Por que precisamos de modelos mais simples?

No cenário atual da ciência de dados e descoberta do conhecimento, o foco está fortemente nos modelos grandes. Esta era é marcada pelos avanços revolucionários nas tecnologias de aprendizado profundo, com titãs como os modelos generativos e redes neurais expansivas liderando o caminho. Esses modelos, equipados com bilhões de parâmetros, mostraram suas extraordinárias habilidades em uma variedade de domínios. Eles se destacam particularmente no processamento de linguagem natural (NLP), onde sua destreza permite a geração de texto, compreensão e tradução semelhantes às humanas em uma escala sem precedentes, como visto com inovações como as da Open AI.

No entanto, em meio a toda essa complexidade, emerge uma narrativa em prol de modelos menores, que podem ser não só mais eficientes em suas previsões, mas principalmente mais interpretáveis e transparentes para os tomadores de decisão.

Um pouco de história

A navalha de Occam, também conhecida como princípio da parcimônia, é uma diretriz fundamental no desenvolvimento científico que enfatiza a simplicidade na formulação de teorias e explicações.

No século XIV, o lógico e frei franciscano William de Occam desenvolveu um princípio que estipulava que “entidades não devem ser multiplicadas desnecessariamente”. Em outras palavras, quando confrontados com várias explicações para um fenômeno, a mais simples é geralmente a mais válida, desde que seja capaz de explicar os dados observados de forma satisfatória.

A inspiração por trás do princípio da parcimônia é evidente em diversos contextos científicos. Por exemplo, na física, a teoria da relatividade especial de Einstein foi preferida sobre a teoria de Lorentz, que postulava a existência do Éter, uma substância misteriosa que permeava o espaço. Embora ambas as teorias fornecessem previsões semelhantes, a navalha de Occam foi usada para eliminar o conceito do Éter, optando pela explicação mais simples e elegante.

Além disso, o princípio da parcimônia tem sido aplicado em outras áreas da ciência, como na mecânica quântica, onde a incerteza de Heisenberg foi deduzida da natureza quântica da luz e do efeito da medição. Em resumo, a navalha de Occam é uma ferramenta valiosa que os cientistas utilizam para evitar a introdução de suposições desnecessárias em suas teorias e para priorizar explicações mais diretas e econômicas.

No entanto, é importante ressaltar que a navalha de Occam não é uma regra inflexível. Embora a simplicidade seja muitas vezes um guia útil na construção de teorias científicas, ela não deve ser aplicada cegamente.

Claro que a complexidade do universo muitas vezes transcende nossa compreensão e há momentos em que explicações mais elaboradas são necessárias para capturar a verdadeira natureza dos fenômenos observados. Porém, a navalha de Occam oferece uma diretriz valiosa para o desenvolvimento científico e é essencial combinar a simplicidade com o rigor lógico, a observação empírica e a abertura para revisão conforme novas evidências surgem. Como disse Einstein, “Tudo deve ser feito o mais simples possível, mas não mais simples do que isso”.

Por que usar modelos mais simples?

As vantagens de usar modelos preditivos simplificados são numerosas e significativas, principalmente nos domínios de redução da suscetibilidade ao overfitting, aumento da eficiência computacional e aprimoramento da interpretabilidade.

Redução da Suscetibilidade ao Overfitting: os modelos simplificados têm menos probabilidade de sofrer overfitting, um fenômeno em que o modelo se ajusta demasiadamente aos detalhes específicos dos dados de treinamento e perde a capacidade de generalizar para dados novos. Por exemplo, um modelo complexo como uma rede neural profunda pode aprender padrões irrelevantes nos dados de treinamento, levando a previsões imprecisas em novos dados. Em contraste, modelos mais simples como regressão linear ou árvores de decisão são menos propensos a sobreajustar-se, concentrando-se nos padrões principais dos dados. Isso resulta em previsões mais precisas e confiáveis quando aplicadas a novos conjuntos de dados.

Aumento da Eficiência Computacional: modelos mais simples exigem menos recursos computacionais, como memória e poder de processamento, em comparação com modelos complexos, tornando-os mais eficientes em termos de tempo e custo. Por exemplo, ao implantar um modelo de aprendizado de máquina em um dispositivo móvel, como um smartphone, um modelo simplificado requer menos recursos, permitindo uma execução mais rápida e economia de bateria. Além disso, modelos simples podem ser treinados mais rapidamente, reduzindo o tempo de desenvolvimento e iteração do modelo.

Aprimoramento da Interpretabilidade: modelos simplificados são mais fáceis de entender e interpretar, tanto para especialistas em dados quanto para partes interessadas não técnicas. Isso é crucial em áreas como medicina e justiça, onde a transparência nas decisões do modelo é essencial. Por exemplo, em um modelo de árvore de decisão para prever o risco de doenças cardíacas, é possível visualizar o fluxo de decisão, mostrando quais características do paciente são mais importantes na previsão. Isso permite que médicos e pacientes entendam as razões por trás das previsões do modelo e tomem decisões informadas.

Embora os modelos simplificados ofereçam vantagens claras, é importante novamente reconhecer que há casos em que a complexidade é necessária. Por exemplo, em problemas de reconhecimento de imagens complexas ou tradução de linguagem natural, modelos mais complexos, como redes neurais convolucionais e modelos de linguagem, podem oferecer desempenho superior. No entanto, mesmo ao adotar modelos mais complexos, é importante considerar os compromissos entre desempenho e interpretabilidade, especialmente em contextos em que a transparência e a confiabilidade são críticas, como em decisões médicas e judiciais.

Exemplos práticos

Vamos dar um exemplo aqui que de um caso bastante discutido em fórums que tratam da simplificação e transparência de modelos preditivos, que é a avaliação de risco criminal. Na medida em que esses sistemas são cada vez mais usados pela justiça, é crucial entender como modelos complexos e opacos podem levar a decisões injustas.

Considere um modelo de previsão de reincidência usado em tribunais. Esse modelo pode ser construído com uma série de variáveis, como idade, histórico criminal, situação socioeconômica, entre outras. Se esse modelo for complexo e sua lógica não for transparente, os juízes podem não entender como as decisões são tomadas. Isso pode levar a situações injustas.

Por exemplo, imagine um réu que recebe uma pontuação alta no modelo devido ao seu histórico criminal, mas essa pontuação é influenciada por fatores como a localidade onde viveu ou sua etnia, em vez de seu comportamento real. Se os juízes não entenderem como o modelo funciona, podem confiar cegamente na pontuação e impor uma sentença mais severa, sem considerar as circunstâncias individuais do réu.

Além disso, modelos complexos podem ser sensíveis a dados enviesados. Por exemplo, se um modelo de previsão de reincidência for treinado principalmente com dados de uma determinada região, pode refletir os preconceitos presentes nessa região. Isso pode resultar em decisões discriminatórias contra grupos minoritários ou comunidades marginalizadas.

Outro problema é que modelos complexos podem ser difíceis de contestar. Sem entender completamente como um modelo chegou a uma determinada decisão, os réus podem ter dificuldade em contestar sua pontuação ou as evidências usadas contra eles. Isso pode minar o direito básico de defesa e levar a julgamentos injustos.

Vamos agora analisar como a falta de transparência e a complexidade dos modelos preditivos podem levar a decisões injustas em um contexto de negócios.

Imagine uma empresa que usa um modelo de avaliação de crédito complexo para determinar se concederá empréstimos aos clientes. Este modelo pode incluir uma variedade de variáveis, como histórico de crédito, renda, idade, entre outras. Se este modelo for opaco e difícil de entender, pode resultar em decisões injustas.

Por exemplo, suponha que um cliente tenha uma pontuação de crédito baixa devido a um histórico financeiro ruim no passado. No entanto, este histórico pode ser influenciado por fatores externos, como uma crise econômica que afetou sua capacidade de pagar dívidas. Se os analistas de crédito não compreenderem totalmente como o modelo funciona, podem negar o empréstimo com base apenas na pontuação de crédito, sem considerar as circunstâncias atenuantes do cliente.

Em contraste, modelos simples e transparentes de avaliação de crédito podem ser mais fáceis de entender e contestar. Por exemplo, se um modelo baseado apenas no histórico de crédito do cliente for usado, tanto os clientes quanto os analistas de crédito podem entender facilmente como a decisão foi tomada e se há motivos para contestá-la.

Portanto, é fundamental para as empresas adotarem modelos de decisão transparentes e compreensíveis, especialmente em áreas que afetam diretamente os indivíduos, como a concessão de crédito. Isso não apenas promove a equidade e a justiça, mas também constrói confiança e credibilidade junto aos clientes e stakeholders.