Analogias. Que recurso fabuloso pode ser a analogia para o estrategista. E também pode ser um tiro no pé. O célebre Roger Martin, de quem gostamos muito aqui no blog, cita que a capacidade de explorar a analogia “é uma capacidade subvalorizada e subutilizada, que é um vetor importante para o desenvolvimento pessoal de qualquer estrategista”.
Talvez você já tenha passado por essa situação quando falou de uma ilustração ou deu um exemplo de um conceito de estratégia em ação. Algo do tipo: foi assim que a Empresa X construiu esse produto, ou foi assim que a Empresa Y criou essa estratégia para a nova campanha. Aí já vem aquelas perguntas da galera: mas isso se aplica a B2B ou a startups? E a empresas de tecnologia? Ou a empresas do segmento A ou B? Enfim, ou a qualquer contexto diferente daquele do qual este exemplo foi tirado?
Pois é. Essas perguntas surgem porque o exemplo ou a ilustração não é exatamente relativa à situação ou ao contexto específicos daquela conversa. Bem, parece óbvio que nesses casos os princípios se aplicam de foram geral, com exceção das devidas particularidades de cada situação. É como se o interlocutor não conseguisse entender as reflexões além da literalidade com que elas foram expressas.
É um lance de “bem, sou uma startup e, a menos que você ilustre com um exemplo de startup, não consigo entender do que você está falando e, portanto, vou rejeitar sua sugestão”. E a pessoa nunca parece considerar o fato de que, se usar uma startup como ilustração, praticamente todo mundo na sala que não é uma startup terá a mesma reação reflexiva.
Bem, isso acontece porque estamos muito acostumados a lidar com dados. E esses dados são literais, inflexíveis, duros. Seguem uma lógica, tentando transmitir uma realidade por trás deles que é flexível, mutável, viva. Além disso, o próprio Roger Martin lembra bem que a área de Estratégia, em seu berço no campo dos negócios lá na década de 1960, cresceu dentro de indústrias. E lá se encontravam no passado uma pegada muito mais literal, linear, focado em uma cadeia de suprimentos.
Logo, para os profissionais de estratégia e consultoria, bastava pegar o que dava certo em uma empresa e aplicar praticamente a mesma receita em outra, que provavelmente era muito parecida. Isso tudo criou um circuito estratégico fechado, retroalimentado essa literalidade. Um sistema que trabalha para otimizar o que já existe. Não para criar inovações. Isso cria obstáculos para criar o que ainda não existe agora. Em outras palavras, é mais difícil sair da caixa.
Analogia como ponte para o futuro
A analogia, então, se torna uma habilidade de pensamento criticamente importante para criar o futuro. É a habilidade de pegar exemplos não representativos e estatisticamente insignificantes de um contexto e aplicá-los criativamente em outro. Quer exemplos?
Samuel Colt teve a ideia de criar o revólver Colt 45 ao trabalhar em um navio quando era jovem. Ele observou a complexa operação da embreagem no leme do navio e usou isso como insight mais tarde ao conceber sua invenção bélica.
O suíço George de Mestral teve a ideia do velcro enquanto fazia uma de suas viagens de caça. Depois de voltar da aventura, ficou retirando sementes e matos de suas roupas. Curioso em descobrir como sementes de uma planta específica se agarravam tão firmemente à sua roupa, resolveu estudá-las no microscópio e constatou a existência de filamentos entrelaçados que terminavam em pequenos ganchos. Ele viveu o problema na pele e conectou isso na criação de uma solução.
Já Jonathan Ive teve a ideia para o iMac a partir das câmeras coloridas Savoy da Imperial Camera Corporation, que conquistaram o mercado consumidor no início dos anos 1960.
O que todas essas coisas têm em comum? Nenhuma dessas ideias era verdadeiramente nova para o mundo. Cada uma foi emprestada de um contexto e aplicada com sucesso, por analogia, em outra área.
Quer exemplos mais atuais? Bem, que tal a Amazon? É uma livraria (originalmente), mas online. E o Google? Um sistema decimal de Dewey online. O que é o Facebook? Um livro de rosto. O poder da analogia explica por que parece que todo pitch realizado para levantar capital de risco é enquadrado como “seremos o Uber de X” ou “o Airbnb de Y”.
Como fazer boas analogias
Essa tal analogia é uma ferramenta poderosa. Um exemplo único de um contexto utilizado em outro – em vez de literalidade baseada em dados – é a chave para a inovação e a criatividade. Aristóteles, o filósofo grego do século 4 A.C. e pai da ciência apontou isso. Ele se concentrou no poder da analogia e da metáfora (um subconjunto da analogia) na criação de novas ideias:
“Palavras comuns transmitem apenas o que já sabemos; é a partir da metáfora que podemos obter melhor algo novo. Ser um mestre da metáfora é, de longe, a melhor coisa. É um sinal de gênio”.
Um dos trunfos mais importantes para fazer boas analogias é contexto. Roger Martin prestou consultoria na década de 1990 para a Herman Miller, gigante de móveis de escritório. A empresa é lendária por seu design de móveis, especialmente por sua colaboração com Charles Eames, que é considerado por muitos como o maior designer de móveis do século XX. Eames se considerava antes de tudo um arquiteto, que também projetou móveis, fez filmes e, durante a Segunda Guerra Mundial, projetou ferramentas médicas. Logo, o homem tinha muito repertório.
A própria empresa preferia conta com designers externos, umavez que designers que trabalhassem como funcionários em tempo integral se tornariam designers de móveis, não designers que poderiam trazer analogias de outros campos.
O raciocínio por analogia desempenha um papel na tomada de decisões estratégicas que é grande, mas amplamente negligenciada. Diante de um problema ou oportunidade desconhecida, os líderes costumam pensar em alguma situação semelhante que viram ou ouviram falar, tiram lições dela e aplicam essas lições à situação atual. No entanto, eles raramente percebem que estão raciocinando por analogia. Mas aqueles que prestam atenção ao seu próprio pensamento analógico tomarão melhores decisões estratégicas e terão menos erros.
Os professores Giovanni Gavetti e Jan W. Rivkin, em artigo para a HBR, reforçam que os elementos centrais do raciocínio analógico são:
Um novo problema que precisa ser resolvido ou uma nova oportunidade que implora para ser aproveitada;
Uma configuração anterior específica que os gerentes consideram semelhante em seus fundamentos;
Uma solução que os líderes podem transferir de sua configuração original para a contexto desconhecido.
Quando os executivos, líderes e profissionais enfrentam um problema e percebem “ah, eu já vi esse antes” e voltam a uma experiência anterior para uma solução, eles estão usando analogia.
O raciocínio analógico também está na raiz de alguns dos pensamentos mais convincentes e criativos nos negócios como um todo. Por exemplo, Taiichi Ohno, o principal pioneiro do famoso sistema de produção da Toyota, supostamente inventou o Kanban, sistema para reabastecer o inventário, depois que assistiu procedimentos de estoque de prateleiras em supermercados dos EUA. Então ele concebeu a inovação para interromper uma linha de produção defeituosa depois de ver como os passageiros do ônibus sinalizaram para um motorista parar puxando um cabo que tocou uma campainha.
De fato, saber conectar analogias é um grande passo para aprofundar o pensamento estratégico.
Por fim, pega essa dica para a vida: pratique a analogia o tempo todo. Não pergunte: essa outra coisa se aplica à minha situação? Sempre pergunte: como posso aplicar essa outra coisa à minha situação? O simples fato de pensar sobre a questão lhe dará a prática de utilizar a analogia. E a resposta muitas vezes será que existem aspectos úteis que podem ser aplicados na situação atual. E a outra sacada é: se você estiver em um setor por um período prolongado, seja proativo na busca de potenciais analogias de outros setores.