Em meio ao lançamento do novo curso da Sandbox sobre Liderança Estratégica, vamos fazer uma série de 3 textos sobre a relação entre estratégia e liderança. Afinal, ambas estão intrinsecamente ligadas e se complementam de várias maneiras.
A origem do termo “estratégia” a partir de “strategos”, que significa literalmente “líder de exército”, estabelece uma relação diretamente entrelaçada entre esses dois conceitos. Em artigo para a Harvard Business Review publicado em 1961, W.C.H Prentice escreveu que:
“Liderança é a conclusão de um objetivo por meio do direcionamento de uma equipe. A pessoa que consegue conduzir de forma bem sucedida seus colaboradores para alcançar determinada finalidade é um líder. E um grande líder é aquele que consegue fazer isso dia após dia, ano após ano, diante de uma grande diversidade de circunstâncias.”
Nesse sentido, enquanto a estratégia traça o caminho a seguir e estabelece os objetivos, a liderança é a força motriz que orienta uma equipe em direção a essas metas, otimizando a utilização dos recursos disponíveis. Como disse Peter Drucker, “Tudo o que um líder faz, o faz por meio de tomada de decisões”. Por isso, o papel do líder é fundamental, pois ele não apenas direciona a alocação de recursos financeiros e tecnológicos, mas também gerencia o recurso humano, que frequentemente é o mais complexo e crucial.
Especialmente em um cenário em constante evolução, a adaptação estratégica é uma necessidade. Líderes devem estar prontos para realinhar a equipe e os recursos conforme as circunstâncias mudam. Essa flexibilidade assegura que a organização seja ágil o suficiente para aproveitar oportunidades emergentes e superar desafios inesperados.
O gerenciamento de recursos humanos é uma tarefa multifacetada e desafiadora. Líderes devem não apenas compreender as habilidades e competências individuais de seus membros da equipe, mas também devem ser sensíveis às motivações e aspirações únicas de cada indivíduo. Transformar objetivos estratégicos em tarefas concretas exige uma alocação inteligente das pessoas certas para as funções certas. Isso não apenas garante uma distribuição eficiente das responsabilidades, mas também permite que cada membro da equipe contribua com suas habilidades distintas para o sucesso coletivo.
A motivação e o engajamento da equipe são componentes vitais para alcançar os objetivos estratégicos. Líderes devem cultivar um ambiente onde os membros da equipe se sintam valorizados e apoiados. Isso implica em proporcionar feedback construtivo, reconhecimento pelo trabalho bem-feito e criar um ambiente de trabalho que promova o bem-estar. Uma equipe motivada não apenas produz resultados melhores, mas também é mais propensa a abraçar a visão estratégica e a colaborar em prol do sucesso organizacional.
O gerenciamento de recursos humanos também envolve a resolução de conflitos e a comunicação eficaz. Conflitos podem surgir em qualquer ambiente de equipe, e a habilidade do líder em abordá-los de maneira construtiva é essencial para manter o foco na estratégia. A comunicação transparente é uma ferramenta poderosa para manter todos alinhados com os objetivos organizacionais, fornecendo atualizações regulares sobre o progresso e as mudanças na estratégia.
Mas essas coisas que nos parecem mais claras e consensuais atualmente nem sempre foram assim. A compreensão teórica sobre liderança tem evoluído significativamente ao longo do tempo, passando por diversas abordagens e teorias que refletem as mudanças sociais, culturais e econômicas. Desde o século XIX, várias abordagens distintas emergiram, cada uma contribuindo para uma compreensão mais profunda e abrangente do fenômeno da liderança.
E, olhando em perspectiva, é notável como a evolução teórica da ideia de liderança foi de um extremo ao outro. Primeiro começou totalmente focada no líder e nas suas características; depois, foi evoluindo para ser cada vez mais sobre os liderados e como lidar com eles; e, finalmente, uma abordagem contemporânea equilibra um pouco dessa balança. Nesse texto, vamos focar nas três primeiras teorias, que colocam completamente foco no líder em si, evoluindo de algo zero científico para uma abordagem mais sistemática, que tem implicações até hoje na maneira de interpretar a ideia de liderança.
A TEORIA DO GRANDE HOMEM
A teoria de liderança do “Grande Homem”, também conhecida como teoria do grande líder, é uma abordagem histórica da liderança que enfatiza a ideia de que os grandes líderes nascem com características inatas e traços especiais que os tornam capazes de liderar com sucesso. Essa teoria sugere que a liderança é predominantemente determinada por traços de personalidade, habilidades e características individuais, em vez de ser um conjunto de habilidades que pode ser desenvolvido ou aprendido.
Um dos autores que contribuiu para o desenvolvimento dessa teoria é Thomas Carlyle, um historiador escocês do século XIX. Ele escreveu um livro chamado “Heróis e Heroísmo” (Heroes and Hero Worship), publicado em 1841, no qual ele defendia a ideia de que a história é moldada por indivíduos excepcionais, os “grandes homens”, que têm um impacto profundo na sociedade e nas nações devido às suas características inatas e habilidades extraordinárias.
Essa teoria foi influenciada por figuras históricas notáveis, como Napoleão Bonaparte, cujas realizações e impacto moldaram a compreensão da liderança na época e inspiraram a crença na importância dos traços de personalidade. Napoleão é frequentemente citado como um exemplo de um “grande homem” que encarnou características de liderança notáveis e que teve um impacto significativo na história.
Carlyle acreditava que a história era definida por esses líderes carismáticos, cujos traços de personalidade, visão e coragem eram inerentes a eles. Ele enfatizava que esses líderes surgiam naturalmente e eram predestinados a guiar os destinos de nações e sociedades. Portanto, a teoria do Grande Homem sugeria que a liderança não era acessível a todos e que apenas indivíduos com traços especiais poderiam se tornar líderes eficazes. Isso também vem de um contexto em que na maioria das vezes as posições de liderança eram herdadas de pai para filho. Então interpretava-se que de alguma forma era uma dávida divina a capacidade de liderar em alto nível.
É importante ressaltar que, evidentemente, a teoria do Grande Homem foi posteriormente criticada e amplamente contestada, principalmente durante o século XX, à medida que outras teorias de liderança surgiram, como as teorias comportamentais e situacionais, que enfatizavam a importância do contexto e do comportamento na liderança. Embora os traços pessoais possam influenciar a liderança, essa teoria simplista não leva em consideração fatores como a situação, a cultura e a interação entre líder e seguidores, que também desempenham um papel crucial na eficácia da liderança.
A TEORIA DOS TRAÇOS
No começo do século XX, as ciências humanas foram ganhando e cada vez mais rigor dentro do método científico. E, por esse ponto de vista, era bastante contestável a ideia de que um líder é predestinado por alguma forma de dádiva divina.
Nesse sentido, a Teoria dos Traços de Liderança é uma abordagem que busca identificar e compreender as características pessoais ou traços que estão associados a indivíduos que são eficazes em papéis de liderança. Essa teoria pressupõe que certos traços físicos, sociais e mentais podem ser considerados como uma “receita” para se tornar um grande líder. Ela parte do princípio de que líderes bem-sucedidos compartilham certos traços que os distinguem de outras pessoas. Chegou-se a cogitar se, por exemplo, a altura ou a força de um indivíduo poderia explicar de alguma forma sua boa capacidade de liderança.
Mas, de forma geral, a Teoria dos Traços fica mais na parte psicológica. Relacionando isso aos estudos de Gordon Allport, podemos entender melhor a base teórica dessa abordagem. Allport foi pioneiro na identificação e classificação dos traços de personalidade.
Na década de 1930, Allport iniciou seu estudo da personalidade realizando um levantamento de verbetes em dicionários e enciclopédias. Ele procurou qualquer termo que pudesse ser usado para descrever características pessoais ou traços de personalidade. Allport encontrou mais de 18.000 termos que eram usados para descrever traços de personalidade. Esses termos variavam desde palavras amplas, como “inteligente” e “sociável”, até termos mais específicos, como “altruístico” e “teimoso”. Com essa lista extensa de termos em mãos, Allport começou a classificar e organizar os termos em categorias. Ele percebeu que muitos dos termos eram variações ou relacionados entre si, então ele começou a agrupá-los em categorias mais amplas.
Allport notou que havia certos termos que eram mais fundamentais e básicos na descrição de uma pessoa, enquanto outros eram mais específicos e situacionais. Ele chamou os traços mais fundamentais de “traços centrais” e os traços mais específicos de “traços secundários”. Isso formou a base da sua hierarquia de traços de personalidade. Ao longo de sua pesquisa, Allport refinou seu modelo, identificando três níveis de traços: traços cardinais (muito raros e dominantes), traços centrais (fundamentais na personalidade) e traços secundários (mais específicos e situacionais).
A Teoria dos Traços de Liderança segue essa linha de pensamento, sugerindo que os líderes possuem certos traços cardinais ou centrais que contribuem para sua eficácia na função de liderança. Alguns exemplos de traços que frequentemente foram associados a líderes eficazes incluem questões como carisma, determinação, autoconfiança etc.
No entanto, a teoria de liderança dos traços também enfrentou críticas, especialmente por ser uma abordagem simplista que não leva em consideração a influência do contexto e das situações na eficácia da liderança. A pesquisa subsequente sobre liderança tem se concentrado mais nas teorias comportamentais, situacionais e de contingência, que consideram como o comportamento dos líderes interage com o ambiente e as necessidades dos seguidores para determinar a eficácia da liderança.
A TEORIA COMPORTAMENTAL
A Teoria Comportamental de liderança surgiu como uma resposta à Teoria dos Traços, que afirmava que líderes nascem com características inatas que os tornam eficazes. A Teoria Comportamental argumenta que as habilidades de liderança podem ser desenvolvidas e aprimoradas por meio da aprendizagem e da observação de comportamentos específicos.
Dois dos estudos mais influentes que contribuíram para a Teoria Comportamental foram conduzidos pela Universidade de Ohio e pela Universidade de Michigan. Elas foram desenvolvidas de forma não simultânea [não intencional] e curiosamente chegaram a quase o mesmo lugar
Os estudos da Universidade de Ohio focaram em identificar dois principais estilos de liderança, conhecidos como “Iniciação da Estrutura” e “Consideração Pessoal”.
A ideia de Iniciação da Estrutura se concentra na tarefa do líder de estabelecer metas claras, definir papéis e responsabilidades e organizar as atividades da equipe de forma estruturada. Líderes mais orientados à estrutura tendem a ser mais diretivos e movidos pela realização de tarefas. Já o aspecto de Consideração Pessoal enfatiza o relacionamento entre o líder e os membros da equipe. Líderes que adotam a consideração pessoal estão mais interessados no bem-estar emocional e nas necessidades individuais dos membros da equipe.
Os estudos da Universidade de Michigan propuseram também duas dimensões muito parecidas de liderança: “Orientação para Produção” e “Orientação para Pessoas”.
Orientação para Produção é a dimensão centrada na eficiência e no alcance de metas. Os líderes que possuem uma orientação para produção se concentram em maximizar a produtividade, a organização e o cumprimento de tarefas. E Orientação para Pessoas é a dimensão que prioriza o bem-estar e a satisfação dos membros da equipe. Líderes com orientação para pessoas se preocupam com as relações interpessoais, a comunicação aberta e a criação de um ambiente de trabalho colaborativo.
Ambos os conjuntos de estudos destacaram a importância dos comportamentos do líder no desempenho e na satisfação da equipe. Essas abordagens destacam que os líderes podem adotar diferentes combinações de comportamentos de acordo com a situação e as necessidades da equipe.
A Teoria Comportamental de liderança é provavelmente a teoria antiga com maior influência até hoje no pensamento teórico desse campo. Ela virou uma forma de classificar de forma macro estilos de liderança e foi praticamente uma âncora em torno da qual giraram muitas teorias subsequentes.
Porém, o grande senão é que ela é uma abordagem que, novamente, foca de forma total no líder. Como se a questão mais importante sobre teorias de liderança fossem entender quem lidera e não os liderados e a parte que eles cumprem em toda essa relação. E é a partir daí que as teorias evoluem e esse é o objeto central do nosso próximo texto sobre o assunto.