Nos últimos anos, o mundo corporativo tem testemunhado um movimento cada vez mais intenso: o “achatamento” das hierarquias organizacionais. Empresas como Meta, Amazon e Citi, em busca de maior eficiência, têm eliminado cargos de gerência média, reduzindo camadas entre os líderes seniores e as equipes operacionais. O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, resumiu bem essa tendência ao criticar o que chamou de “gestores gerenciando gestores, que gerenciam gestores, que gerenciam quem realmente faz o trabalho”. A promessa é clara: agilizar processos, cortar custos e melhorar a produtividade.
No entanto, à medida que as empresas celebram as economias financeiras e a agilidade operacional, emergem sérias preocupações sobre as consequências desse movimento. A perda de gerentes médios não é apenas uma questão de redução de custos; é uma transformação estrutural que afeta diretamente o funcionamento das organizações. Esses profissionais, muitas vezes vistos como intermediários dispensáveis, desempenham papéis fundamentais: eles motivam equipes, conectam diferentes departamentos e garantem que a visão estratégica dos líderes se traduza em resultados concretos.
Este artigo explora o fenômeno do achatamento das hierarquias corporativas, investigando suas origens históricas, as principais razões por trás desse movimento e as consequências – positivas e negativas – para as empresas e os profissionais. Além disso, discutiremos como o papel dos gerentes médios pode ser repensado e adaptado para garantir que, mesmo em tempos de mudança, eles continuem contribuindo de forma estratégica para o sucesso organizacional.
ENTENDENDO O MIDDLE MANAGER
A história da gerência média é marcada por uma evolução que reflete as transformações das organizações ao longo do tempo. Esse papel ganhou força durante a Revolução Industrial, quando as empresas cresceram em tamanho e complexidade, demandando uma estrutura que pudesse coordenar as operações entre os níveis estratégicos e operacionais. Os gerentes médios surgiram como o elo essencial para conectar a visão dos líderes seniores com a execução prática nos níveis inferiores. Com o passar das décadas, eles se consolidaram como peças-chave na engrenagem corporativa, assumindo funções como supervisão, comunicação entre departamentos e alinhamento das equipes às metas organizacionais.
No entanto, o ataque ao papel dos gerentes médios não é um fenômeno recente. Nos anos 1980, uma onda de globalização e o crescente foco em eficiência operacional desencadearam a primeira grande redução dessas posições. Inspiradas por ideias como as de Jack Welch, então CEO da General Electric, muitas empresas começaram a enxergar a gerência média como um custo dispensável. A justificativa era clara: reduzir camadas hierárquicas simplificaria a cadeia de comando, diminuiria custos e aceleraria processos. Durante esse período, muitas organizações eliminaram postos intermediários, cortando custos significativos e redistribuindo as responsabilidades para níveis superiores e inferiores. Entre 1986 e 1998, por exemplo, o número de gestores que reportavam diretamente aos líderes de divisão caiu em mais de 25%, enquanto os subordinados diretos de CEOs quase dobraram.
Essa filosofia de “enxugamento” permaneceu ao longo das décadas, mas o discurso mudou. Hoje, o movimento de achatamento é apresentado não apenas como uma estratégia de economia, mas como uma abordagem que promete maior agilidade e inovação. Líderes como Mark Zuckerberg, do Meta, e Elon Musk, do Twitter, popularizaram a ideia de que estruturas hierárquicas tradicionais são ineficazes e obsoletas. Zuckerberg chegou a afirmar que não quer “gerentes gerenciando gerentes, que gerenciam gerentes”, reforçando a ideia de que a eliminação dessas camadas tornaria as empresas mais dinâmicas e eficientes.
Apesar das críticas, os gerentes médios desempenharam – e continuam desempenhando – papéis fundamentais que vão além das percepções de burocracia. Eles são os responsáveis por traduzir estratégias em ações concretas, garantindo que as equipes entendam e executem as metas da organização. Além disso, atuam como mediadores entre diferentes departamentos, evitam a formação de silos organizacionais e mantêm as operações fluindo com consistência. Quando eficazes, os gerentes médios não apenas contribuem para a produtividade, mas também fomentam uma cultura de engajamento e motivação, sendo figuras-chave no bem-estar das equipes.
Portanto, a história da gerência média reflete uma tensão contínua entre sua relevância prática e sua percepção como um peso burocrático. Enquanto as primeiras ondas de cortes buscavam maximizar eficiência e reduzir custos, a atual tendência de achatamento carrega implicações mais profundas, impulsionada por mudanças tecnológicas, culturais e econômicas. Essa transformação exige uma reavaliação crítica sobre o papel dos gerentes médios, especialmente em um momento em que as organizações enfrentam pressões para se tornarem mais ágeis e inovadoras, sem comprometer a coesão interna e a sustentabilidade de longo prazo.
O QUE TEM LEVADO AO GRANDE ACHATAMENTO?
O movimento de achatamento das hierarquias corporativas, que tem levado à eliminação em massa de cargos de gerência média, é impulsionado por uma combinação de forças tecnológicas, culturais e econômicas que moldam o ambiente empresarial contemporâneo. A tecnologia, por exemplo, tem desempenhado um papel central nessa transformação. Com o avanço das ferramentas de automação e inteligência artificial, muitas das funções tradicionalmente desempenhadas por gerentes médios estão sendo substituídas por sistemas digitais. Softwares especializados são capazes de monitorar desempenho, gerar relatórios e até mesmo propor soluções de maneira mais rápida e eficiente do que a supervisão humana. Além disso, as equipes autogerenciáveis, apoiadas por essas tecnologias, têm conseguido operar de forma mais independente, reduzindo a necessidade de supervisão constante. Essa mudança tecnológica reforça a percepção de que os gerentes médios são dispensáveis, ignorando, no entanto, o valor humano insubstituível que esses profissionais oferecem em aspectos como mediação de conflitos, motivação de equipes e construção de relacionamentos.
Paralelamente, há uma transformação cultural significativa que desafia os modelos tradicionais de gestão. Gerações mais jovens, como Millennials e Gen Z, estão mudando a forma como o trabalho é percebido e executado. Essas gerações valorizam ambientes horizontais, onde a colaboração, a transparência e a autonomia são priorizadas. Para eles, a ideia de uma estrutura hierárquica rígida é antiquada e muitas vezes contraproducente. Em vez de supervisores que fiscalizam e controlam, preferem líderes que atuem como mentores e facilitadores de desenvolvimento. Essa nova abordagem cultural não apenas torna as posições de gerência média menos atraentes, mas também incentiva as empresas a redesenhar suas estruturas organizacionais. Contudo, essa busca por maior horizontalidade pode criar novos desafios. Embora a autonomia seja valorizada, a ausência de supervisores próximos pode dificultar a integração de novos talentos e comprometer o alinhamento das equipes, especialmente em um mundo onde o trabalho híbrido é cada vez mais comum.
Além dos fatores tecnológicos e culturais, o corte de custos é uma força econômica poderosa que tem acelerado o achatamento organizacional. Em tempos de incerteza econômica, eliminar a camada de gerência média é frequentemente visto como uma solução rápida e eficiente para reduzir despesas. Profissionais nesse nível hierárquico costumam ter salários elevados, mas sua contribuição direta para resultados como receita e produtividade é difícil de mensurar em métricas tradicionais. Por isso, muitas empresas enxergam nesses cargos uma oportunidade de economizar e aumentar suas margens de lucro. Exemplos como Meta e UPS demonstram como a eliminação de gerentes médios tem sido usada para justificar economias bilionárias. No entanto, essas economias de curto prazo podem trazer custos ocultos. A ausência de gerentes médios frequentemente resulta em sobrecarga de trabalho para os supervisores que permanecem, aumentando os níveis de burnout e prejudicando o engajamento das equipes. Além disso, o impacto na retenção de talentos e na moral dos funcionários pode comprometer o desempenho a longo prazo.
Portanto, o achatamento das hierarquias corporativas resulta de uma convergência de fatores tecnológicos, culturais e econômicos que refletem as mudanças no ambiente empresarial moderno. No entanto, os custos invisíveis dessa transformação começam a emergir, levantando questões cruciais sobre a sustentabilidade dessas decisões no longo prazo. Se, por um lado, a redução de gerentes médios pode parecer uma solução eficiente para economias imediatas, por outro, ela pode comprometer a capacidade das empresas de inovar, reter talentos e manter equipes engajadas e alinhadas. O papel estratégico dos gerentes médios ainda precisa ser reavaliado para garantir que, mesmo em um cenário de mudança, as empresas consigam equilibrar eficiência operacional com sustentabilidade organizacional.
CONTRAPONTO: O QUE SE PERDE ELIMINANDO O GERENTE INTERMEDIÁRIO?
O movimento de achatamento das hierarquias corporativas, embora muitas vezes celebrado como uma solução para melhorar eficiência e reduzir custos, apresenta uma série de desafios e consequências que levantam dúvidas sobre sua viabilidade a longo prazo. Os gerentes médios, frequentemente vistos como burocratas desnecessários, na verdade desempenham papéis cruciais que, quando ausentes, podem comprometer o funcionamento das organizações. Este capítulo explora os principais contrapontos à tendência de eliminar essa camada hierárquica, mostrando por que o enfraquecimento do middle management pode ser mais prejudicial do que parece.
Em primeiro lugar, é importante destacar o impacto direto que os gerentes médios têm no engajamento e na produtividade das equipes. Estudos mostram que esses profissionais são responsáveis por grande parte da variação no nível de engajamento dos funcionários, enquanto líderes seniores exercem uma influência significativamente menor. A presença de um gerente próximo e acessível pode fazer a diferença na experiência diária dos trabalhadores, garantindo que tenham suporte, orientação e reconhecimento. Sem essa figura de liderança direta, os funcionários podem se sentir desamparados, resultando em desmotivação e aumento do turnover, fatores que impactam diretamente os resultados financeiros da empresa.
Outro ponto crucial é o papel dos gerentes médios na mediação entre diferentes partes da organização. Eles atuam como o elo entre a alta liderança e as equipes operacionais, traduzindo a visão estratégica em ações práticas e garantindo que a comunicação flua de forma eficaz. A ausência dessa camada pode levar à formação de silos organizacionais, onde departamentos trabalham de forma isolada, dificultando a colaboração e a inovação. Além disso, sem os gerentes médios, os líderes seniores precisam assumir uma carga adicional de supervisão e coordenação, desviando seu foco de questões estratégicas e comprometendo sua eficácia.
O impacto humano do achatamento também merece atenção. A eliminação de gerentes médios frequentemente resulta em sobrecarga para os supervisores que permanecem, forçando-os a gerenciar equipes maiores e assumir responsabilidades adicionais. Essa situação leva ao burnout, uma condição cada vez mais comum nas organizações, especialmente em tempos de incerteza econômica e transições para modelos de trabalho híbrido. O estresse elevado e a falta de suporte afetam tanto os gestores quanto os funcionários sob sua supervisão, criando um ciclo de insatisfação que pode ser difícil de reverter.
Além disso, há um custo invisível associado à perda de gerentes médios: a diminuição da capacidade de reter e desenvolver talentos. Esses profissionais desempenham um papel essencial no desenvolvimento de habilidades e na construção de carreiras dentro das empresas. Quando essa camada é eliminada, os funcionários mais jovens perdem acesso a mentores que poderiam guiá-los e prepará-los para assumir papéis de liderança no futuro. Isso não apenas prejudica a trajetória individual dos trabalhadores, mas também enfraquece o pipeline de sucessão dentro da organização, criando lacunas de liderança no longo prazo.
Por fim, o achatamento hierárquico também pode minar a cultura organizacional. Gerentes médios são frequentemente os responsáveis por implementar e sustentar os valores e princípios da empresa no dia a dia. Eles garantem que as políticas e práticas corporativas sejam aplicadas de forma consistente, promovendo um ambiente de trabalho saudável e alinhado aos objetivos estratégicos. Sem eles, há um risco maior de desconexão entre a visão da liderança e a realidade vivida pelos funcionários, o que pode levar a conflitos internos e perda de identidade organizacional.
Portanto, embora a redução de gerentes médios possa parecer uma solução lógica para economizar recursos e simplificar operações, os riscos associados a essa prática são substanciais. A ausência desses profissionais compromete não apenas a eficiência operacional, mas também a coesão interna, a retenção de talentos e a sustentabilidade da cultura organizacional. Em um momento em que as empresas enfrentam desafios crescentes para se adaptar a mudanças tecnológicas e culturais, eliminar o middle management pode ser um erro estratégico de longo prazo, cujas consequências ainda não foram totalmente mensuradas.
PENSAMENTO ESTRATÉGICO: A “SALVAÇÃO” DO MIDDLE MANAGER
A sobrevivência dos gerentes médios no ambiente corporativo atual depende de uma transformação fundamental no entendimento de seu papel dentro das organizações. À medida que as empresas buscam estruturas mais enxutas e ágeis, os gestores médios precisam provar que podem ir além de suas funções tradicionais de supervisão e se posicionar como peças estratégicas para o crescimento e a inovação. Este capítulo explora como os gerentes médios podem se reinventar, contribuindo de maneira decisiva para o sucesso das empresas no longo prazo.
Uma das formas mais eficazes de redefinir o papel dos gerentes médios é assumir um papel mais estratégico dentro das organizações. Em vez de serem vistos apenas como supervisores de tarefas, esses profissionais devem se posicionar como facilitadores de inovação e coordenadores de iniciativas que impactem diretamente os resultados do negócio. Gerentes médios podem atuar como tradutores da estratégia corporativa, conectando a visão dos líderes seniores à execução prática. Para isso, é essencial que tenham uma compreensão profunda das prioridades estratégicas da empresa e saibam como mobilizar suas equipes para alcançá-las.
Além disso, os gerentes médios podem contribuir de forma significativa para a transformação cultural das organizações. Em um ambiente de trabalho cada vez mais híbrido e descentralizado, eles têm a oportunidade de ser os principais agentes de mudança cultural, promovendo valores como colaboração, diversidade e inovação. Isso exige habilidades interpessoais robustas e a capacidade de construir relacionamentos fortes, tanto dentro de suas equipes quanto entre diferentes departamentos. Esses profissionais podem se tornar mentores estratégicos, ajudando a desenvolver o talento interno e garantindo que as equipes se sintam conectadas aos objetivos maiores da organização.
Para desempenhar essas funções de maneira eficaz, é crucial que as empresas invistam no desenvolvimento de seus gerentes médios. Programas de upskilling e reskilling devem ser implementados para equipá-los com as competências necessárias para enfrentar os desafios do futuro. Áreas como análise de dados, liderança em ambientes híbridos e gestão de projetos complexos são cada vez mais demandadas e podem se tornar diferenciais importantes para esses profissionais. Ao mesmo tempo, as empresas precisam criar estruturas que permitam aos gerentes médios dedicar tempo suficiente à gestão de pessoas, em vez de sobrecarregá-los com responsabilidades operacionais.
Outra estratégia crucial é incentivar os gerentes médios a se especializarem em áreas de alto impacto estratégico. Em vez de se limitarem a generalistas, esses profissionais podem se posicionar como especialistas em tópicos críticos para a empresa, como inovação, transformação digital ou sustentabilidade. Essa abordagem não apenas aumenta seu valor percebido dentro da organização, mas também os torna menos suscetíveis a cortes durante períodos de reestruturação. Além disso, ao se especializarem, os gerentes médios podem atuar como consultores internos, oferecendo insights valiosos e direcionando recursos para iniciativas de maior retorno.
Por outro lado, cabe às empresas reconhecerem e valorizarem o impacto que os gerentes médios podem ter em suas organizações. Isso inclui oferecer suporte adequado, definir métricas claras para avaliar o sucesso desses profissionais e criar sistemas de recompensa que reflitam sua contribuição. As empresas que conseguirem alinhar suas expectativas estratégicas com o papel dos gerentes médios estarão mais bem preparadas para enfrentar os desafios do mercado e capitalizar as oportunidades que surgirem.
O papel dos gerentes médios no crescimento organizacional vai além da supervisão operacional. Eles podem ser catalisadores de inovação, construtores de cultura e estrategistas que conectam a visão de longo prazo aos resultados do dia a dia. Para que isso aconteça, no entanto, é necessário um esforço conjunto entre empresas e profissionais, com investimento em capacitação, redefinição de expectativas e reconhecimento de sua importância estratégica. Em um cenário de mudanças rápidas e constantes, os gerentes médios podem ser a peça-chave para transformar desafios em oportunidades e garantir a sustentabilidade organizacional no futuro.
O movimento de achatamento das hierarquias corporativas representa uma encruzilhada para as empresas modernas. Ao eliminar cargos de gerência média em nome da eficiência, muitas organizações podem estar comprometendo a sustentabilidade de longo prazo em troca de economias imediatas. O futuro das corporações não está apenas em estruturas enxutas, mas em sistemas que valorizem o equilíbrio entre agilidade e a capacidade de alinhar, engajar e desenvolver equipes. Gerentes médios, quando empoderados e bem treinados, têm o potencial de preencher esse espaço crítico, conectando estratégia e execução de maneira única e insubstituível.
O desafio agora é transformar essa crise em uma oportunidade. Para os gerentes médios, isso significa redefinir seus papéis e investir em competências que agreguem valor em um cenário em constante evolução. Para as empresas, a missão é repensar como estruturar e valorizar suas equipes, reconhecendo o impacto estratégico que esses profissionais podem ter. No final, o sucesso virá para aqueles que enxergarem no middle management não um custo a ser cortado, mas um ativo a ser potencializado para alcançar crescimento, inovação e competitividade.