James Webb Young foi um publicitário dos bons, daqueles que foram para o hall da fama dos EUA, inspiração para muitos dos personagens da era dos “Mad Men”. Só que ele teve uma contribuição teórica e conceitual mais relevante do que a grande maioria deles, no final dos anos 30, escrevendo um livrinho pequeno, mas cheio de sabedoria, chamado A Technique for Producing Ideas.
A tese central de Young é que criatividade é aprendida – como qualquer arte, em sua visão – por meio de duas coisas: princípios e método. E partindo desse ponto de vista, ele entende que trabalhos criativos podem e devem ser tratados como “linhas de produção”, como processos. Termos que certamente causam arrepios em quem vive o sonho ou a ilusão da criatividade como pura inspiração e intuição.
Vamos aqui passar tanto pelos princípios quanto pelo método que Young teorizou sobre como produzir boas ideias.
Em termos de princípios, nas próprias palavras do autor [em livre tradução]:
“O primeiro [princípio] é que uma ideia não é nada mais ou menos do que a combinação de elementos já conhecidos.
[…]
O segundo importante princípio é que a capacidade de trazer velhos elementos em novas combinações depende largamente da habilidade de enxergar relações. Aqui, eu suspeito, é onde temos as grandes distinções de mentes criativas na hora de produzir ideias. Para algumas mentes, cada fato é um pedaço isolado de conhecimento. Para outros, é um link em uma cadeia de conhecimento mais ampla.”
Elementos conhecidos e a nova conexão entre eles. Esses são basicamente os dois princípios que regem todo o entendimento de Young sobre criatividade. O que não é muito diferente do que Steve Jobs disse em sua célebre frase, quase 60 anos depois em entrevista para a Wired: “criatividade é apenas conectar coisas”.
Em termos de método, Young aponta 5 passos para que se consiga produzir boas ideias. E tente olhar para eles não só como uma regra arbitrária, mas sim como um processo que tem tudo a ver com ritmo. Momentos de informação, momentos de conexão; momentos de intensidade, momentos de distanciamento; momentos individuais, momentos coletivos. Tente perceber isso ao longo dos passos.
PASSO #1: ABSORVA INFORMAÇÃO CRUA
Se criatividade depende da conexão de elementos, é preciso ter elementos para conectar. Então, o primeiro momento do processo passa pela absorção de informação e conhecimento sobre o tema ou as questões envolvidas com seu objeto de trabalho.
Todo criativo que eu conheço tem duas características: 1) É interessado por todo tipo de assunto; 2) Vive fuçando todo tipo de fonte de informação. Em vez de trabalhar sistematicamente para se alimentar de informações sobre o assunto, a maioria das pessoas prefere sentar junto com outras pessoas e esperar a inspiração bater.
PASSO #2: FAÇA A “DIGESTÃO DA INFORMAÇÃO”
Depois de reunir informação, é preciso começar a digeri-la, ou seja, criar conexões e relações entre elas, buscando. Esse é um momento de intensidade, em que precisamos “fritar” um pouco a cabeça para tentar desvendar o que há de interessante na relação entre tudo o que estamos trabalhando. É pouco mencionado nesse livro em específico, mas esse é um momento crucial para que haja interações coletivas, em grupo.
É a hora de pegar os diferentes tipos de materiais que você colheu e colocar a cabeça para funcionar. Você pega um fato, vira-o de ponta cabeça, olha-o sob diferentes perspectivas e entende o que aquilo significa. Você coloca dois fatos juntos e entende como eles se encaixam. O que estamos procurando aqui é uma relação entre eles, uma síntese onde tudo se encontra como em uma peça de quebra-cabeça.
PASSO #3: PROCESSAMENTO INCONSCIENTE
Tem hora que de tanto fritar, a cabeça funde. E aí é hora de parar, porque nada mais de bom pode sair de um cérebro atordoado por tanta informação e tentativas de conexão. Então a dica de Young é: vá fazer outra coisa. Qualquer coisa. Desde que não relacionada diretamente ao objeto do seu trabalho. Esse é uma etapa fundamental do processo, em que o cérebro vai trabalhar todas as conexões previamente estabelecidas no nível do inconsciente. Então, enquanto o foco consciente está em outro lugar, a aposta é que o cérebro vai continuar trabalhando para nós.
O que você precisa fazer nesse momento é, aparentemente, levar o problema para o seu inconsciente e deixar-lo trabalhando lá enquanto você dorme. […] Largue o problema completamente e faça qualquer coisa que estimule a sua imaginação e emoções. Ouça música, vá ao teatro, ao cinema, leia poesia ou uma romance de detetive.
PASSO #4: O MOMENTO “A-HA”
Com as conexões tendo trabalhado em nível consciente e inconsciente, é hora de aparecer o clique final, a relação que de fato será o embrião para a ideia que você estava perseguindo. E o autor “promete” que isso virá praticamente do nada, quando nós menos estivermos esperando, fazendo outra atividade, na relacionada ao tema [no banho, lavando louça, andando na rua etc.]. E não há nada de esotérico ou mágico nisso. É apenas o jeito que nosso cérebro funciona. Ou vai falar que você nunca teve uma grande ideia no banho?
Do nada, a ideia vai aparecer. E vai vir quando você menos esperar – fazendo a barba, tomando banho, no meio da noite ou quando você está meio acordado, meio dormindo de manhã.
PASSO #5: O CONFRONTO COM A REALIDADE
Chega a hora que a ideia precisa ser trabalhada mais concretamente, no nível da execução, com todo craft necessário para que ela vá crescendo e tomando corpo. E nesse momento, a sugestão de Young é que nós não nos isolemos. Não podemos acreditar que vamos dar conta sozinhos de criar algo genial, que será revelado ao mundo quando estiver impecável. Em vez disso, ele nos incentiva a trabalhar junto, dividir a ideia com outras pessoas e ter a humildade de entender como ela precisa se adaptar ou mudar para ser ainda melhor.
Trabalhar para que a ideia caiba exatamente nas condições e exigências práticas na qual ela precisa funcionar requer muita paciência. O criativo, assim como o inventor, não costuma ser paciente ou prático o suficiente na parte do processo que requer adaptações. Mas tem que ser feito se você quer colocar ideias na rua.
Nesse estágio, não cometa o erro de ficar abraçando sua ideia só para vocês. Submeta sua ideia a crítica dos criteriosos. Quando você fizer isso, terá uma surpresa. Você descobrirá que uma boa ideia tem qualidades ‘auto-expansíveis’. Ela estimula as pessoas a contribuir. Possibilidades que você nem notou começarão a ficar visíveis.
Apesar de ter sido escrito há tanto tempo, o processo criativo de James Webb Young nos parece mas atual do que nunca, trazendo princípios de conexão, colaboração, níveis de processamento cognitivo e tantas outras coisas que são o que há de mais contemporâneo em termos de criatividade e inovação.
E, como apontamos no começo, lembre-se sempre: processo criativo tem a ver com ritmo e com a variação de diferentes momentos e tipos de trabalho. Talvez essa seja a chave de interpretação para melhor aproveitar e compreender a ideia do nosso velho publicitário.