O mundo mudou, o ser humano evoluiu, mas ainda hoje o storytelling continua com o mesmo objetivo inicial:construir significados que geram emoção no interlocutor.
E, aplicado a negócios, essa técnica passou a se tornar uma poderosa ferramenta para o aumento de percepção de valor de produtos, serviços, soluções e empresas como um todo. Porque, no fundo, o que uma boa história faz é aumentar o valor percebido de praticamente qualquer coisa.
Para exemplificar, nada melhor do que o caso do jornalista norte-americano Rob Walker, que realizou um experimento em que comprou 200 itens baratos, como um martelo de madeira e uma chave de plástico. Então ele pediu a autores profissionais que escrevessem uma história sobre cada objeto e colocou-os à venda na Internet com as respectivas descrições trabalhadas na arte do storytelling. O resultado: um aumento em torno 4.000% no valor de mercado dos itens. Um busto de plástico da cabeça de um cavalo, por exemplo, foi adquirida por US$ 0,99 e vendida por US$ 62,95. No total, foram gastos US$ 197 e arrecadados cerca de US$ 8.000. Esse é o poder do storytelling. A experiência chegou a virar livro: Significant Object.
OS EFEITOS DO STORYTELLING NO NOSSO CÉREBRO
Todos MUNDO conhece a sensação de ser arrastado para um mundo imaginário. Ficamos submersos lá, viajando e fantasiando. Isso é o que disse ao site NPR, Liz Neeley, que dirige The Story Collider, uma produtora sem fins lucrativos que, em tempos sem pandemia, organizou eventos ao vivo repletos de histórias pessoais sobre ciência.
Para provar a fala do diretor, exames de ressonância magnética funcional mostram que muitas áreas do cérebro se iluminam quando alguém está ouvindo uma narrativa. Em um de seus estudos, ele descobriu que as redes cerebrais que processam as emoções são ativadas, principalmente quando há partes mais emotivas na história. Além dele, alguns cientistas também descobriram atividades que merecem destaque: quando lemos, as redes cerebrais envolvidas em imaginar o que está acontecendo [e o que ainda acontecerá] na história são ativadas.
Mas as histórias também podem nos levar além: alterar nossas visões sobre relacionamentos, política, meio ambiente e trabalho. Os empresários, por exemplo, já vêm descobrindo o poder do storytelling – eles observaram como uma narrativa bem construída pode fazer toda diferença. Mesmo assim, um trabalho científico está colocando um ponto mais preciso sobre como as histórias mudam atitudes, crenças e comportamentos.
Paul J. Zak, em artigo na Harvard Business Review, descobriu que a ocitocina é um sinal chave de “é seguro abordar outros” no cérebro – que surge quando recebemos a confiança ou somos gentis, motivando a cooperação com outras pessoas. Em estudos subsequentes, o profissional entendeu porque as histórias revivem a cooperação voluntária: para motivar o desejo de ajudar o próximo, elas devem manter a atenção, desenvolvendo tensão. Se for capaz, os ouvintes atentos compartilharão emoções dos personagens e, depois que acabar, provavelmente continuarão imitando o comportamento desses personagens. Por exemplo: o sentimento de onipotência que temos quando vemos James Bond salvando o mundo.
A vida acontece nas narrativas que contamos uns aos outros, atingindo diretamente os corações das pessoas. Se os dados, números e informações podem persuadir pessoas, eles por si só têm muita dificuldade em inspirar. Ao contrário das histórias, que mexem com a alma e, consequentemente, tem muito maior poder de conduzir à ação.
A prova disso é novamente o caso do jornalista Rob Walker. Por que alguém compraria um item de plástico de segunda mão por US$ 60, quando ele valeria menos de um US$ 1?
E essas são descobertas que podem ser completamente trasnportadas para o ambiente corporativo. Em termos de causar impacto, o conselho é que profissionais comecem suas apresentações com uma história convincente, focando em questões, como por que os clientes ou uma pessoa na rua deveriam se preocupar com o projeto que você está propondo? Isso muda o mundo ou melhora vidas? Como as pessoas se sentirão quando ele for concluído? Esses são os componentes que tornam as informações persuasivas e memoráveis.
Keith Quesenberry, professor assistente de marketing no Messiah College, descobriu que anúncios que contam uma história completa usando a pirâmide de Freytag – uma estrutura dramática que remonta a Aristóteles, onde a ascensão e queda da pirâmide espelha a tensão das experiências do espectador – são os mais populares.
Um anúncio da Budweiser obteve as principais honras no Ad Meter do USA Today e no Ad Zone do Hulu por ser o mais popular entre os telespectadores, atingindo o clímax da pirâmide em poucos segundos. A história de Best Buds passada no Super Bowl usou esses elementos narrativos clássciso com grande efeito. Cada vez que as versões do anúncio apresentavam novos atos, o desempenho melhorava.
Como o storytelling influencia o sucesso em abordagens distintas
A narrativa é capaz de evocar uma forte resposta neurológica. No mesmo texto da HBR já mencionado, Paul Zak indicou que o cérebro produz cortisol durante momentos tensos de uma história, o que permite focar; enquanto o fator fofo dos animais, como no comercial da Bud, libera ocitocina, a substância química do bem-estar.
Outro experimento de Zak: depois que participantes assistiram a um filme com grande carga emocional sobre um pai e um filho, Zak pediu que doassem dinheiro a um estranho. Com a oxitocina e o cortisol em ação, aqueles que tinham as maiores quantidades de ocitocina eram mais propensos a dar dinheiro a alguém estranho.
A narrativa estratégica também visa mudar atitudes e comportamentos. Dois estudos do setor de saúde mostram esse poder:
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Pesquisadores da Penn State College of Medicine descobriram que as atitudes de estudantes de medicina sobre pacientes com demência – percebidos como difíceis de tratar – melhoraram depois que os alunos participaram de exercícios de narração de histórias que os tornaram mais simpáticos às condições dos pacientes.
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Um estudo da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts descobriu que uma abordagem narrativa também foi eficaz para convencer as populações em risco de hipertensão a mudar seu comportamento e reduzir sua pressão arterial.
No segmento do Direito, temos Moe Levine, reconhecido como o principal advogado de sua época. O profissional costumava usar a teoria do “homem inteiro” para influenciar jurados a criar empatia por seus clientes – com sucesso. Buscando compensação para um cliente que tinha perdido os dois braços em um acidente, Levine surpreendeu o tribunal e o júri, acostumados a alegações finais longas. Ele contou uma breve e emocionante história e ganhou um dos casos de maior repercussão do estado de Nova York. Ele disse:
“Como vocês sabem, há cerca de uma hora paramos para o almoço. Eu vi o oficial de justiça vir e levar todos vocês em grupo para almoçar na sala do júri. Então eu vi o advogado de defesa, Sr. Horowitz. Ele e seu cliente decidiram almoçar juntos. O juiz e o escrivão foram almoçar. Então, eu me virei para meu cliente, Harold, e disse: ‘Por que você e eu não vamos almoçar juntos?’ Atravessamos a rua até aquele pequeno restaurante e almoçamos. (Pausa significativa.) Senhoras e senhores, acabei de almoçar com meu cliente. Ele não tem braços. Ele tem que comer como um cachorro. Muito obrigado”.
Como o Storytelling pode aumentar o valor percebido das coisas?
Aqui estão algumas maneiras pelas quais uma história bem elaborada pode elevar você e o valor percebido das marcas.
Histórias como persuasão
É sobre entender quem o seu cliente quer se tornar e como ele quer ser percebido. Autor do Curso de Persuasão de Uma Sentença, Blair Warren diz que “as pessoas farão qualquer coisa por aqueles que encorajam seus sonhos, justificam seus fracassos, acalmam seus medos, confirmam suas suspeitas e os ajudam a atirar pedras em seus inimigos”. Ou seja, o objetivo é contar histórias que incentivam os outros a acreditar que você pode ajudá-los a realizar alguma ação positiva à sua marca ou ao seu dia a dia.
Depoimentos como prova social
Depoimentos, em sua maioria, contam somente uma parte da história. Ao mesmo tempo, fornecem uma prova social que permite que outras pessoas se vejam na mesma situação. Segundo Bright Local, 85% das pessoas confiam em avaliações online tanto quanto nas recomendações de amigos/familiares. Por quê? Elas acreditam que esses depoimentos são um reflexo do comportamento correto; e criam confiança para tomar decisões.
O abismo entre o que é e o que poderia ser
Empresas são responsáveis por arquitetar sonhos. E a melhor maneira de fazer isso é compartilhar histórias que mostrem o abismo entre o que é (realidade) e o que poderia ser (realidade idealizada). Resumindo, o abismo é o risco de alguém não comprar o seu produto/serviço. Mas, ao compartilhar detalhes, as pessoas vão ter a sua marca como necessária para a felicidade, o sucesso ou a realização de seus sonhos, assim, elas serão incentivadas a agir – seja inscrevendo-se em sua lista de e-mail, seguindo a empresa nas redes sociais ou comprando um produto/serviço.
Teoria da Lacuna da Informação
A Teoria da Lacuna de Informação, criada por George Loewenstein, identifica efeitos da curiosidade no cérebro. Para assegurar que a pessoa fique grudada na história, é necessário causar esses efeitos – acionados quando alguém sente que há uma lacuna entre o que sabe e o que quer saber.
Empresas que usam storytelling para gerar valor
A Volkswagen é um exemplo de marca que gerou valor através de uma campanha que ganhou a atenção do mundo: a despedida da Kombi, que contou um rico storytelling em dezembro de 2013. Voltar para casa foi o tema do vídeo “Os últimos desejos da Kombi”, que mostra a ida do modelo Last Edition ao seu lugar de origem. O vídeo incluiu cenas com personagens que viveram histórias especiais com a Kombi. Em sua trajetória de retorno para casa, o veículo passa pela cidade de Amersfoort, na Holanda, para rever o filho de seu criador. Junto a isso, para marcar o final da existência do modelo, foi lançada uma série especial de 1.200 unidades, a Kombi Last Edition, com pintura bicolor e detalhes especiais.
O que seria um simples anúncio de descontinuação se transformou em uma celebração do legado. O storytelling fica claro, já que existe a narração da história da Kombi como se fosse uma pessoa, com uma narrativa construída para chamar atenção do usuário. Uma ótima forma de gerar valor à marca e eternizar o veículo por meio do storytelling, né?
A Bauducco também é um exemplo que não pode ficar de fora, com seu storytelling natalino de dar inveja a qualquer um. A marca, fundada pelo italiano Carlo Bauducco, possui propagandas que remetem ao laço afetivo entre a família e os produtos, apresentando a tradicional receita da empresa como um aprendizado do fundador, passada de geração em geração.
Especialmente em suas campanhas de Natal, a Bauducco marca seu público com valores familiares e de tradição. Histórias que trazem à tona emoção, apego e vivência, marcando nossos corações através de um storytelling que gera valor à marca. É exatamente tudo isso que Carlo quer passar: a Bauducco não é só mais uma empresa, é uma marca que se preocupa com o seu público e que os toca por meio de histórias de valor.
O storytelling também está no DNA da Johnnie Walker, com seu famoso bordão Keep Walking. É o progresso para pessoas ao redor do mundo, a oportunidade de celebrar suas conquistas com Johnnie Walker. Não é apenas o melhor whisky, é um produto que se torna incentivador.
A marca encoraja o público a seguir em frente. É o que ela faz há mais de dois séculos. A narrativa da Johnnie Walker, “seguir em frente”, começou com as primeiras ideias do seu fundador, mantida por seus filhos e netos como tradição. As histórias das campanhas, dos produtos, das embalagens e a té dos colaboradores envolvem a sua tradicional narrativa.