A estratégia da distração

 
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Para começarmos a falar da Estratégia da Distração, te convidamos a assistir esse vídeo aqui. É rápido, leva 1 minutinho e meio:

Louco, né?

Talvez você já conheça o teste de atenção do gorila invisível, mas a percepção é surpreendente. O vídeo foi utilizado na década 90 para um estudo dos psicólogos e PHDs Christopher Chabris e Daniel Simons, da Universidade de Harvard. Se você, assim como nós, não notou o macaco cruzando a cena, você não está sozinho. A metade dos participantes do estudo também não percebeu. O experimento virou até livro, trazendo um olhar fascinante para os truques inacreditáveis, mas rotineiros, que nosso cérebro aplica na gente.

No vídeo, a instrução inicial é para contar quantos passes o time branco troca entre si. Ficamos tão concentrados em seguir a recomendação que não percebemos algo extraordinário, fora do comum, como um gorila passando e batendo no peito bem na frente do nosso nariz.

Em estratégia, isso tem nome: misdirection. Uma abordagem usada por empresas, marcas, governos, exércitos, equipes esportivas e organizações de modo geral que atuam em ambiente competitivo. A matriz comum de todas essas estratégias é distrair o adversário ou o público do que realmente importa. Desviar seu foco para algo secundário, enquanto aquilo que de fato é importante passa despercebido.

Claramente, há uma discussão ética embutida aqui neste assunto que dá muito pano pra manga se confrontarmos o que é jogo limpo, inteligente e com uma sacada criativa, do que é jogo sujo, manipulador e ilegal. Quase ninguém fala abertamente sobre isso e, se você dar um Google por aí, vai encontrar raríssimos exemplos que apelam abertamente ao misdirection. E é exatamente por isso que estamos aqui: para desvelá-los.

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O Dia Mundial da Paz

Em 2015, o Burguer King lançou uma campanha alusiva ao Dia Mundial da Paz, celebrado em 21 de setembro. A ideia da rede de fast-food foi propor uma trégua ao rival Mc Donald’s e unir forças as forças do rei com o palhaço para criar o McWhoper, um sanduíche que unisse os populares sanduíches Whopper e o Bic Mac – principais carros-chefes das marcas.

Em publicidades de página inteira em vários jornais americanos como o The New York Times, o Burger King afirma: “Viemos em paz. Sabemos que tivemos nossas pequenas divergências, mas por que não decretar um cessar-fogo no que chamamos de ‘guerra dos hambúrgueres’. “Tudo o que precisamos de vocês são alguns funcionários do McDonald’s para que nos ajudem a misturar nossos ingredientes com os seus.”

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Em resposta, em sua página oficial no Facebook, o McDonald’s publicou:

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Depois do climão que se instalou – nem precisa dizer que a ação quebrou a Internet – e de ter tomado um fora do Mc, o Burger King avaliou as “ofertas” que surgiram, enviadas por pequenos e grandes empresas do ramo e publicou, à época, uma carta aberta a quatro deles – Giraffas, Krystal, Denny´s e Wayback Burgers -, convidando-os a colaborarem com o Dia da Paz. Acordo fechado, tudo foi pro forno, e 1.500 sanduíches exclusivos foram lançados no Peace Day Burger.

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Mas, vamos lá, parece a vocês que o BK realmente se preocupou com a conscientização popular em relação ao Dia Mundial da Paz? Ou o interesse é só na enorme mídia espontânea que isso tudo gerou para a marca?

No livro The Art of Misdirection, Dan Kusnetzky escreve:

“Muitos executivos tentam usar a arte da misdirection – muito como um mágico habilidoso – para fazer com que o público olhe para onde gostaria que olhasse, em vez de ver a verdadeira realidade […]. Em comunicações de marketing, a mágica é feita com palavras ao invés de movimentos físicos, por exemplo: uma empresa pode pegar uma palavra ou frase como ‘computação em grade’ ou ‘virtualização’ que tem um significado específico e tentar dobrar seu significado de forma a apoiar seu caso para – o primeiro, o único, o mais qualificado”.

O misdirection na política

No campo político, econômico e social, as estratégias de distração podem ser consideradas um elemento importante de controle, desviando a atenção do público dos problemas. O filósofo Noam Chomsky aponta para uma técnica do “dilúvio”, que propõe inundações contínuas de informações insignificantes, mas que acabam dando mais o que falar e reduzindo naturalmente o interesse público por questões realmente relevantes em áreas como ciência, psicologia, saúde pública, educação, entre outros. Certamente você sabe do que estamos falando, né?

Poderíamos tratar de clássicos como o pão e circo romano ou o cavalo de troia grego, mas uma estratégia recente que chamou muita atenção foi a infame campanha Birth Certificate que rolou no contexto campanha eleitoral que reconduziu Barack Obama ao salão oval da Casa Branca. Para tirar completamente o foco da discussão política a respeito do trabalho de Obama à frente do Tio Sam, figuras do Partido Republicano – Donald Trump à frente – começaram a questionar se de fato Obama era americano em primeiro lugar[!].

Afinal, alguém chamado Barack Hussein Obama com pai queniano não poderia ser americano. E se não é americano, não pode concorrer à presidência. Então, começou um grande movimento de hordas republicanas pedindo pelo certificado de nascimento de Obama e questionando sua legitimidade.

E esse talvez seja o maior lado sombrio do misdirection. Provocar distração baseado em mentiras e provocar movimentos que geram confusão nociva para toda uma nação.

WAR!

Toda a história da estratégia como disciplina começa nos campos de batalha da antiguidade. Você já deve ter ouvido falar disso. E exemplos de distrações é o que não faltam em batalhas históricas. Casos como o do cartaginês Hanibal, em 217 A.C, que armou uma emboscada para o Exército Romano que o perseguia, atraindo-os para uma direção e atacando de surpresa pela retaguarda e os flancos. Contamos essa história no nosso Curso Online de Pensamento Estratégico.

Há também um exemplo de Alexandre, O Grande, ainda mais antigo, em 326 A.C. Em sua marcha de dominação mundial, Alexandre encontrou forças avançadas de Porus, rei de Paurava, na India (no atual Punjab paquistanês). Ambos os exércitos acamparam de frente um para o outro, no rio Jhelum. No final da primavera e início do verão, o rio estava cheio e a correnteza forte, e arriscar um ataque frontal através do rio contra um inimigo numericamente superior teria sido uma loucura. Alexandre, quase sempre impetuoso, teve uma ideia melhor do que esperar que o nível do rio baixasse.

Ele posicionou seu braço direito, Craterus, com um pequeno, mas ruidoso e enérgico contingente, diretamente em frente a Porus. Essa força ocupou-se organizando incursões e fintando através do rio para manter a atenção inimiga. Enquanto isso, Alexandre levou sua força principal para um trecho mais estreito e raso, várias milhas rio acima e, sob a cobertura de uma noite tempestuosa, cruzou o rio sem incidentes.

Batedores logo alertaram sobre a travessia, mas o estrago estava feito: graças às manobras de distração, o exército intacto de Alexandre estava em uma planície aberta. Porus virou sua frente para enfrentar Alexandre, mas teve que deixar um contingente para contra-atacar seu flanco, que Craterus ameaçava. A armadilha funcionou e o massacre foi feito.

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Podemos ver exemplos recentes de misdirection no próprio mundo do entretenimento. Quem não se lembra da épica Batalha dos Bastardos da nossa queridíssima Game of Thrones, quando [AVISO DE SPOILER] Jon Snow enfrentou as forças de Ramsay Bolton? O esfolador sugere um embate frontal usando o irmão de Snow como isca quando e criando todas as condições para flanquear o exército adversário.

Leia também: O que Game of Thrones tem a ensinar sobre estratégia

Podemos ver também largamente estratégias de misdirection em esportes. Mais notadamente, o futebol americano o faz com maestria. Uma das jogadas mais clássicas é a chamada “Play Action”, quando o quarter back finge entregar a bola para o running back. Isso faz com que a defesa se feche e avance, esperando uma corrida. Mas, na verdade, o que o QB quer é espaço para fazer um lançamento e encontrar um Wide Receiver ou um Tight End preparados para a recepção. Ainda que você não entenda bulhufas de futebol americano, vale conhecer a estratégia.

Como diria o mestre Sun Tzu:

“todo o segredo está em confundir o inimigo, de modo que ele não consiga compreender nossa real intenção.”

Mas jogando limpo. Sempre.


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