O post mortem de uma startup

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A coisa mais comum é vermos em veículos de negócio, inovação e tecnologia – ou na mídia de maneira geral – perfis de startups mostrando para o público como são geniais as mentes por trás de grandes negócios, com cifras milionárias e tudo mais. O que ninguém conta – ou ao menos com profundidade – é o outro lado: a quantidade de startups que morrem e ficam pelo caminho. Se não se fala sobre isso, não se analisa os motivos. E se não se analisa os motivos, não se aprende com o erro do outro.

Com isso em mente, o empreendedor Jasper Diamond Nathaniel deu um passo à frente e dividiu a sua história de fracasso, fazendo um post mortem da sua startup, a Revere, que não sobreviveu a poucos anos de mercado.

Essa é uma história que nos chamou muita atenção por aqui, porque ela de alguma forma se encaixa com todos os nossos 5 principais assuntos: Estratégia, Gestão, Digital Marketing, Data Intelligence e Inovação. Cada um desses tópicos é responsável por um tipo de falha que levou a Revere para o túmulo. E vamos contar a história do Jasper por esses 5 aspectos.

ESTRATÉGIA

A Revere era uma startup de suplementos alimentares. A ideia era ter uma pegada mais natureba e atrair o público fitness com essa promessa de um produto funcional, mas mais natural. Um grupo de investidores contratou como CEO o antigo chefe e mentor de Jasper, Matt, que o colocou na jogada como sócio e COO. Completando o time, os investidores apresentaram a eles Alex, com bastante experiência no mercado de wellness, que atuaria como CMO.

O ponto que talvez seja mais marcado por Jasper no seu pós-mortem, como causa principal do fracasso, é como cada um desses três tinha uma visão diferente para o negócio como um todo. De um lado, Jasper imaginava uma marca para pessoas como ele, que estavam cansados de produtos em que faltava transparência e sobrava artificialidade. Já Alex imaginava uma marca para pessoas descoladas, que praticavam exercícios como o SoulCycle e isso ajudava a compor seu estilo de vida e identidade. Por um terceiro lado, os investidores trouxeram para mesa um a mesa, de um desenvolvimento prévio que focava em atletas de elite.

O “correto” nesse momento seria chegar a um consenso de qual visão de negocio seria implementada e seguir com algo único. Mas não foi o que aconteceu, como tantas e tantas vezes não acontece. Nas palavras do próprio Jasper:

I often wonder if things would have gone differently had we fully committed to just one of those visions, each of which has real upside. But we didn’t — instead, we put each of the visions into a melting pot and trusted that what came out would be a winner.

Aqui há uma primeira lição importantíssima, não pensando necessariamente em startups, mas para negócios e marcas no geral. Porque é nessa tentativa de não abrir mão de nada que muitas vezes um negócio foca ao mesmo tempo em diferentes modelos, públicos ou propostas. Como empilhamos palavrinhas soltas num processo de branding e não fica claro de verdade o que a marca é. Ou como são enfiados elementos em uma campanha publicitária para atender a todas as demandas. E isso não é fazer estratégia.

Estratégia exige o compromisso com escolhas CLARAS de um caminho para se vencer o jogo. Pense numa bifurcação, em que ou você vai para a esquerda ou para a direita. Forçar a barra para ir no caminho do meio vai fazer você andar por um piso não pavimentado e quebrar seu carro nos primeiros metros. Foi o que infelizmente aconteceu com a Revere.


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GESTÃO

No seu relato, Jasper conta bastantes bastidores de como era não só a relação com seus pares executivos, mas com os investidores e o board. E o primeiro erro que é fácil notar é como os investidores de verdade nunca deixaram os seus executivos liderarem de fato. De saída, eles já foram “entubados” com algo para lidar, que era o tal asset de desenvolvimento para atletas de elite. Essa era uma pedra no caminho gigante, porque impunha as executivos coisas que eles mesmos não acreditavam.

Por sua vez a falha deles fica evidente ao não se posicionarem com mais firmeza e o preferirem o caminho mais fácil, da acomodação. Diante de conflitos de visão como esse, nossa tendência natural realmente é chegar a uma acomodação que funcione para todos. Veja como Jasper relata o papel de Matt, o CEO:

And then there was Matt, whose unenviable job was to reign in all of the visions and forge a viable path forward.

Definitivamente, esse não é o papel de um líder. Um bom líder não forja um caminho viável que contemple a visão de todos. Ele ouve a visão de todos e toma uma decisão de qual caminho a companhia inteira vai seguir. Do ponto de vista estratégico, o papel do líder não é de conciliação e sim de decisão, de clareza. Em um segundo momento sim é preciso entender como conciliar e remotivar aqueles que tiveram sua visão preterida. Mas esse é um segundo momento, um segundo problema.

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DIGITAL MARKETING

Se do ponto de vista conceitual a falta de um alinhamento para a visão da empresa foi o que sepultou a Revere, do ponto de vista pragmático [financeiro], foi o marketing.

Our buying model (personalized subscriptions) wasn’t totally compatible with our consumers’ buying habits. And we tried to compensate for all of this by pouring money into paid marketing channels. […] We hired a top tier agency to help us develop our brand voice and aestheti […]

Muito interessante a leitura de como eles tentaram compensar a falta de clareza e propósito único com campanhas pesadas de marketing. E realmente esse é um artifício muito usado. É a ideia ingênua de que é só fazer o marketing bem feito que as vendas virão. Além de não ser verdade, o risco é de acontecer exatamente como na Revere: não só não vender como zerar o caixa da empresa no meio do caminho. Comunicação no geral é um bicho caro e nada mágico. Se o produto não é bom ou o modelo não é alinhado com as necessidades e hábitos dos seus consumidores, não há milagre que possa ser feito por uma campanha, seja lá quanto dinheiro ela tenha.



DATA INTELLIGENCE

Uma ausência absolutamente notável na história de Jasper é a palavra “data”. Ela não aparece nenhuma vez no [longo] texto todo. Talvez eles até tenham feito pesquisas e buscado evidências para suas escolhas. Mas o fato de isso não ser nem mencionado é muito sintomático do fracasso da empresa. Veja como Jasper descreve o que eles resolveram fazer na prática:

We rebuilt the products to cater to the reformed supplement user (from my vision), as opposed to the elite athlete (which Mike’s original line catered to). Our origin story, though, still spoke to our heritage in elite athletics (Mike’s vision). And our brand and marketing targeted the studio fitness consumer (from Alex’s vision).

Além da falta de escolhas claras e da necessidade de acomodar todas as visões, que já destacamos, a pergunta que é natural de se fazer é: baseado em que vocês tomaram cada uma dessas decisões? Que tipo de evidência vocês tinham de que isso daria certo?

Se uma decisão precisa ser tomada para dar rumo a um business, essa decisão não pode ignorar os fatos e evidências. Qual desses públicos teria mais fit com a proposta? Qual o seu tamanho? Como é seu hábito de consumo? Qual é o seu processo de compra? A proposta de valor tem apelo real para eles?

São perguntas que definitivamente não podem sair só da cabeça dos executivos. Data poderia ter feito toda diferença na história da Revere, como faz toda diferença no business de quem sabe usar.



INOVAÇÃO

Já falamos por aqui como o processo de inovação traz consigo coisas muito interessantes como a possibilidade de testar, falhar e aprender. Mas ao mesmo tempo, falamos também como isso não pode ser confundido com negligência.

Now, most start-ups don’t get it right out of the gate — the search for product-market fit is known to be an iterative, experimental pursuit and most great businesses are defined in that murky period of trial and error.

Jasper não está nada errado nessa avaliação. Realmente acontece muito de uma startup não acertar direto seu produto, proposta de valor ou modelo de negócios. Mas dependendo de como é o processo de “errar”, ele pode ser fatal. E para a Revere foi.

Depois do primeiro fracasso de vendas, caíram tanto o CEO quanto a CMO e o board ficou apenas com Jasper. E, aprendendo com os erros, ele mudou quase tudo. Desenhou uma visão única do negócio, foi ao board, apresentou e disse que era pegar ou largar. Se não fosse daquela maneira, ele pularia fora. Estratégia alinhada e firmeza de um líder que sabe tomar decisões. Check, check.

Redesenhando toda a proposta do produto e da marca de acordo com a nova visão, o relaunch da Revere gastou muito pouco em marketing, apostando no valor da sua proposta, em crescimento orgânico e earned media. E funcionou. As vendas começaram a subir e a Revere teve seu melhor período em termos de negócio desde a sua fundação. Marketing bem feito, check.

Mas, como infelizmente a realidade se impõe sobre nossas conquistas e desejos, ao longo desse processo de retomada, o dinheiro inicial do investimento foi acabando e as receitas ainda não eram não grandes para manter o negócio de pé. A esmagadora parte do investimento foi consumido antes dessa retomada, então realmente não tinha muito o que Jasper poderia fazer, além de ir ao mercado para novas rodadas de investimento. Mas ninguém abriu a carteira, com medo de repetir o fracasso do momento inicial da startup.

Jasper ficou 3 meses sem retirar salário como executivo, apostando nas suas forças para recuperar o negócio, no peito. Mas não rolou. E foi o fim da Revere.

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Essa é uma história de fracasso, é verdade. Mas talvez seja mais útil olhar para ela como uma história de aprendizagem, uma história que ensina valiosas lições sobre pecados capitais em qualquer negócio – começando ou não.

Certamente Jasper vai carregar toda essa bagagem e tentar não cometer os mesmos erros na sua próxima empreitada. Mas nós podemos também aprender com ele e não precisar passar por isso para aprender. E esse é o valor das histórias de fracasso, que deveriam urgentemente se proliferar. Precisamos falar mais sobre isso.