Ascensão e Queda do Planejamento Estratégico

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Ainda na toada dos clássicos sobre estratégia, chegou a vez de falarmos do canadense Henry Mintzberg. Com uma formação sólida com PhD no MIT e longa produção acadêmica como professor da McGill University em Montreal, Mintzberg tem cá para nós um espaço mais garantido na prateleira. Especialmente porque ele é dos poucos pistolões a bater de frente com algumas das estruturas mais celebradas sobre estratégia, considerando-as um verdadeiro deserviço ao campo.

E o livro que talvez faça isso com mais força seja seu “The Rise and Fall of Strategic Planning”, de 1994. Certamente aqui estão os pensamentos que orientam muito da nossa visão sobre estratégia na Sandbox. Vamos dar uma geral em suas ideias, apoiados no artigo publicado no mesmo ano na HBR, que funciona como uma espécie de sumário do livro como um todo. E vamos fazer isso na forma de alguns contrastes, que são muito marcados no pensamento de Mintzberg.


PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO vs PENSAMENTO ESTRATÉGICO

Esse talvez seja “o” grande ponto do autor, então vamos logo começar por ele. Para Mintzberg, estratégia e planejamento são coisas absolutamente diferentes e a confusão entre elas é o que faz a atividade de estratégia em si acabar sendo desvalorizada ou descreditada.

Segundo ele, planejamento estratégico foi construído ao longo de toda a literatura desde o meio dos anos 60 como um grande conjunto de regras e frameworks que de alguma maneira sistematizam o pensamento. Nós mesmos já postamos vários deles for aqui. E, nessa, o planejamento acabou sendo entendido como essa coisa complexa, cheia de palavras, frases, caixinhas, setas, tabelas etc. Eles faz até a imagem clássica de pessoas se reunindo em algum retiro para saírem de lá com um grande planejamento estratégico anual. Nas palavras dele: “mission statements in the morning, assessment of corporate strengths and weaknesses in the afternoon, strategies carefully articulated by 5 p.m.”

Mas, de fato, não é aí que está o valor da estratégia como disciplina. Longe disso, na verdade. Mintzberg defende a valorização do que ele chama de PENSAMENTO estratégico, ou seja, a habilidade de oferecer uma direção, um caminho ou, como ele prefere, uma “visão”. Ao contrário do planejamento, o grande valor da estratégia não está na análise e sim na síntese. Está na capacidade de passar por um processo de aprendizado, conectando inúmeros diferentes pontos para se chegar a uma conclusão assertiva de para onde ir. Não que a análise não seja importante [vamos falar disso logo mais], mas ela é um meio para um fim.

Strategic planning isn’t strategic thinking. One is analysis, and the other is synthesis.

PLANEJAR vs PROGRAMAR

Ainda no tema “planejamento”, Mintzberg tem um ponto quase semântico, mas com um conceito bem interessante por trás. Ele defende a ideia de que o termo planejamento deveria ser substituído por “programação”. Porque, na prática, o que o planejamento estratégico [nessa perspectiva de distinção de pensamento estratégico] faz é pegar uma estratégia pronta, já definida, e criar mecanismos para que ela possa funcionar na prática. Então, o que se está fazendo é uma programação de como ela vai rolar.

E o autor coloca essa “programação” em três perspectivas: codificação, elaboração e conversão.

  • Codificação significa expressar as estratégias em termos suficientemente claros para que todos possam ter noção exata de como operacionalizá-la. Requer um alto nível de interpretação e e atenção aos detalhes, em especial às nuances e possíveis contradições.

  • Elaboração significa descer um nível e colocar tudo isso em termos concretos de datas, nível de investimento, pessoas etc. É o que mais comumente chamamos de “plano” mesmo.

  • Conversão significa considerar todos os aspectos de mudanças na empresa de acordo com as novas decisões estratégicas. Políticas, estruturas, processos. Tudo isso pode ser impactado pelo tipo de estratégia e plano que se está estruturando e isso deve ser levado em conta.

Tudo isso para Mintzberg significa “programar” uma estratégia. E, como começamos dizendo, pode parecer uma questão semântica, mas além de ter bastante pensamento por trás, cria um efeito de separação ainda maior das ideias de pensamento e planejamento estratégico. Só isso já é muito útil em si.




HARD vs SOFT DATA

Mintzberg é um dos grandes questionadores da hiper valorização da chamada “hard data”, ou seja, a noção de que dados quantitativos sobre mercado, consumidores, ou o que quer que seja, é suficiente para a tomada de decisão e para o bom direcionamento estratégico.

Isso porque esse livro é de 1994. Imagine hoje em dia com a escalada imensa do volume de dados, em sua grande maioria quantitativos. Em tempos de big data, parece que cada vez há menos e menos espaço para qualquer coisa que não seja estatística.

Porém, o autor enxerga um valor enorme no que se chama “soft data”, ou seja, um tipo de informação que não tem validade estatística ou amostral, mas que de alguma forma tangibiliza uma situação, um comportamento, um sinal de mercado etc. Pode ser um depoimento, uma história, uma fofoca de corredor até, ele diz.

Todas essas coisas podem não revelar a verdade do mundo, mas elas têm o poder de contribuir para um entendimento mais profundo, que o dado frio não consegue. Ou inclusive para dar um contexto e corrigir possíveis distorções da hard data.

“While hard data may inform the intellect, it is largely soft data that generates wisdom.”

DESTRO vs CANHOTO

Por fim, falando mais sobre o profissional em si, Mintzberg enxerga dois tipos de pessoas. Ou melhor, dois tipos de habilidades, que precisam não competir, mas ocupar o mesmo espaço, com a mesma importância dentro de uma organização.

De um lado, existe o profissional que tem mais habilidade analítica, que “coloca ordem no caos”, mas palavras do próprio autor. É alguém que vai ser naturalmente mais afeito a hard data e que terá um ímpeto por organizar, sistematizar e impor um método mais científico ao processo de aprendizagem em estratégia. Esse é o que ele chama de “destro” [apesar de ser o lado esquerdo do cérebro que comanda esse nosso lado mais lógico].

De outro lado, temos o canhoto, que é o cara mais inventivo, mais criativo, que consegue enxergar coisas mais fora das caixinhas convencionais. Costuma apelar mais para a sua intuição e confia mais no poder do soft data para ajudar a tomar decisões. Trabalha bastante com métodos de ideação, colaborativos.

O fato é que um sem o outro não funciona. Lógica sozinha provavelmente vai produzir resultados fracos e nos deixar meio sempre no mesmo lugar, vivendo na base de pequenos incrementos de crescimento. Por outro lado, criatividade sozinha corre um grande risco de errar na mosca, seja por se apoiar demais em soft data e não conseguir enxergar a realidade por trás dela; seja por não conseguir contextualizar suas ideias dentro de uma lógica que faça sentido para a empresa.


Mintzberg é uma leitura quase obrigatória para todo mundo que quer entender mais profundamente de estratégia. Essa visão de sair dos frameworks e considerar estratégia uma estrutura mental e não processual é bastante disruptiva e faz toda a diferença em um ambiente em que todo mês surge um novo modelo definitivo de como se fazer estratégia.