A histórica Guerra das Colas

 
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As empresas podem até trabalhar — em sua maioria — de segunda a sexta, mas estão em guerra todos os dias. As disputas são reais e podem ser, até mesmo, pessoais. No mercado global de refrigerantes, que hoje vale mais de 360 bilhões de dólares, a disputa mais clássica, com quase 100 anos é Coca-Cola x Pepsi. Se refrigerante é essencialmente doce, a rivalidade entre essas duas marcas é deixa um gosto bem amargo na boca de ambas.

Mergulhamos no excelente podcast Guerras Comerciais, para contar essa história e enxergar nela o que há de mais estratégico. Vamos com a gente.

Surgimento da Coca-Cola

Na década de 1880, em Atlanta, nos Estados Unidos, o farmacêutico John Pemberton inventou, com alguns ingredientes secretos, um tônico potente para “os nervos”, que curava desde depressão até doenças cardíacas: o vinho francês de coca. Nada melhor do que o vício para manter uma clientela fiel.

Entretanto, havia um problema: a cidade estava prestes a entrar na lei seca e, por isso, as autoridades estavam atrás do farmacêutico para confiscar seu trabalho. Pemberton precisava alterar sua fórmula. Por isso, a nova receita continha noz-de-cola, folha de coca e muito açúcar, mas não álcool.

Frank Mason Robinson, especialista em publicidade, se junta a Pemberton nesse novo empreendimento. Foi ele que deu a ideia do nome para o produto: Coca-Cola. Tudo ia bem, até que, na Guerra Civil Americana, Pemberton sofre um ferimento. Nessas condições, a produção de Coca-Cola é paralisada e a empresa fica em péssima situação.

Para evitar que o pior aconteça, Robinson vai atrás de outro farmacêutico, Asa Candler, que compra as ações de Pemberton no negócio. A primeira atitude dele como novo dono da marca é mudar a receita do refrigerante: ele adiciona mais açúcar e diminui a quantidade de coca.

Em uma tentativa de tornar o produto mais conhecido, o refrigerante é oferecido de graça para quem ainda não o experimentou: um movimento de marketing inovador para a época. Apesar de ter feito sucesso, a ação não impediu a mídia negativa que surgia em torno do polêmico ingrediente presente na bebida – mesmo depois de ter sido retirado.

Pepsi-Cola nasce e renasce

Uma nova marca de refrigerante de cola da Carolina do Norte surge como uma alternativa livre dos ingredientes problemáticos da Coca-Cola: a Pepsi-Cola, criada por Caleb Bradham. A marca não decola por conta do constante aumento dos preços do açúcar e acaba abrindo falência, até que, em 1930, Charles Guth é o novo rico proprietário da Pepsi e diretor da Loft Candy. E é aí que a confusão começa.

Tentando defender sua posição como bebida de cola dominante, a Coca-Cola coloca investigadores rodando os EUA em busca de imitadores que violem os direitos da marca. Até que chegaram em Guth e sua Pepsi.

Mas àquela altura, o empresário estava preparado para isso. Quando a Coca arrasta a Pepsi ao tribunal por essas e outras infrações, o juiz dá o veredito a favor da marca mais jovem. Empolgado, mas ainda muito menor do que a Coca-Cola, Guth tenta ganhar mercado na marra, cortando os preços pela metade para que as pessoas não só provem, mas adotem o consumo de Pepsi. De um lado, funciona. A Pepsi efetivamente ganha muito terreno. Porém, o custo disso foi levar a controladora da marca, a Loft Candy à falência, com a estratégia kamikaze.

E tem mais nesse rolo. Malandro que era, Guth colocou as ações da Pepsi no seu nome, não no da Loft Candy, que acabou no final apenas financiando a “promoção” da Pepsi. Diante disso, o advogado e artista de recuperação Walter Mack é contratado para recuperar a Loft e levar Guth ao tribunal. No processo, o próprio Mack acaba se tornando o novo presidente da Loft e da Pepsi, jogando Guth para fora.

Mack chegou também agressivo, ao seu modo, investindo pesado em marketing, com jingles chiclete e a icônica ação do aviador que escrevia “Pepsi-Cola” nos céus. Pela primeira vez em anos, a Coca-Cola começaria a ter um concorrente de verdade e à altura.

Em busca de um público pra chamar de seu

Na década de 1940, com a Guerra Mundial no horizonte, Coca-Cola e Pepsi enfrentam uma crise de fornecimento. Como obter açúcar suficiente para continuar engarrafando seus refrigerantes? A Coca-Cola, para garantir sua linha de suprimentos, começa a apelar para o sentimento nacionalista, se vendendo como o grande refrigerante americano.

A marca pioneira consegue convencer o governo e as autoridades de que a bebida é uma necessidade em tempos de guerra. A companhia promete às Forças Armadas dos Estados Unidos que os soldados americanos teriam sempre uma Coca-Cola gelada por perto para matar a sede ao preço de 5 cents. A marca se torna um símbolo de esperança para os Estados Unidos e vira uma bebida popular na Europa.

Enquanto a Coca-Cola se vende como patriota, a Pepsi, por sua vez, cria uma equipe de marketing afro-americana para aumentar suas vendas nas comunidades negras. Em 1943, a empresa abre uma nova fábrica em Monterrey, no México.

Na década de 1960, a Pepsi começa a focar nos jovens como público-alvo, e a vender o refrigerante como estilo de vida ao invés de produto. Os anúncios da Coca-Cola começam a parecer antiquados perto dos novos comerciais ousados da concorrente. Os baby boomers são a nova geração Pepsi. E, finalmente, na década de 70, a Coca-Cola já não podia mais ignorar a rival.

e começa a guerra

Evidentemente, o campo de batalha em muita medida seria o marketing, onde as duas gigantes começaram a duelar, colocando o pé no acelerador do investimento.

Bill Backer, executivo da Coca-Cola, elabora um comercial com uma mensagem de esperança por meio de uma música exclusiva, I’d Like to Teach the World to Sing (In Perfect Harmony), interpretada pela banda Hillside Singers – o anúncio mais caro até então (250 mil dólares) e também o mais emblemático.

Em contrapartida, a Pepsi lança uma ousada campanha comparativa, com os dois pés no peito: o Pepsi Challenge — um teste de sabor nacional que demonstrou a preferência das pessoas pelo sabor da Pepsi.

A Coca-Cola sente o golpe não só intimidando as engarrafadoras que apoiassem o Pepsi Challenge como trouxe para si uma enorme pulga atrás da orelha sobre a qualidade do próprio produto. Se o sabor da Pepsi estava sendo preferido, será que o sabor histórico da Coca-Cola precisava mudar?

E é nesse contexto que a Coca-Cola lança uma nova fórmula: a New Coke. No dia do lançamento do produto, a Pepsi dá uma festa de vitória na guerra das colas, com a justificativa de que, se a rival precisou mudar a receita, é porque admitiu que a Pepsi é melhor. Para piorar, os consumidores fiéis da Coca-Cola também não gostam nem um pouco da novidade, reclamaram aos berros e a New Coke foi um dos maiores fracassos da história da empresa.

A bebida original retornaria com o nome de Coca-Cola Classic e a New Coke descontinuada, morta e enterrada para sempre.

A batalha no campo simbólico

Da década de 1990 em diante, a disputa já estava escalando mais para a parte simbólica do que para uma guerra de sabores. Foi um momento em que cada um dos players tentava se estabelecer de um lado mais emocional na cabeça e no coração do público.

Foi nesse contexto surgiram os adoráveis ursos polares da Coca. E também nesse contexto a Pepsi volta a adotar a estratégia de trazer um astro do pop do quilate de Britney Spears para dar cara à sua marca.

Dizemos “volta” porque antes disso, Michael J. Fox e Michael Jackson também fizeram uma série de anúncios populares da Pepsi ao longo de seus anos de sucesso. Além de Britney, outras estrelas pop participam das campanhas, como Shakira, Katy Perry, Beyoncé, Ricky Martin e Ne-Yo.

Já do lado da Coca, Whitney Houston foi estrela dos comerciais na década de 80, além de outros famosos como Paula Abdul e Elton John, Will i. Am, Maroon 5 e Selena Gomez. A batalha pelos ícones, símbolos e celebridades de alguma forma perdura até hoje.

Uma pedra no meio do caminho

Em meio a esse duelo entre as colas, surge um obstáculo para as duas marcas: a saudabilidade. Diante desse contexto e com dificuldades de competir com a Coca-Cola, que na verdade sempre esteve na liderança, a Pepsico começa a apostar na diversificação do seu portfólio e acaba deixando a Pepsi-Cola um pouco mais de lado.

A Coca-Cola Company, por sua vez, adota uma abordagem diferente: não está pronta para desistir dos refrigerantes. A Coca-Cola ainda representa ¾ dos negócios da marca . Então, a marca aposta em diferentes abordagens como a já clássica campanha com os nomes de pessoas nas latas em 2010. De quando em quando eles emplacam um hit do tipo e seguem gerando um enorme engajamento. Como resultado, em 2011, a Diet Coke acaba ultrapassando a Pepsi como segundo refrigerante favorito nos Estados Unidos.

Apesar de nesse contexto o Wall Street Journal publicar uma manchete declarando a Coca-Cola como a vencedora da Guerra da Colas, a verdade é que a rivalidade segue viva. Em 2013, no Halloween, a Pepsi postou uma foto em suas redes sociais onde sua latinha estava fantasiada de Coca-Cola com a chamada: “Desejamos um Halloween assustador para vocês.” A Coca-Cola não ficou quieta e respondeu, pegando o gancho de que fantasia parecia mais uma capa, e publicou a mesma imagem dizendo: “Todo mundo quer ser um herói”.

Em um segmento com tantos desafios, é possível que vejamos muitas reviravoltas ainda.

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A disputa continua refletindo na mídia na forma de comerciais ousados em que não é raro uma marca recorrer à justiça, ofendida com a atitude da outra. Mais comum nos Estados Unidos, onde a tática é culturalmente mais aceita, a estratégia provocativa das empresas tem rendido muitos vídeos e peças publicitárias de cair o queixo. A mais recente ocorreu em maio de 2021, em uma campanha da Pepsi no Dia Nacional do Hambúrguer. A marca atacou a rival Coca-Cola e o seu acordo de exclusividade com as três maiores cadeias norte-americanas de fast-food especializadas no alimento – McDonald’s, Burger King e Wendy’s.

A iniciativa pagou pela Pepsi que os consumidores compraram para acompanhar seus hambúrgueres, desde que eles publicassem uma foto exibindo os itens no Twitter, Facebook ou Instagram com a hashtag #BetterWithPepsi.

Hoje, a Coca-Cola comanda 43,7% do mercado de refrigerantes carbonatados, enquanto a Pepsico tem 24,1%, de acordo. Porém, a Coca tem uma capitalização de mercado de US$ 185 bilhões, enquanto a PepsiCo chega aos US$ 188 bilhões. Isso esses números representam todas as marcas de propriedade da Coca-Cola e Pepsico, não apenas seus refrigerantes. Coca e Pepsi lutam pelo domínio em todas as áreas do mercado de bebidas não alcoólicas. A Pepsi pode estar perdendo a Guerra das Colas, mas está dominando o mercado de bebidas esportivas com o Gatorade, por exemplo.

Enfim, não se trata mais apenas de colas se enfrentando. Hoje, o campo de batalha é muito maior. Uma coisa é certa: essa rivalidade pode tomar rumos inesperados e está bem longe de acabar.


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