O que são wicked problems – e como [tentar] resolvê-los?

Sabe aqueles problemas tão complicados que a gente não sabe nem por onde começar? Pois eles têm nome: Wicked problems. Esse é um conceito criado em 1973 por Horst Rittel e Melvin Webber no contexto de discussões sobre urbanismo e representam esses desafios super complexos e difíceis de resolver. Diferente de problemas convencionais, os problemas “wicked” envolvem múltiplos stakeholders, interesses conflitantes e uma dinâmica que muda constantemente conforme tentamos resolvê-los. Essas características fazem com que as abordagens tradicionais de solução de problemas, como análise linear ou busca de uma solução única, sejam inadequadas. Os wicked problems surgem frequentemente em contextos sociais e ambientais, como mudanças climáticas, pobreza e desigualdade social, que não têm uma resposta única ou definitiva.

No mundo dos negócios, wicked problems estão cada vez mais presentes, especialmente quando empresas se veem desafiadas por questões globais, como sustentabilidade e responsabilidade social corporativa. A crescente necessidade de inovação e o impacto de múltiplos stakeholders fazem com que o ambiente corporativo seja um terreno fértil para o surgimento de problemas desse tipo. Esses desafios não podem ser solucionados da mesma maneira que problemas convencionais, exigindo, em vez disso, uma abordagem colaborativa, experimental e adaptável.

Ao longo deste artigo, vamos explorar como os wicked problems diferem dos problemas tradicionais, seu impacto no mundo corporativo e algumas das abordagens mais eficazes para lidar com eles. Vamos discutir como as empresas podem enfrentar esses desafios e, ainda assim, alcançar resultados positivos, mesmo que as soluções sejam parciais ou imperfeitas.

 

O QUE SÃO WICKED PROBLEMS?

Wicked problems são desafios únicos, complexos e dinâmicos que não podem ser resolvidos por abordagens tradicionais de solução de problemas. O termo foi originalmente cunhado em 1973 por Horst Rittel e Melvin Webber, em um artigo sobre planejamento urbano. Desde então, a ideia de wicked problems foi expandida para várias outras áreas, incluindo negócios, políticas públicas e questões sociais. A definição central de um wicked problem é que ele não tem uma solução clara, não pode ser descrito de forma definitiva e qualquer tentativa de resolvê-lo tende a gerar consequências inesperadas, muitas vezes piorando o problema original ou criando novos desafios.

Os wicked problems se diferenciam de problemas convencionais, ou “tame problems”, em diversos aspectos. Enquanto problemas convencionais podem ser difíceis de resolver, eles geralmente seguem um padrão que pode ser quebrado em etapas lógicas de análise, como definir o problema, coletar dados, avaliar as opções e escolher a melhor solução. Por outro lado, wicked problems apresentam características que os tornam extremamente difíceis de abordar.

 

A mudança climática é um exemplo clássico de um wicked problem. Envolve uma vasta rede de variáveis interdependentes, incluindo emissões de gases de efeito estufa, desmatamento, padrões de consumo e políticas globais de energia. Além disso, há uma falta de consenso sobre quais soluções devem ser implementadas, com países desenvolvidos e em desenvolvimento apresentando necessidades e prioridades diferentes. A desigualdade social também exemplifica um wicked problem. As raízes desse problema estão em fatores como educação, oportunidades econômicas, políticas governamentais e até discriminação sistêmica. As soluções são frequentemente fragmentadas e muitas vezes só abordam aspectos específicos da questão, como a reforma educacional ou a redistribuição de riqueza, sem resolver a interdependência entre os diferentes fatores.

Vamos explorar algumas dessas características com mais profundidade:

Falta de uma definição clara. Um dos principais desafios com wicked problems é que eles não podem ser descritos de forma clara e precisa. Ao contrário de problemas convencionais, em que é possível definir o problema de forma objetiva, os wicked problems envolvem diferentes percepções de diversos stakeholders. A maneira como o problema é entendido depende de quem o está observando e de suas prioridades e interesses. Por exemplo, na questão da mudança climática, diferentes grupos podem vê-la como um problema de consumo de energia, desmatamento, poluição ou justiça social. Cada grupo terá uma percepção diferente sobre a natureza do problema e, portanto, proporá soluções distintas.

Interdependência de causas. Outra característica fundamental dos wicked problems é que eles são resultado de múltiplas causas interligadas. Esses fatores estão interconectados de maneira tão complexa que qualquer tentativa de separar as causas resulta em uma visão superficial do problema. Por exemplo, o problema da insegurança alimentar global não pode ser reduzido apenas à produção insuficiente de alimentos. Ele está ligado a questões como pobreza, políticas comerciais, mudanças climáticas e até padrões de consumo. Como resultado, qualquer tentativa de solucionar uma parte do problema pode ter efeitos em cadeia em outras áreas, o que torna difícil prever as consequências de qualquer intervenção.

Soluções incompletas e incertas. Em um wicked problem, não existe uma “solução correta” no sentido tradicional. Ao contrário de problemas convencionais, onde podemos testar hipóteses, medir resultados e saber se uma solução foi eficaz, nos wicked problems, as soluções são frequentemente parciais, temporárias e envolvem trade-offs significativos. Além disso, a complexidade dos wicked problems faz com que seja impossível prever com precisão todas as consequências de uma solução. Muitas vezes, o que parece ser uma solução pode, na verdade, criar novos problemas. Por exemplo, iniciativas para mitigar o aquecimento global através de energias renováveis podem enfrentar desafios inesperados, como o impacto ambiental do descarte de baterias de lítio ou a necessidade de novos materiais raros, criando novos dilemas ambientais.

Múltiplos stakeholders com interesses conflitantes. Wicked problems envolvem um grande número de stakeholders que têm diferentes crenças, valores e interesses. Isso torna a resolução de tais problemas ainda mais difícil, pois não há consenso sobre a definição do problema, muito menos sobre a solução. No contexto de negócios, isso pode ser exemplificado por uma empresa que tenta balancear as demandas de acionistas, clientes, funcionários, órgãos reguladores e comunidades locais. Cada grupo tem uma visão diferente sobre o que seria o sucesso para a empresa, o que torna a tomada de decisões incrivelmente complicada.

Solucionar um aspecto do problema pode agravar outros. Nos wicked problems, as soluções não são definitivas. Elas alteram a dinâmica do sistema e, muitas vezes, acabam exacerbando o próprio problema que tentavam resolver. Por exemplo, em projetos de desenvolvimento urbano, tentar resolver a falta de moradia através da construção de novas habitações pode, por vezes, deslocar populações de baixa renda e criar novos problemas sociais, como o aumento da desigualdade.

O problema nunca é verdadeiramente resolvido. Diferente de problemas convencionais, em que se pode alcançar uma solução final e completa, os wicked problems não têm um ponto final claro. Eles evoluem ao longo do tempo e, à medida que novas soluções são implementadas, o problema também muda, exigindo adaptações contínuas. Um bom exemplo disso é a questão da segurança cibernética. À medida que as empresas adotam novas medidas para proteger seus dados, os hackers desenvolvem novas formas de ataque. Portanto, o problema da segurança cibernética nunca é resolvido de maneira definitiva; ele exige um processo contínuo de adaptação e inovação.

       

WICKED PROBLEMS NO MUNDO VUCA

O mundo VUCA, caracterizado por Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade, cria um ambiente em que wicked problems não apenas proliferam, mas também se tornam mais graves e difíceis de lidar. Esses quatro fatores amplificam os desafios já presentes em problemas complexos, gerando uma espiral de incertezas e interconexões que dificulta ainda mais a busca por soluções eficazes. Em vez de oferecer clareza, o ambiente VUCA gera mais complicações, tornando os wicked problems uma constante em diversas esferas, desde o setor corporativo até as grandes questões sociais e ambientais.

A volatilidade de mudanças rápidas e imprevisíveis acelera a emergência de wicked problems, especialmente em áreas como tecnologia, finanças e geopolítica. A transformação digital, por exemplo, trouxe benefícios incríveis, mas também gerou problemas como a automação acelerada e a crescente desigualdade digital. Em muitas indústrias, como manufatura e varejo, o impacto da automação está diretamente ligado à perda de empregos, exigindo rápidas adaptações tanto por parte das empresas quanto dos governos. A volatilidade do mercado de trabalho torna o desafio de garantir a requalificação profissional ainda mais complexo, uma vez que as exigências mudam constantemente.

Além disso, eventos inesperados, como a pandemia de COVID-19, mostraram o quão vulneráveis são as cadeias de suprimentos globais, gerando disrupções massivas em setores essenciais, como o de alimentos e medicamentos. A rápida propagação da pandemia também evidenciou como a volatilidade exacerba os wicked problems, com diferentes respostas de governos e empresas muitas vezes agravando as situações que tentavam mitigar.

A incerteza inerente ao mundo VUCA impede a formulação de soluções eficazes e sustentáveis para wicked problems. No contexto da mudança climática, por exemplo, há um grande desconhecimento sobre as implicações a longo prazo de algumas das soluções propostas, como a adoção massiva de energias renováveis. Embora seja consenso que a transição para fontes mais limpas é essencial, os impactos econômicos, sociais e políticos dessa transição são imprevisíveis. Empresas de combustíveis fósseis que dependem de um modelo econômico específico enfrentam incertezas sobre como se adaptar, o que pode resultar em decisões que, em vez de mitigar o problema, criam novas formas de resistência, como a relutância de alguns países em abandonar suas indústrias de carvão e petróleo.

Da mesma forma, a evolução da inteligência artificial é cercada por incertezas em termos de regulação, impacto no emprego e segurança. A falta de clareza sobre como a IA impactará a sociedade cria um wicked problem de difícil resolução, pois envolve inúmeras partes interessadas com interesses conflitantes, desde empresas de tecnologia até reguladores governamentais.

A complexidade aumenta à medida que as interações entre sistemas se tornam mais profundas e interdependentes, o que agrava os wicked problems. Um exemplo contemporâneo está na crise climática global e suas ramificações no setor agrícola. A mudança nos padrões climáticos afeta diretamente a produção agrícola, gerando insegurança alimentar em diversas regiões do mundo. No entanto, as soluções não podem ser isoladas, pois a produção de alimentos também está ligada a questões de comércio internacional, mudanças no uso da terra e políticas governamentais.

Essa complexidade é ainda mais evidente quando consideramos o impacto da produção agrícola na emissão de gases de efeito estufa. Soluções que visam aumentar a produção de alimentos em áreas com déficit, como África e Sudeste Asiático, muitas vezes entram em conflito com os esforços de preservação ambiental, criando um ciclo de feedback negativo. Ou seja, qualquer tentativa de mitigar um problema pode, inadvertidamente, exacerbar outro. Assim, no contexto do VUCA, a complexidade interconectada dos sistemas torna os wicked problems ainda mais difíceis de resolver.

A ambiguidade do ambiente VUCA significa que mesmo com todas as informações em mãos, os líderes empresariais e governamentais podem não saber como interpretar os dados ou tomar decisões informadas. Isso é particularmente evidente em áreas emergentes como a regulação de criptomoedas. O rápido crescimento das criptomoedas e da tecnologia blockchain apresenta uma oportunidade econômica significativa, mas também envolve riscos consideráveis relacionados a lavagem de dinheiro, segurança cibernética e volatilidade financeira.

A ambiguidade sobre como essas tecnologias evoluirão a longo prazo impede que governos estabeleçam diretrizes regulatórias claras, resultando em um vácuo de regras e uma fragmentação de respostas políticas. A ausência de um quadro regulatório consistente para criptomoedas não apenas agrava os problemas relacionados à instabilidade econômica, mas também cria um ambiente propício para atividades ilícitas.

Outro exemplo de ambiguidade é o futuro da privacidade digital em um mundo cada vez mais conectado. As empresas estão coletando volumes sem precedentes de dados pessoais, mas os governos ainda estão tentando entender como regular efetivamente a proteção da privacidade. Essa falta de clareza cria um wicked problem, pois há um conflito entre inovação tecnológica, os direitos dos consumidores e a capacidade de governos de legislar sobre tecnologias que muitas vezes evoluem mais rápido do que as regulamentações podem acompanhar.

 

ABORDANDO WICKED PROBLEMS: PEQUENAS VITÓRIAS 

Uma ideia que pode fazer muita diferença na abordagem de wicked problems é a de pequenas vitórias. Em 2019, os pesquisadores Catrien J.A.M Termeer e Art Dewulf escreveram um paper propondo o conceito de small wins como uma abordagem possível, especialmente em um contexto de alta complexidade, incerteza e resistência a grandes mudanças.

Essa ideia está enraizada em três principais correntes teóricas: o sensemaking, a mudança contínua e o incrementalismo. O sensemaking é o processo interativo e social através do qual atores fazem sentido de problemas ambíguos, como os wicked problems. Segundo Weick (1995), este processo não é passivo, mas sim ativo e iterativo, onde as pessoas isolam elementos para examinar, agem sobre eles, observam as respostas e ajustam suas ações continuamente. Isso é essencial para lidar com problemas que não têm uma solução clara desde o início, como os wicked problems.

A mudança contínua, por sua vez, propõe que as organizações não passam por grandes transformações em curtos períodos, mas sim por adaptações constantes e pequenas alterações ao longo do tempo (Weick & Quinn, 1999). Esses pequenos ajustes, que à primeira vista podem parecer triviais, podem amplificar-se e acumular-se, levando a mudanças mais profundas e de grande escala em sistemas complexos.

No campo das ciências políticas, o incrementalismo de Lindblom (1959, 1979) oferece uma abordagem realista para lidar com problemas complexos. Ele sugere que, em vez de buscar decisões abrangentes e racionais, os formuladores de políticas devem focar em mudanças pequenas e graduais, que podem ser implementadas rapidamente sem gerar grandes antagonismos.

Nesse sentido, o conceito de pequenas vitórias foi introduzido como uma resposta às dificuldades enfrentadas na tentativa de lidar com problemas complexos em grande escala. Weick (1984) argumenta que a percepção de um problema como sendo massivo pode, muitas vezes, paralisar a ação e diminuir a qualidade do pensamento. Quando os desafios são concebidos em termos muito amplos, as pessoas tendem a sentir-se impotentes, frustradas e incapazes de agir. O framework de pequenas vitórias, por outro lado, permite uma abordagem mais acessível, onde os atores podem começar a agir com menos preconcepções e sem a necessidade de análises exaustivas — algo praticamente impossível no contexto de wicked problems.

Além disso, essa abordagem reduz os riscos associados a falhas e baixam a resistência ao progresso. Como os custos de falhar são modestos, os perdedores tendem a aceitar as perdas sem grandes disrupções, o que ajuda a manter o sistema social estável e incentiva novos experimentos. Essa abordagem gradual, segundo Lindblom, permite que mudanças profundas ocorram de maneira mais rápida do que as tentativas de grandes transformações isoladas.

O primeiro passo no framework de pequenas vitórias é identificar e valorizar essas pequenas vitórias à medida que elas surgem. No entanto, isso pode ser um desafio, pois essas pequenas vitórias muitas vezes ocorrem fora do radar da atenção pública e podem não ser reconhecidas ou institucionalizadas. Termeer e Dewulf (2019) identificam quatro características cruciais que ajudam a distinguir o que se chama de pequena vitória nesse contexto de uma simples vitória de curto prazo:

Resultados Concretos: As pequenas vitórias envolvem resultados visíveis e concretos, indo além de promessas ou ideias. Somente quando uma atividade é implementada e vivida ela pode ser refletida e valorizada como uma pequena vitória. 

Mudanças Profundas: pequenas vitórias envolvem mudanças de segunda ou terceira ordem, que desafiam os valores, crenças e rotinas subjacentes, ao contrário de mudanças superficiais que apenas melhoram as práticas existentes.

Importância Moderada: Essas vitórias geralmente ocorrem em níveis locais ou micro, onde a complexidade pode ser enfrentada de forma mais eficaz. Elas também podem servir como sementes para mudanças mais amplas no futuro.

Julgamento Positivo: Nem todas as pequenas ações são vitórias. O valor de uma pequena vitória depende de como ela é julgada pelos diversos atores envolvidos. Uma pequena vitória para um grupo pode ser uma pequena perda para outro, o que exige um cuidado ao definir o que é de fato uma vitória.

E por mais que uma pequena vitória isolada possa não parecer significativa, sua importância reside na capacidade de acumular-se e amplificar-se ao longo do tempo. O framework de Termeer e Dewulf (2019) destaca alguns mecanismos que ajudam a propagar e escalar as pequenas vitórias.

Uma delas é a ideia de energização: O sucesso de uma pequena vitória gera energia, confiança e motivação, incentivando os atores a buscar novas vitórias. Quando as pessoas percebem que podem fazer a diferença, isso cria um ciclo virtuoso de otimismo e ação contínua. Vitórias visíveis tendem a atrair mais recursos e aliados, permitindo que vitórias ainda maiores sejam alcançadas. Isso cria um ciclo positivo onde novas vitórias geram mais apoio e, portanto, mais chances de sucesso.

Outra questão é a aprendizagem pela Prática. Cada pequena vitória oferece feedback rápido sobre o que funciona ou não, proporcionando uma oportunidade de aprendizado contínuo. Mesmo quando os resultados são inesperados ou desapontadores, eles podem ativar novos ciclos de experimentação e aprendizado. Isso dá origem ao chamado Efeito de Bandwagon. Quando outros atores veem o sucesso de uma small win, eles são incentivados a imitar ou adotar práticas similares, o que pode levar a um movimento mais amplo de mudança.

Por fim, os pesquisadores apontam que pequenas vitórias podem se conectar com outras iniciativas em diferentes domínios, gerando efeitos cumulativos. Um exemplo citado por Plowman et al. (2007) é como uma pequena decisão de oferecer café da manhã para pessoas sem-teto gerou uma série de efeitos sinérgicos que resultaram em mudanças radicais.

Nesse sentido, o framework de small wins oferece uma abordagem poderosa para lidar com wicked problems, permitindo que as organizações façam progressos tangíveis e cumulativos sem esperar por soluções abrangentes. Ao focar em vitórias incrementais, aprender com cada passo, é possível transformar até os problemas mais complexos em oportunidades de inovação e transformação.

 

COMO SE COMPORTAR DIANTE DE WICKED PROBLEMS 

Por mais que o framework das pequenas vitórias dê um modus operandi geral, é tão ou mais importante adotar uma postura construtiva, que faça com que as equipes envolvidas em wicked problems consiga progredir ao longo do tempo.

No artigo “Wicked-Problem Solvers” de Amy C. Edmondson, ela explora as qualidades fundamentais que os líderes devem possuir para lidar com esses problemas complexos e multifacetados. De acordo com Edmondson, as características essenciais incluem uma visão adaptável, segurança psicológica, compartilhamento de conhecimento e uma mentalidade de aprendizado contínuo. Esses elementos são cruciais para formar equipes de resolução de problemas que podem enfrentar a incerteza e a complexidade inerentes aos wicked problems.

A primeira característica fundamental é a capacidade de criar uma visão adaptável. Quando se trata de wicked problems, é impossível prever todas as variáveis ou chegar a uma solução definitiva. Portanto, a visão inicial deve ser flexível o suficiente para se ajustar conforme novos aprendizados emergem. Isso é particularmente importante em projetos de inovação que envolvem múltiplas indústrias e expertise diversificada. No caso do projeto bem-sucedido de Lake Nona Medical City, Edmondson destaca como uma visão inicial de criar um hub de inovação em saúde foi adaptada ao longo do tempo para incorporar feedback dos stakeholders e ajustar-se a novos desafios, sem perder de vista a meta de longo prazo.

A adaptabilidade, nesse contexto, também significa ser capaz de absorver contratempos e fracassos sem comprometer a visão geral do projeto. Em projetos que envolvem várias partes interessadas, a capacidade de ajustar o rumo ao longo do caminho pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso.

A segurança psicológica é outro elemento central para líderes que enfrentam wicked problems. Esse conceito, amplamente pesquisado por Edmondson, refere-se à criação de um ambiente onde os membros da equipe se sintam seguros para expressar suas ideias, fazer perguntas e admitir erros sem medo de retaliações ou julgamentos. Isso é vital em situações de alta incerteza, onde as respostas não são claras e onde o aprendizado ocorre por meio de tentativa e erro.

Em equipes multidisciplinares, a segurança psicológica permite que os membros compartilhem suas diferentes perspectivas e expertise sem medo de serem ridicularizados ou ignorados. Isso facilita a colaboração e ajuda a superar as barreiras entre setores ou disciplinas que, de outra forma, poderiam inibir a inovação. No projeto Lake Nona, por exemplo, a criação de um ambiente de confiança entre profissionais de saúde, arquitetos, desenvolvedores imobiliários e acadêmicos foi essencial para que todos pudessem colaborar de maneira aberta e produtiva.

Lidar com wicked problems também exige que os líderes facilitem o compartilhamento de expertise entre as equipes. Edmondson argumenta que, em equipes compostas por especialistas de diversas áreas, é comum que os membros vivam em “mundos intelectuais” distintos e usem linguagens técnicas diferentes. Isso pode gerar conflitos e mal-entendidos, especialmente em projetos intersetoriais.

O papel do líder, nesse contexto, é criar uma “tradução” eficaz entre essas diferentes formas de conhecimento, garantindo que as contribuições de todos os membros sejam compreendidas e valorizadas. Um exemplo prático seria a implementação de ferramentas como dialogue mapping, onde os pontos de vista divergentes são documentados e analisados em conjunto, permitindo que as equipes vejam além de suas próprias perspectivas e consigam integrar conhecimentos para soluções mais robustas.

Essa capacidade de integrar diferentes áreas de conhecimento não só enriquece as soluções propostas, como também ajuda a criar um senso de propósito compartilhado, o que é crucial para manter o engajamento em projetos complexos e de longa duração.

Por fim, Edmondson destaca a importância de cultivar uma mentalidade de “execução como aprendizado”. Em vez de buscar respostas perfeitas ou seguir um plano rígido, os líderes que resolvem wicked problems adotam uma abordagem experimental. Eles implementam pequenas iniciativas, testam protótipos e conduzem programas piloto para aprender com os resultados, ajustando continuamente suas estratégias conforme novas informações emergem.

Esse tipo de liderança reconhece que o aprendizado é contínuo e que o fracasso é uma parte inevitável do processo. Empresas como GE e Fujitsu são citadas por Edmondson como exemplos de organizações que incentivam o risco calculado e celebram iniciativas mesmo quando elas não alcançam os resultados esperados.

O foco, nesses casos, está no aprendizado que pode ser extraído dos erros e no progresso incremental em direção a uma solução mais eficaz.

Além disso, a adoção de uma mentalidade de aprendizado contínuo envolve o que Edmondson chama de “feed-forward”, uma prática de antecipar cenários futuros e adaptar as estratégias para moldar esses futuros desejáveis. Empresas que praticam o feed-forward, como a Alcoa na década de 1980, não apenas reagem ao presente, mas trabalham proativamente para criar o futuro que desejam ver. Essa abordagem é especialmente útil em ambientes incertos, onde o futuro não pode ser previsto com precisão, mas pode ser influenciado por ações presentes.

 

CASE: UNILEVER USLP

O Unilever Sustainable Living Plan (USLP) é um exemplo notável de como uma grande empresa pode enfrentar wicked problems ao aplicar os conceitos de small wins, liderança adaptativa, colaboração intersetorial e uma abordagem contínua de aprendizado. A Unilever, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo, implementou o USLP em 2010 com o objetivo ambicioso de dobrar o tamanho de seus negócios, ao mesmo tempo em que reduzia pela metade seu impacto ambiental e melhorava as condições de vida de milhões de pessoas até 2020​

O USLP nasceu da percepção de que o crescimento sem limites, baseado em um modelo tradicional de negócios, não seria sustentável em longo prazo. O plano se concentrou em três áreas principais: melhorar a saúde e o bem-estar de mais de um bilhão de pessoas, reduzir o impacto ambiental dos produtos da Unilever pela metade e melhorar as condições de vida de milhões de pessoas em sua cadeia de fornecimento​.

Este foi um verdadeiro wicked problem, dado que envolvia questões complexas e interconectadas, como mudanças climáticas, desperdício de água e o desafio de sustentar o crescimento econômico em mercados emergentes sem sacrificar os recursos naturais. A Unilever sabia que não poderia resolver todos esses problemas de uma só vez e, por isso, optou por uma abordagem incremental, visando pequenas vitórias ao longo do caminho.

Um dos pontos-chave do USLP foi a capacidade da Unilever de manter uma visão adaptável ao longo do tempo. Em vez de definir um plano rígido, a empresa criou um conjunto de metas com espaço para ajustes conforme novos desafios e oportunidades surgiam. Por exemplo, ao longo do plano, a Unilever teve que lidar com o impacto crescente das mudanças climáticas sobre suas cadeias de fornecimento agrícolas. Para superar isso, a empresa se comprometeu a adquirir 100% de suas matérias-primas agrícolas de fontes sustentáveis até 2020.

Outro aspecto importante foi a colaboração intersetorial. A Unilever sabia que, para alcançar suas metas, precisaria trabalhar em parceria com governos, ONGs e outros atores da sociedade civil. No caso da aquisição de óleo de palma sustentável, por exemplo, a empresa trabalhou com organizações como o WWF (World Wildlife Fund) para garantir que suas cadeias de fornecimento estivessem em conformidade com as certificações de sustentabilidade​.

A abordagem de small wins foi central no USLP. Ao invés de tentar resolver todos os problemas de uma só vez, a Unilever focou em alcançar pequenas vitórias que pudessem ser escaladas ao longo do tempo. Um exemplo claro foi a introdução do Comfort One Rinse, um amaciante de roupas desenvolvido para mercados em que a água é escassa. O produto permitia que os consumidores lavassem suas roupas com muito menos água, resultando em uma economia de 500 bilhões de litros de água por ano, se adotado em larga escala​.

Essa abordagem de vitórias incrementais também foi aplicada à redução de gases de efeito estufa. A Unilever reformulou produtos de limpeza e higiene pessoal para que usassem menos água quente, que é um grande fator de emissão de CO₂ no ciclo de vida de seus produtos. A empresa também se comprometeu a aumentar o uso de energia renovável em suas fábricas, dobrando o uso de energias renováveis até 2020.

Internamente, a Unilever cultivou uma cultura de segurança psicológica que permitiu que suas equipes experimentassem novas ideias sem medo do fracasso. Isso foi fundamental para a implementação de práticas sustentáveis em mercados desafiadores. Um exemplo foi o desenvolvimento de produtos de higiene acessíveis, como o sabão Lifebuoy, que ajudou a melhorar os hábitos de higiene de milhões de pessoas em mercados emergentes, reduzindo a incidência de doenças como diarreia e infecções respiratórias​.

A cultura de aprendizado contínuo foi outro pilar da abordagem da Unilever. A empresa não tratou o USLP como um plano estático, mas como uma estratégia dinâmica, em constante adaptação. Por exemplo, quando descobriram que os produtos de higiene pessoal eram uma das maiores fontes de emissão de CO₂ devido ao uso de água quente, eles começaram a investir em campanhas para incentivar o uso de água fria durante os banhos​.

A Unilever não apenas trabalhou internamente, mas também colaborou com governos e ONGs para escalar suas soluções sustentáveis. O projeto Shakti, por exemplo, treinou mulheres em áreas rurais da Índia para atuar como microempreendedoras, vendendo produtos Unilever diretamente para comunidades carentes. Esse projeto gerou impacto duplo: além de fornecer produtos essenciais, como sabão e cremes dentais, também melhorou a renda das mulheres envolvidas, promovendo o desenvolvimento econômico local​

Nesse sentido, o Unilever Sustainable Living Plan é um exemplo prático de como as empresas podem enfrentar wicked problems aplicando os princípios discutidos neste texto. A empresa conseguiu alcançar grandes resultados ao longo do tempo, através de vitórias incrementais, liderança adaptativa, segurança psicológica e uma abordagem colaborativa. Ao abordar questões complexas, como sustentabilidade ambiental e inclusão social, de forma estruturada, mas flexível, a Unilever demonstrou que é possível combinar crescimento econômico com responsabilidade social e ambiental, criando um modelo a ser seguido por outras corporações globais.

Com essa abordagem, a Unilever provou que, embora a resolução de wicked problems possa ser desafiadora, ela também é viável por meio de pequenas vitórias que, acumuladas ao longo do tempo, podem levar a mudanças transformadoras​.

 
 

Ao encarar wicked problems, a chave está em reconhecer que não há soluções simples ou definitivas. O caminho para o progresso passa por abordagens incrementais, uma liderança adaptativa e a construção de parcerias que potencializam o conhecimento coletivo. Pequenas vitórias e a disposição para aprender continuamente podem transformar desafios intransponíveis em oportunidades de inovação e mudança positiva.

Ao adotarmos uma postura aberta ao aprendizado e à colaboração, criamos as condições necessárias para enfrentar a complexidade com mais confiança e adaptabilidade. Não se trata de eliminar todos os problemas de uma vez, mas de construir soluções que, com o tempo, acumulam impactos significativos.

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