Nós já escrevemos por aqui faz um tempo um texto mostrando como estrategistas podem se beneficiar dos grandes modelos de AI [LLM]. E recentemente saiu uma entrevista no podcast Inside the Strategy Room, da McKinsey, com Yuval Atsmon, líder do novo Centro de Estratégia e Inovação da consultoria, revelando como a inteligência artificial pode ser uma aliada poderosa no trabalho estratégico das empresas. Embora a automação completa da estratégia ainda esteja distante, há várias maneiras pelas quais a IA já está transformando o campo, oferecendo oportunidades para maximizar a eficiência e a precisão das decisões estratégicas.
Segundo ele, uma das principais contribuições da IA é sua capacidade de ajudar os executivos a evitar vieses nas decisões. Ao analisar grandes volumes de dados, a IA pode identificar padrões e insights valiosos que podem passar despercebidos aos olhos humanos. Isso é especialmente útil em um campo como a estratégia, onde decisões precisam ser informadas por uma compreensão abrangente do ambiente de negócios. A IA pode destacar situações propensas a vieses e fornecer uma perspectiva neutra, promovendo discussões mais ricas e informadas.
Além disso, a IA pode acelerar significativamente o processo de tomada de decisão estratégica. Ferramentas de análise preditiva podem antecipar cenários futuros com base em dados históricos e tendências de mercado, permitindo que os executivos avaliem diferentes opções de forma mais rápida e eficiente. Isso não apenas economiza tempo, mas também permite uma adaptação mais ágil às mudanças nas condições do mercado.
Outro benefício da IA é sua capacidade de identificar oportunidades estratégicas que podem passar despercebidas de outra forma. Ao analisar padrões de mercado e comportamentos de consumidores, a IA pode destacar tendências emergentes e sugerir ações que podem gerar valor para a empresa. Por exemplo, empresas digitais nativas têm usado a IA para ajustar seus planos financeiros com base em padrões de precificação observados no mercado, permitindo uma rápida adaptação às mudanças nas condições de oferta e demanda.
Além disso, a IA pode ajudar a mitigar riscos ao fornecer previsões objetivas e transparentes sobre o desempenho futuro. Ao calcular projeções de desempenho com base em dados históricos e indicadores de mercado, a IA pode fornecer uma base sólida para a tomada de decisões, ajudando os executivos a evitar armadilhas como o viés otimista. Isso promove uma maior transparência no processo de tomada de decisão e ajuda a garantir que as decisões sejam baseadas em evidências sólidas.
Um passo para trás: qual o core do trabalho do estrategista?
Apesar de tudo isso ser verdade e consigamos reconhecer esses benefícios com clareza, precisamos dar um passo para trás. Vamos aqui aproveitar a abordagem de Roger Martin e entender o core do trabalho do estrategista, aprofundando-nos no conceito de heurística.
Heurísticas são abordagens para a resolução de problemas que ajudam a avançar em direção a uma solução, mas não garantem que a solução será conforme o desejado. No contexto empresarial, uma heurística pode ser uma maneira de conduzir uma transação de fusões e aquisições, de incorporar um novo membro ao conselho administrativo ou, na área de estratégia, uma abordagem para criar estratégias eficazes.
O termo “heurística” ganhou destaque no século XIX, mas foi nos últimos anos que se tornou um conceito amplamente discutido, especialmente graças ao trabalho de Herb Simon, um renomado Nobel Laureate, que explorou a “racionalidade limitada” e destacou o papel das heurísticas no pensamento humano.
Daniel Kahneman e Amos Tversky deram continuidade ao trabalho pioneiro de Simon, investigando heurísticas e introduzindo o conceito de viés cognitivo. Essas descobertas contribuíram para o surgimento da economia comportamental, mostrando como os seres humanos muitas vezes recorrem a heurísticas enviesadas que podem influenciar suas decisões.
Enquanto Kahneman e Tversky se concentraram nos vieses cognitivos, Gerd Gigerenzer adotou uma abordagem diferente, destacando heurísticas como atalhos úteis para a tomada de decisões. Por exemplo, a heurística de reconhecimento sugere que, ao escolher entre duas opções, é mais sensato escolher aquela com a qual se tem mais familiaridade. Essas heurísticas não são perfeitas, mas podem ser melhores do que decisões aleatórias. E, no fundo, fazer esse tipo de tomada de decisão – especialmente aplicada ao emprego de recursos – é o centro do trabalho de um estrategista e onde ele certamente tem mais valor.
Estratégia e heurística
A jornada para desenvolver o pensamento estratégico de um profissional é comparável à progressão descrita por Roger L. Martin em seu conceito do Funil do Conhecimento, que vai desde o mistério até o código, passando pela heurística e pelos algoritmos. Assim como na evolução do conhecimento, os profissionais também atravessam estágios distintos na formação de sua estratégia.
Inicialmente, assim como quando nos deparamos com um mistério, os profissionais podem se encontrar em uma fase em que tudo é incerto e pouco claro. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando enfrentam desafios complexos sem uma compreensão clara de como abordá-los. Nesse estágio, é essencial considerar todas as possibilidades e explorar todas as perspectivas disponíveis, da mesma forma que os pesquisadores exploram diversas teorias para entender fenômenos desconhecidos.
À medida que os profissionais avançam em suas carreiras e adquirem mais experiência e conhecimento, eles começam a desenvolver heurísticas, ou seja, métodos simplificados e práticos para lidar com problemas recorrentes. Essas heurísticas são como regras práticas baseadas em experiências passadas e conhecimentos adquiridos, que ajudam a simplificar e agilizar o processo de tomada de decisão estratégica.
No entanto, é importante reconhecer que as heurísticas têm suas limitações. Elas não garantem a resposta correta e podem não ser aplicáveis a todas as situações. Assim como uma heurística pode ser útil para resolver um problema, pode não ser tão eficaz em outro contexto. Portanto, os profissionais devem estar cientes das restrições de suas heurísticas e estar abertos a revisá-las e ajustá-las conforme necessário.
À medida que os profissionais amadurecem em suas carreiras e se tornam mais proficientes em suas heurísticas, alguns podem avançar para a fase de algoritmos. Neste estágio, eles desenvolvem métodos mais sistemáticos e repetíveis para resolver problemas específicos. Os algoritmos são como fórmulas ou processos definidos que, quando seguidos corretamente, levam a resultados previsíveis e consistentes. Por exemplo, um profissional de marketing pode desenvolver um algoritmo para analisar dados de clientes e segmentar efetivamente o público-alvo para campanhas publicitárias.
No entanto, o ápice do pensamento estratégico ocorre quando os profissionais conseguem transformar suas heurísticas ou algoritmos em código. Isso significa codificar esses processos em software ou sistemas que podem ser implementados e escalados em larga escala. Por exemplo, uma empresa de tecnologia pode desenvolver um software baseado em algoritmos para automatizar processos de negócios, aumentando assim sua eficiência e alcance.
AI e as limitações para o pensamento estratégico
À medida que empresas investem cada vez mais em Inteligência Artificial (IA), é importante reconhecer que embora a IA tenha impactado significativamente os negócios, ela possui limitações inerentes que podem afetar a garantia de um pensamento estratégico excelente. O crescente entusiasmo e preocupação em relação à IA, especialmente os modelos baseados em grandes modelos de linguagem gerativa, como o ChatGPT, exemplificam a necessidade de uma discussão sobre suas capacidades e limitações.
Embora a IA tenha o potencial de democratizar o conhecimento ao acelerar o processo de avanço de heurísticas, ela tende a torná-las médias e comuns. A ênfase na frequência na inferência de heurísticas pode levar à perda da singularidade e qualidade excepcional das estratégias. Enquanto a IA pode ser útil para descobrir heurísticas medianas, ela pode não ser eficaz na identificação de soluções excepcionais ou estratégias que podem muitas vezes estar nas pontas e não no meio das curvas. Estratégias verdadeiramente disruptivas podem escapar à capacidade dos modelos de IA devido à sua dependência de padrões existentes e históricos de dados.
Além disso, os modelos de IA podem carecer de compreensão do contexto estratégico subjacente. Eles são treinados com base em conjuntos de dados e padrões existentes, mas podem não capturar nuances estratégicas cruciais específicas de determinadas empresas ou setores. Isso limita sua capacidade de fornecer insights estratégicos personalizados e relevantes para situações específicas.
Por isso, essa dependência excessiva de modelos de IA pode levar a uma tendência de buscar soluções médias ou convencionais. Empresas que confiam exclusivamente em IA para orientar suas estratégias correm o risco de perder a capacidade de inovação e diferenciação, pois podem se contentar com soluções genéricas que não se destacam no mercado.
Nesse sentido, embora a IA ofereça benefícios significativos em termos de automação e análise de dados, ela não substitui a necessidade de insights humanos e julgamento estratégico. O papel dos profissionais e gestores continua sendo crucial na formulação e execução de estratégias eficazes, complementando as capacidades da IA com intuição, criatividade e experiência prática.
Em conclusão, enquanto a inteligência artificial (IA) oferece benefícios inegáveis para o campo estratégico, é essencial reconhecer as limitações inerentes aos modelos baseados em IA. Embora a IA possa acelerar o processo de desenvolvimento e aplicação de heurísticas, existe o risco de homogeneizar soluções e limitar a capacidade de identificar estratégias verdadeiramente inovadoras e disruptivas. A dependência exclusiva de modelos de IA pode levar à perda da singularidade e qualidade excepcional das estratégias, destacando assim a importância contínua do pensamento humano e do julgamento estratégico para complementar as capacidades da IA.
Por conseguinte, é crucial manter um equilíbrio entre o uso de IA e a expertise humana na formulação e execução de estratégias empresariais. Os profissionais devem aproveitar as vantagens da IA para automatizar processos, analisar dados e identificar padrões, enquanto continuam aprimorando sua capacidade de desenvolver heurísticas únicas e interpretar nuances estratégicas específicas do contexto empresarial. Ao fazer isso, as organizações podem aproveitar ao máximo o potencial da IA, ao mesmo tempo em que preservam a criatividade, a inovação e a diferenciação que são fundamentais para o sucesso a longo prazo nos negócios.