São inúmeros os casos de empresas, marcas e celebridades que entram em verdadeiros pesadelos de relações públicas, seja pelo que fizeram, falaram, em público ou em privado, fruto de vazamentos.
Ora é uma celebridade como Neymar que tem vídeos íntimos vazados e isso repercute nas marcas que o patrocinam. Ora são empresas mencionadas em casos de corrupção, como alguns bancos. Ora é o próprio público e privado que se confundem e uma atitude de ordem pessoal de um alto executivo de uma empresa gera boicotes às suas marcas, como o mais recente caso da chairman da SoulCycle e da Equinox, que ao anunciar um fundraiser para Donald Trump, gerou uma onda de boicotes às marcas [que tem propósito e agenda bastante liberais].
Pensando nesse contexto, trouxemos o mais novo artigo do sociólogo John B. Thompson, conhecido pelo seu livro de meados dos anos 90, “A Mídia e a Modernidade”. Nesse artigo, entitulado “Mediated interaction in the digital age”, ele revisa e atualiza sua “teoria internacional da mídia” à luz da revolução digital e faz um ensaio mais teórico sobre o que tudo isso significa em termos de comunicação, seus ambientes, interações e estruturas sociais.
Saindo de uma análise menos intrínseca da mídia como McLuhan por exemplo, ele estabeleceu maneiras pelas quais a mediação tecnológica e/ou midiática alteram as nossas interações sociais no espectro da comunicação. Elas podem ser basicamente:
1. Face a face, em que há um ambiente espaço-temporal comum, um fluxo de informação bidirecional e uma multiplicidade de sinais simbólicos [como expressões faciais, gestos, cheiros etc.].
2. Mediada, em que há algum instrumento que viabiliza a comunicação e tira dela a necessidade de um mesmo ambiente espaço-temporal, mas ao mesmo tempo restringe a possibilidade dos sinais simbólicos [telefone, por exemplo]
3. Quase-interação mediada, em que um emissor transmite informação para muitos receptores ao mesmo tempo, com um fluxo de informação unilateral, como um telejornal, por exemplo. Aqui, Thompson entende que há uma espécie de interação entre emissor e receptor e não apenas um consumo de informação.
Recentemente, Thompson atualizou sua teoria, adicionando uma quarta forma de interação, que ele chamou de “mediação online”, que se refere especificamente a mediação feita por computador [smartphones, tablets etc]. Assim como as outras 2 formas de interação mediada, ela também se estende na perspectiva espaço-temporal e tem restrições da multiplicidade de sinais simbólicos. Porém, ela não é nem de um para um [como a mediada] ou de um para muitos [como a quase-interação], mas sim de muitos para muitos, pelo fato das pessoas se conectam em rede.
Para Thompson, a grande interação mediadas e mediada online é que a orientação da mensagem é distinta. Ainda que possa ser múltipla, a interação mediada tem destino certo, enquanto na mediação online o destino é uma rede de pessoas, que muitas vezes não é de conhecimento específico do emissor e que vai se multiplicando nessa lógica social.
Entender essas diferenças nos tipos de interação é fundamental para perceber suas particularidades e seus impactos na sociedade. Mas, claro que nada é tão rígido assim. No artigo, o próprio Thompson faz um disclaimer das nuances que fazem com que essas “caixinhas” não sejam totalmente claras e que possa haver exemplos de exemplos de um tipo de interaão que caibam em outros [exemplo: facetime é quase uma interação face a face, mas mediada]. Por isso, é importante focar no core de cada tipo de interação e não em suas nuances específicas. Na regra e não nas exceções.
A partir daí, Thompson pega emprestado os conceitos de palco e bastidores [ou região frontal e região de fundos] de Goffman e complexifica bastante a análise. É a ideia de que a comunicação sempre acontece por meio de alguma estrutura social e que ela pode ser em
1. Um tipo de ambiente, contexto ou situação que demande um tipo de comportamento socialmente adequado, em que é necessário preservar uma imagem pública [palco]
2. Uma a área “segura” [bastidor], em que entende-se que há controle privativo do emissor e que ele não precisa buscar a mesma adequação, em que pode baixar a guarda e expor mais seu ser e menos sua imagem social, entendendo que está em um ambiente apropriado.
Entendendo esses conceitos de forma integrada, é importante notar como – especialmente na interação mediada – há um risco iminente de vazamento da região de fundo para a região frontal. É o que acontece tantas vezes com pessoas que pensam estar em off, mas a gravação continua e elas são capturadas atuando no palco como se estivesse nos bastidores. Relembre um caso clássico:
Mas há também o fenômeno dos que Thompson chama de “informantes digitais”, que fazem o voluntariamente a passagem de informações da região de fundo para a região frontal [obviamente contra a vontade do emissor] e forçam o vazamento usando canais de grande visibilidade. São casos como Edward Snowden que revelou segredos de estado para um grande veícul ode comunicação como o Guardian [ou mesmo nosso caso recente da “Vaza Jato”] ; ou Julian Assange, que tem um canal “institucionalizado” de vazamentos de documentos, WikiLeaks.
O que acontece é que a grande mídia acaba dando uma visibilidade e uma legitimidade que as pessoas individualmente não teriam. Nos termos de Bourdie, eles aumentam o capital simbólico da informação.
Na mediação online o que acontece é que muda a direcionalidade da informação. O que era unidirecional passa a ser multidirecional, na medida em que quase todo indivíduo pode usar seu smartphone para amplificar uma interação face a face para muitas outras. Então, a região frontal de qualquer indivíduo pode ser amplificada, mas a região de fundos também.
No final do artigo, Thompson mostra como isso tem um enorme impacto no campo político. Se antes [bem antes] os monarcas não se dirigiam de forma nenhuma ao povo e depois – em tempos republicanos – os governantes passaram a se comunicar mediados por gatekeepers da mídia, hoje eles podem se dirigir diretamente com as pessoas, sem nenhum filtro.
Isso faz com que o político possa entrar no ambiente de mediação online, atuando de forma multidirecional e, especialmente, sem os famosos “gatekeepers”, que sempre filtraram, editaram e decidiram como o governante chegaria até seu público de forma massiva.
Claro as plataformas online de redes sociais são obviamente gatekeepers, ao se modo, dominando o ambiente e a infraestrutura de como a comunicação acontece. Mas é com uma forma e uma intenção diferente dos veículos de mídia
Thompson salienta inclusive o caso de Donald Trump, que usou a quase-interação mediada em canais de grande visibilidade como o Aprendiz e depois transferiu isso para a mediação online, falando diretamente com as pessoas e ganhando percepção de autenticidade. Hoje ele não só corta o caminho da mediação dos veículos como os pauta, em um ambiente de total controle seu.
A grande questão é que hoje todo mundo pode gerar um registro digital perene e as possibilidades de transmissão são muito facilitadas pelo ambiente de rede. E, nesse sentido, proliferam-se escândalos, presentes ou passados. Estão todos sempre na iminência de verem seus bastidores serem tornados palco e colocados em interação de rede.
Para manter seu poder político, eles precisam manter seu poder simbólico, que a todo tempo pode – e vai – ser minado pela proliferação desses escanda-los, que mais do que fofoca, viram questões essenciais porque tocam nas fontes reais de poder de forma única.
Isso acontece exatamente da mesma forma com as marcas, que, apesar de continuarem tendo a relação que sempre tiveram com o público, enviando mensagens unidirecionais, como em uma quase-interação mediada, estão expostas a esse ambiente complexo em que vivem na iminência de um novo escândalo relacionado a pessoas que estão à frente de suas marcas, seja de forma interna, de gestão, ou externa, como um endosso ou patrocínio de celebridades.
É preciso entender e abraças toda essa complexidade para criar políticas, premissas e princípios que mitiguem a possibilidade do dano profundo que um escândalo pode causar ao poder simbólico de uma marca.