variável humana do jogo aqui fez toda a diferença. Mesmo com toda a estratégia traçada por Rafa Benitez, nada disso poderia ter acontecido se as pessoas não tivessem acertado aquelas bolas dentro do gol.

É, o esporte é apaixonante também por essas coisas nada óbvias como o Milagre de Istambul. O pensamento estratégico talvez não consiga capturar com 100% de precisão tudo o que pode acontecer em um cenário competitivo – o comportamento humano não consegue ser totalmente previsível e isso também faz toda a diferença.

O capitão Steven Gerrard e o técnico Rafa Benítzes levantam a taça de campeões da Europa pelo Liverpool em 2005

A final da NFL

Uma partida que entrou para o Hall da Fama do esporte mundial foi a final da NFL, o tão aclamado Super Bowl. A derradeira decisão da liga de futebol-americano dos EUA. Em 2015, 10 anos depois do Milagre de Istambul, o Seattle Seahawks foi derrotado pelo New England Patriots, que alcançou uma conquista histórica no Super Bowl: venceu por 28 a 24, em uma partida com duas viradas. Uma final contra-indicada para cardíacos, é bem verdade.

O New England Patriots era o favorito ao título. Nas suas fileiras estava o lendário Tom Brady – sim, ele mesmo, marido da nossa brasileiríssima Gisele Bundchen – um dos melhores quarterbacks de todos os tempos. Do lado oposto, os Seahawks eram os azarões da vez, mas estavam com um time muito coeso e eficiente. Seu destaque era Marshawn Lynch, que tinha como ponto forte a corrida em alta velocidade e a marcação de touchdowns.

A final estava eletrizante. Quando se esperava que o Patriots iria para o intervalo do 2º Quarter em vantagem, o quarterback dos Seahawks, Russell Wilson, encontrou um arremesso perfeito para Chris Matthews, que a 6 segundos do fim fez o segundo touchdown de seu time no jogo: 14 a 14.

O jogo estava bruto como não poderia deixar de ser. Durante a primeira etapa, ao fazer uma interceptação, Jeremy Lane, do Seattle, fraturou o braço esquerdo em uma queda. Logo no início do segundo tempo, o Seahawks passou pela primeira vez à frente do placar, 17 a 14, ao marcar um field goal. Forte na defesa e eficiente no ataque, o time de Seattle abriu 10 pontos faltando pouco mais de 5 minutos para o fim do terceiro quarto.

Com muita raça e grande atuação de Tom Brady e de Julian Edelman, o Patriots conseguiu encostar no placar, ao chegar a 21 pontos contra 24 do rival com menos de 8 minutos para o fim da decisão. O Seattle parecia assustado e o Patriots esbanjava confiança. Brady continuava dando passes fantásticos e levou seu time à virada com 2 minutos para o fim da partida, com um touchdown concretizado por Edelman: 28 a 24.

Mas mesmo com a vantagem obtida no fim, nada estava ganho. Num dos últimos suspiros da final, o Seahawks ficou a pouquíssimas jardas da end zone após Jermaine Kearse conseguir pegar um lançamento de Russel Wilson. Porém, aconteceu aí o erro fatal. A equipe optou pela jogada errada, e, ao invés de forçar a passagem para o touchdown com o craque Marshawn Lynch, Wilson escolheu tentar o lançamento no meio para Ricardo Lockette, em jogada que acabou interceptada por Malcolm Butler, um jovem estreante no jogo.

A 20 segundos do fim, coube ao New England Patriots comemorar a conquista de mais um troféu – o quarto de sua história.

Lance da partida entre New England Patriots e Seattle Seahawks na NFL de 2015

Escolhas erradas

O jogo todo da NFL e o futebol-americano em si é um prato cheio em termos de estratégias, táticas, subterfúgios e escolhas. O próprio formato do jogo permite isso. Aqui, queremos nos debruças no lance decisivo, desta vez na ótica do perdedor.

O Seahawks não conseguiu marcar o ponto que o levaria a vitória no fim da partida, pois foi parado pela defesa adversária. Todo mundo – comentaristas, torcedores e até os próprios jogadores em campo – esperavam que Darrell Bevell, coordenador ofensivo, orientasse o quarterback Wilson a fazer um lançamento para Lynch correr para o touchdown. Não dá para saber se eles seriam campeões. Porém, era a jogada mais forte da equipe. E a mais óbvia.

Aqui, a opção foi justamente para não cair no óbvio que todos estavam esperando. A tentativa foi de surpreender o adversário, mas não houve sucesso e a crítica em cima do lance persiste até hoje. Alguns a chamam a pior chamada ofensiva de todos os tempos

Diversos aprendizados da estratégia no esporte podem ser notados em apenas alguns segundos desse jogo histórico. Foi preciso uma tomada de decisão rápida para ação ofensiva. Tomar decisões sob pressão e com pouco tempo para pensar não são nada fáceis e podem mudar o rumo das coisas. Há também o emprego de recursos estratégicos e a análise do cenário. Bevell acreditou que a jogada com Lynch seria manjada e buscou surpreender, após analisar que o adversário estaria esperando por aquele ato. Na realidade, após passar pelo episódio, o próprio Bevell assumiu que teria feito diferente. Aqui, não é porque um movimento é óbvio que ele não precise ser executado. O óbvio pode ser óbvio porque é o ponto forte, a principal jogada, a melhor forma de fazer algo acontecer. Nem sempre a surpresa pode ser a melhor saída.


A estratégia tem um lado criativo, inventivo e insightful, que faz diferença para que se alcance mais efetividade. Mas, esse salto só é possível a partir de uma estrutura muito bem fundamentada, que exige raciocínio lógico, foco em resultado e alta capacidade de definir problemas, tomar decisões e fazer escolhas com base em evidências.

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