Competição: o coração do pensamento estratégico

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Michael Porter, uma das autoridades mais conceituadas sobre estratégia no mundo, entende que a essência da formulação de um pensamento estratégico é lidar com a competição. Para ele, estratégia pode ser vista como a construção de defesas contra as forças competitivas ou como encontrar posições no mercado onde essas forças são menos poderosas e deixam brechas a serem aproveitadas.

O conhecimento das capacidades e dificuldades da própria empresa e das forças competitivas destacará onde a concorrência pode ser enfrentada e onde evitá-la. Se a empresa for um produtor de baixo custo, por exemplo, ela pode optar por enfrentar compradores poderosos enquanto se preocupa em vender apenas produtos não vulneráveis à competição de substitutos.

Roger Martin, outro celebrado autor da área de estratégia, aborda a competitividade implicando até mesmo na sobrevivência de um negócio. Isso porque, em um belo dia, um player de algum mercado, [normalmente um novato] fará um movimento que pode mudar tudo e virar o tabuleiro de cabeça pra baixo. Pode ser uma nova tecnologia, um novo modelo de negócio. E, no caso de players já estabelecidos, a ação pode ser simplesmente “apertar um botão de escala” de uma maneira que torne quase ou totalmente impossível permanecer um competidor pequeno no jogo. É o tal do “winner takes it all”.

Nesse sentido, o insight mais importante do profissional de estratégia é não presumir que o nível de competitividade em seu setor é natural – do jeito que deveria ser – ou estável – do jeito que continuará a ser. Ele pode mudar rapidamente e não demora muito para que as consequências se tornem inevitáveis.

Existem implicações defensivas e ofensivas no espectro dessa mudança competitiva. Do lado defensivo, é fundamental ser extremamente cauteloso e estar atento a diferentes modelos de negócios e tecnologias que possam estar surgindo. É importante monitorar inclusive mercados mais inovadores, onde essas coisas costumam acontecer primeiro.

No lado ofensivo, sempre vale a pena contemplar as maneiras pelas quais é possível fazer esses movimentos antes de qualquer outro player. Lembre-se: se determinada transformação pode ser feita, ela será feita por alguém em algum momento. E esse alguém pode e deve ser você.

Martin cita o exemplo que, muito antes de os intermediários de viagens online começarem a agregar a demanda do cliente e se interpor entre os clientes e as companhias aéreas, a Southwest Airlines reconheceu que os agentes de viagens representavam um canal de alto custo e baixa qualidade de serviço e agiu agressivamente para que sua base de clientes fizesse reservas diretamente com a empresa. Como resultado, a Southwest não era um pequeno participante nas reservas online quando os agregadores (Expedia, Travelocity, etc.) construíram seus negócios. 

Similarmente, a Domino’s Pizza começou em 2008 a criar uma experiência digital para o cliente com seu aplicativo móvel ‘Pizza Tracker’ muito antes de os aplicativos de entrega de comida atingirem uma escala significativa. Em 2017, 60% das pizzas da Domino’s foram encomendadas por meio de seu aplicativo.

Southwest e Domino’s foram para a ofensiva e se mexeram antes de serem empurrados por novos movimentos em seus mercados. Isso eliminou a ameaça dos agregadores? Não. Mas ir para o ataque cedo ajudou a construir posições que seus concorrentes diretos não tentaram até tarde demais. 

 

O caso da Dr Pepper

Um case citado por Porter em artigo publicado na HBR ilustra bem esse posicionamento competitivo. É a Dr Pepper, marca de refrigerante fundada no Texas, EUA, em 1885, e que existe até hoje, suportando o domínio do mercado pertencente a Coca-Cola e a Pepsi.

A Dr Pepper escolheu uma estratégia de evitar o segmento de bebidas de maior venda, no caso os refrigerantes de cola, mantendo uma linha estreita de sabores incomuns, renunciando ao desenvolvimento de uma rede de engarrafadores cativa e fazendo um marketing pesado. A empresa se posicionou de forma a ser menos vulnerável às suas forças competitivas enquanto explorava seu pequeno porte.

Na indústria de refrigerantes, historicamente as barreiras à entrada na forma de identificação da marca, marketing em larga escala e acesso a uma rede de engarrafadores são enormes. Em vez de aceitar os custos e as economias de escala de ter sua própria rede de engarrafadores, a Dr Pepper aproveitou o sabor diferente de sua bebida para “pegar carona” na Coca e Engarrafadores da Pepsi que queriam uma linha completa para vender aos clientes.

Muitas pequenas empresas no ramo de refrigerantes oferecem produtos que as colocam em uma competição cara a cara com as grandes. Mas o posicionamento da marca construiu uma forte identificação com o público e criou uma grande fidelidade dos clientes. Ajudando em seus esforços estava o fato de que a fórmula da Dr Pepper envolvia custos de matéria-prima mais baixos, o que deu à empresa uma vantagem absoluta de custo sobre seus principais concorrentes.

Não há economia de escala na produção de concentrado de refrigerantes, então a Dr Pepper poderia prosperar apesar de sua pequena participação no mercado. Assim, enfrentou a concorrência em marketing, mas a evitou na linha de produtos e na distribuição. 

 

Competição indireta

Dentro dessa questão, talvez o lado mais difícil no contexto de estratégia é enxergar a competição indireta. É fácil perceber, por exemplo, que Pepsi e Coca-Cola são concorrentes. Ambos querem os consumidores de refrigerantes. Assim como também é fácil ver que Mc Donald’s e Burger King são concorrentes diretos. Ou então dois clubes de futebol que competem para ficar na frente um do outro na tabela de um campeonato. Mas há outras competições mais difíceis de perceber.

A concorrência direta é qualquer empresa que oferece o mesmo que outra e costuma atrair o mesmo público. É até intuitivo pensar que o McDonald’s só compete com outros restaurantes e cafés ao estilo fast-food. Porém, ele também compete com restaurantes que servem outros tipos de refeição. Se quisermos, por exemplo, comida árabe em uma noite de sexta-feira, o Habib’s ou o Mister Sheik pode atender às nossas necessidades. Ambos oferecem o mesmo produto com preços semelhantes. 

Já a concorrência indireta se refere a uma empresa cujos produtos ou serviços são diferentes de outras, mas podem satisfazer potencialmente a mesma necessidade dos clientes e atingir o mesmo objetivo. Então podemos ir ao Habib’ s para provar comida árabe, mas também podemos pedir hamburguer via UberEats de uma lanchonete local, abrir a geladeira e preparar uma salada ou abrir a churrasqueira e colocar uma carne para assar.

Logo, percebemos que a concorrência de um restaurante não é só contra o arqui-inimigo do quarteirão ao lado. Mas sim contra tudo aquilo que pode roubar a atenção e o consumo do cliente e impedi-lo de escolher a sua solução. Isso vale para quaisquer ramos de negócios, de alimentação a roupas, de canais de TV ao software de gestão de tarefas da sua empresa.

Isso acontece também no terceiro setor, que exerce atividades sem fins lucrativos. Uma ONG quer mais relevância para sua causa, quer chamar mais a atenção do que outras porque assim pode atrair mais voluntários e ativistas, mais doações, e a sua pauta vai ir em frente na sociedade, enquanto outras ficam pelo caminho. Nesse sentido, o movimento feminista compete com o movimento anti-racismo, com o movimento LGBTQIA+ e assim por diante. Não é uma concorrência desleal para rebaixar a outra classe ou para “roubar” ativistas de uma causa para outra, mas uma concorrência mais sutil, pela atenção e sensibilização das pessoas e pela influência de sua pauta.

Os próprios monopólios entram nesse contexto. As empresas com monopólio de petróleo, por exemplo, surfam a onda sozinhas nesse segmento. Mas elas estão competindo em outro nível, contra a produção de etanol, por exemplo, ou contra a fabricação e popularização de carros elétricos. É uma concorrência indireta pelas montadoras de automóveis e também preferência dos consumidores finais de automóveis.

No fim, é uma questão de share of wallet: se você não está gastando o dinheiro em uma categoria, está gastando em outro lugar, afinal a quantidade de recursos financeiros disponíveis é a mesma para distribuir entre os diversos gastos possíveis.

Uma boa estratégia de negócios precisa entender o que é concorrência direta e indireta em seu mercado. Sua influência é importante como um elemento invisível, mas sempre presente, que impacta como as marcas se posicionam e como podem competir na luta pela atenção dos clientes.