Um mercado que não para de se transformar no Brasil é o financeiro. Desde 2017, quando o Banco Central começou a alterar as regulações do mercado permitindo maior flexibilidade e liberdade de atuação, o status quo foi sacudido. Os bancos, até então players soberanos, começaram a perceber uma invasão de startups despontando com inovações em serviços que arrebataram uma multidão de clientes em pouco tempo.
Por isso vamos olhar para os diversos movimentos deste mercado para perceber os nuances estratégicos que acirram a disputa entre grandes bancos, as fintechs e a preferência dos consumidores.
O panorama do mercado
Os Big Five bancos tradicionais – Itaú, Santander, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa – são as instituições financeiras longevas e as mais consolidadas no mercado. Para ter uma ideia, 81,8% de todo o empréstimo nacional no Brasil em 2020 ocorreu nestes cinco bancos. Mas o avanço das fintechs vem ameaçando essa soberania e pulverizando o cenário. Por exemplo, a concentração de depósitos e ativos controlados por esses bancos caiu 4,3% de 2019 para 2020.
A realidade é que há muito espaço ainda para inovação neste segmento. No Brasil, mais de 90% dos investimentos são alocados em produtos financeiros bancários. Em comparação nos EUA, este número é de apenas 2%. Isto abre espaço para migração de clientes para instituições independentes buscando melhores serviços e mais rentabilidade. É justamente aí que as fintechs encontram oportunidades, para abocanhar boa parte desse fluxo de clientes, oferecendo serviços bem nichados e apostando em melhorar a experiência do cliente.
Por aqui, o Brasil já é considerado o maior ecossistema de fintechs na América Latina. No ranking global, o país ocupa a 14ª colocação – cinco posições à frente do registrado em 2019. Um levantamento do Finnovation mostrou que o número de startups que atuam no segmento quase dobrou entre o fim de 2016 e o meio de 2018, chegando a quase 400. Hoje, esse número já é de quase 900.
Desagregação, descentralização
Essa guerra pode ser resumida por uma única palavra: “unbundling” (desagregação). Hoje, o modelo dos bancos é agregar o maior número de serviços em uma mesma estrutura: conta corrente, investimentos, seguros, crédito, pagamentos, gestão patrimonial e até mesmo loterias, como nos chamados “títulos de capitalização”.
Esse modelo, obviamente, dá muito certo. Especialmente porque é um prato cheio para a possibilidade de colocar em prática subsídios cruzados. É fácil escolher um produto altamente popular e zerar o seu preço, desde que ele sirva de ponte para outros produtos altamente rentáveis. Não por acaso as margens de lucro do setor são muito elevadas.
No entanto, lucros altíssimos assim são um forte chamariz para a competição. Em 2020, o setor de fintechs viveu o melhor ano da história em termos de investimento. Juntas, as startups financeiras brasileiras captaram US$ 1,9 bilhão de dólares ao longo do ano, conforme dados do levantamento Inside Fintech Report, realizado pelo Distrito Dataminer. O valor superou os resultados de 2019, que foi de US$ 1,1 bilhão. Destacaram-se a plataforma de crédito online Creditas, que recebeu um aporte de US$ 255 milhões e o banco digital C6 Bank, que captou US$ 241 milhões. Já os maiores aportes do ano foram recebidos pelo Nubank e pelo banco Neon — ambos no valor de US$ 300 milhões.
Bancos digitais
Os bancos digitais se destacam em relação aos bancos tradicionais principalmente por sua interação com os clientes ocorrer predominantemente por aplicativos em smartphones. A burocracia é muito menor, e a agilidade muito maior, arrebatando em cheio a população mais jovem habituada com compras online, por exemplo. Nada de precisar ir presencialmente a uma agência bancária, abrir uma conta ou sacar dinheiro em espécie. Sem contar que as taxas são praticamente inexistentes. Tudo acontece em poucos cliques.
Hoje, no Brasil, o grande expoente é o Nubank, que chegou a ser considerado o banco mais valioso da América Latina em dezembro de 2021, após estreia na bolsa de valores de Nova York.
Aqui, há um movimento interessante. Além dos bancos que já nasceram digitais, os grandes bancos também não deixaram passar essa onda. O Bradesco, por exemplo, criou o Banco Next em 2017, e o filho caçula do bancão recentemente anunciou que contará com marketplace para venda de produtos dos segmentos de telefonia, eletrônicos, eletrodomésticos, informática e jogo, de grandes marcas como Casas Bahia, Ponto Frio, Extra, Samsung e outros, junto com cashback nas compras realizadas pelo app.
Super Apps
Essa pegada que é nova para o Banco Next segue a tendência dos chamados Super Apps, que reúnem múltiplas funcionalidades em um lugar só. Essa é uma estratégia, principalmente dos bancos digitais, para monetizar além das movimentações bancárias básicas dos correntistas.
Os superapps não se restringem apenas ao mercado financeiro, obviamente, e aqui podemos citar exemplos como a Magazine Luiza, que além da possibilidade de compra de produtos oferece outros diversos serviços, e o próprio Uber, com logística de entrega de encomendas.
No segmento das fintechs, podemos citar o Mercado Livre, que além da plataforma de compra e venda, possui sistema próprio de pagamento, por meio do Mercado Pago, logística para entregas, com o Mercado Envios e a criação de lojas virtuais, com o Shops. O Banco Inter, outro exemplo, foi um dos primeiros bancos digitais a entrar nessa. Em seu aplicativo, também é possível comprar produtos em um marketplace com cashback e grandes marcas presentes, além de contratar seguros, planos de saúde, odontológico, realizar investimentos financeiros, entre outros itens.
Carteiras Digitais
Já que falamos do super app da Magalu, podemos citar também a carteira digital, em que os clientes podem movimentar transações financeiras dentro da conta, ganhar cashback e fazer aportes financei ros par utilização interna na plataforma, além de permitir ganhar dinheiro com programa de afiliados da marca. Carteiras digitais como essa estão presente em diversos outros e-commerces e funcionam como estratégia de fidelização para os varejistas. Não são restritas a fintechs, mas geram um movimento de fintechzação do varejo.
Há também serviços exclusivamente de carteiras digitais. As e-wallets têm tantas funcionalidades que, muitas vezes, são ofertadas como contas digitais ou mesmo como diferenciais dos apps dos bancos, já que muitos deles oferecem essa opção. Outro ponto comum é que elas se destacam por algum de seus benefícios. A carteira Ame Digital, por exemplo, dá acesso a tantas promoções e cashbacks que os usuários baixam o app em busca desses benefícios.
O PicPay é outro exemplo que ganhou os holofotes, se tornando uma carteira digital bastante popular. Ela é um app que funciona como uma carteira digital gratuita, com rendimento automático do dinheiro que está na conta. Também é possível fazer e receber pagamentos por PIX e QR Code, aceita em maquininhas de cartão, faz parcelamento de boletos e até mesmo oferece um cartão de crédito sem anuidade e com cashback.
Criptomoedas
Bem, já que a movimentação financeira online é o assunto em voga, é impossível deixar de lado as criptomoedas. Desde a badalação inicial gerada pelo Bitcoin, o tema ganha uma explosão de novidades a cada pouco. Sem querer entrar em polêmicas sobre a sua validade, especulação, valor e etc., as criptocoins são consideradas as maiores inovações recentes neste cenários. Descentralizadas, elas não são controladas por nenhum órgão por meio do blockchain – espécie de banco de dados descentralizado que registra movimentações e transações, financeiras ou não.
As criptomoedas já são aceitas para muitos tipos de transações, inclusive internacionais, e a tendência é de se popularizar ainda mais.
Open Banking e Open Finance
O Open Banking e Open Finance são projetos do Banco Central que promovem uma grande mudanças estrutural no mercado financeiro. Super recentes, elas entraram em vigor apenas em fevereiro de 2021. O Open Banking se refere ao compartilhamento de dados e informações relacionadas a serviços bancários tradicionais, como transferências de dinheiro e extrato, por exemplo. Já o Open Finance vai além e engloba em seu escopo serviços como previdência e seguros.
Esses conceitos tratam-se de uma iniciativa colaborativa entre diversas instituições financeiras com o objetivo de descentralizar o mercado financeiro e compartilhar informações e dados, com permissões dos usuários, a fim de oferecer melhores serviços, por exemplo. É como se os bancos, fintechs e instituições financeiras compartilhassem APIs com as informações de seus clientes, como produtos, canais de atendimento ligados a contas, poupanças, linhas de crédito, pagamentos, serviços…
Na prática, as pessoas finalmente terão o controle sobre seus próprios dados bancários. Se hoje só os bancos onde temos conta possuem detalhes sobre nosso perfil de pagador, por exemplo, poderemos decidir quem mais tem acesso a essas informações. Com o Open Banking, poderemos desvincular de uma instituição e levar conosco informações preciosas como boletos, extratos e lista de favorecidos para o novo banco.
Por meio de uma única conta, acessaremos diversas contas e serviços em bancos ou fintechs diferentes. Dessa forma, não será preciso de diversos aplicativos para fazer todas as nossas transações bancárias. Ainda é algo muito recente no Brasil, há alguns players já atuando no desenvolvimento de APIs para instituições, mas a grande mudança aqui aguarda o mercado amadurecer e passa pela educação dos usuários de como utilizar isso a seu favor.
Vem muito mais pela frente…
A inovação das fintechs, de fato, gerou múltiplas novas possibilidades de operações envolvendo o dinheiro nosso de cada dia. Além dos que detalhamos aqui, podemos ainda encontrar outras categorias em que as fintechs se encaixam, como concessão de crédito, negociação de dívidas, backoffice, investimentos, risco e compliance, meios de pagamento, finanças pessoais, cartões, crowfunding…
A lista é extensa e as inovações não param de acontecer. Quem ganha é o consumidor, que passa a ter um leque bem mais amplo de opções, nivelando a concorrência por cima. Ainda há muito espaço para novidades e o cenário é promissor pela frente. Neste jogo, quem tem mais chances de marcar gol são os players cuja estratégia encontrem uma miopia de mercado que acerte em cheio as necessidades dos consumidores que cada vez mais se mostram receptivos para a tecnologia das fintechs, mas também exigem atendimento e serviço de qualidade para se tornarem fieis.
Isso sem falar na nas mudanças na legislação, que podem favorecer novas soluções de open banking e a oferta de serviços financeiros descentralizados de modo geral.
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